Profissionais de todas as áreas da saúde entram em contato com pessoas que demonstram comportamento de automutilação. As pessoas se envolvem em comportamentos de automutilação por diversas razões. Para algumas, serve como um mecanismo de enfrentamento que lhes permite lidar com emoções, como ansiedade, depressão ou frustração. Outros se prejudicam para enfrentar uma sensação de alienação ou dissociação, para se punir ou para ajudar os outros. Pessoas que se autoinfligem costumam ter sentimentos de solidão.¹
Embora exista variação internacional, as descobertas de muitos estudos baseados na comunidade mostram que cerca de 10% dos adolescentes relatam ter se provocado algum tipo de injúria, alguns dos quais relatam uma extensão da intenção suicida por trás de sua automutilação. Esses estudos também demostram de forma consistente que as lesões autoprovocadas são mais comuns em adolescentes do sexo feminino do que em adolescentes do sexo masculino. A apresentação ao hospital ocorre em apenas cerca de um em cada oito casos que causam lesões autoprovocadas na comunidade, sendo mais comum em casos de overdose por algum tipo de droga ilícita.²
Em um cenário onde se torna mais frequente a automutilação existiria alguma forma de antecipar esse problema?
De acordo com um estudo transversal em que participaram adolescentes com idades entre 12 e 17 anos sem condições de saúde subjacentes, foram recrutados jovens com episódios de automutilação os quais foram abordados diretamente com informações sobre o estudo. A equipe de pesquisa também buscou identificar jovens em instituições de acolhimento com histórico de automutilação. Profissionais (por exemplo, psiquiatras, psicólogos, gerentes de unidades ou professores) capazes de identificar participantes potenciais forneceram aos mesmos informações sobre o estudo. Os participantes foram agrupados por status residencial (ou seja, participantes de controle da comunidade ou jovens sob cuidados) e história de automutilação recente (definida como o número de episódios de automutilação no ano anterior: nenhum episódio, 1-4 episódios ou 5 episódios) feitos com intenção mista ou pouco clara, de acordo com as diretrizes do Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE) do Reino Unido. Jovens com intenção suicida não foram excluídos. Os critérios de exclusão incluíram deficiência intelectual conhecida (quociente de inteligência <70), transtorno do espectro autista, problemas cardíacos ou circulatórios, epilepsia ou lesão recente de natureza grave.³
O que foi descoberto?
Primeiramente foi analisada a sensibilidade somatossensorial dos participantes que se automutilam e vivem em instituições residenciais, em comparação com 2 grupos de controle, sem automutilação - participantes de controle que vivem na comunidade e participantes de controle que vivem em residências e / ou grupos de cuidado. As informações sobre a sensibilidade do participante individual a uma gama de estímulos dolorosos e não dolorosos foram obtidas usando os protocolos de teste sensorial quantitativo padronizado (QST) desenvolvidos pela Rede Alemã de Pesquisa sobre Dor Neuropática (DFNS).
As variáveis QST foram comparadas entre os 4 grupos usando regressão linear com o grupo como uma variável independente codificada por dummy seguida por comparações aos pares. Dados como a idade, o sexo e o uso de medicamentos prescritos são fatores que podem influenciar as respostas do QST, foram ajustadas cada uma das análises de regressão. Para uma análise exploratória da capacidade de diferenciar entre grupos de itens individuais, realizou-se uma regressão linear com o grupo como variável independente e estimou se a variância explicada para as diferenças entre os grupos.³
Um total de 64 participantes com idades entre 13 e 17 anos completaram o teste (idade média, 16,3 anos; 34 [53%] mulheres e 30 [47%] homens; 50 [78%] vivendo em casas de grupo). Adolescentes com 5 ou mais incidências de automutilação mostraram hipossensibilidade à dor significativa em comparação com os participantes do controle da comunidade após o ajuste para idade, sexo e uso de medicamentos prescritos (grupo automutilação com 5 ou mais episódios vs controle). A hipossensibilidade também se estendeu a estímulos não dolorosos.³
De acordo com o estudo, a sensibilidade à dor pareceu ser um biomarcador para a incidência e frequência de lesões autoprovocadas, de modo que a sensibilidade à dor pode ser usada para avaliar o risco de lesões autoprovocadas em adolescentes. Não se sabe como a sensibilidade à dor muda com a idade e se essas mudanças sensoriais remitem com a mudança na incidência ou cessação da automutilação ao longo do tempo.³
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Referências:
KARMAN, Pieter et al. Nurses' attitudes towards self‐harm: A literature review. Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing, v. 22, n. 1, p. 65-75, 2015.
HAWTON, Keith; SAUNDERS, Kate EA; O'CONNOR, Rory C. Self-harm and suicide in adolescents. The Lancet, v. 379, n. 9834, p. 2373-2382, 2012.
Cummins TM, English O, Minnis H, et al. Assessment of Somatosensory Function and Self-harm in Adolescents. JAMA Netw Open. 2021;4(7):e2116853. doi:10.1001/jamanetworkopen.2021.16853
Conteúdo elaborado por Diego Arthur Castro Cabral