AIDS - Cresce o número de novas infecções no Brasil
“Agora, mais do que nunca, temos de concentrar nossos recursos limitados nos lugares onde ocorrem a maioria das infecções e onde a maioria das pessoas morrem. O mundo precisa de um novo plano para os 15 países que representam 75% das novas infecções por HIV." Michel Sidibé, Diretor Executivo do UNAIDS
Muito tem se falado a respeito da queda do avião da Malaysia Airlines há alguns dias atrás. E com esse assunto, a morte de importantes pesquisadores, que estavam à bordo do vôo MH17 rumo à 20ª Conferência Internacional sobre AIDS, que acontece nesse momento em Melbourne, na Austrália. Entre esses pesquisadores e especialistas, estava o médico Joep Lange, ex-presidente da Sociedade Internacional de Aids. Lange é reconhecido mundialmente por dedicar-se ao estudo da doença desde os anos 80, e por ter sido forte defensor do acesso às medicações pelos países mais pobres, a fim de iniciar o tratamento precoce, evitando a progressão da doença, infecções oportunistas, morte prematura e secundariamente prevenir a transmissão do vírus e propagação.
Estando ou não a "cura para AIDS naquele avião", é também muito triste saber que no Brasil o número de novas infecções por HIV tem aumentado e não reduzido.
De acordo com o relatório The Gap do Unaids (Programa das Nações Unidas para HIV e Aids) divulgado recentemente, o Brasil tem caminhado na contramão global, já que a taxa de novas infecções no país cresceu 11%, enquanto que a média global teve queda de 13% nos últimos três anos.
Apesar de o país ser um dos pioneiros ao oferecer tratamento totalmente gratuito à população, através do SUS, até o ano passado os medicamentos eram fornecidos apenas às pessoas que já apresentassem sintomas da doença, ou níveis de CD4 abaixo de 500 células/mm³. Em dezembro do ano passado, no entanto, foi lançado um novo protocolo que permitia o início do tratamento com terapia antirretroviral no momento do diagnóstico da doença. Isso pode ser um ponto importante no controle da infecção, como defendia Lange, já que o início precoce do tratamento ajuda a reduzir a carga viral e prevenir a transmissão e propagação da doença.
De acordo com o relatório The Gap, até o final de 2013 cerca de 1,6 milhões de pessoas vivem com Aids na América Latina. Sendo que, ocorrem 10 novas infecções por HIV a cada hora e a maior parte desses casos (75%) se concentra em apenas 5 países: Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela. Infelizmente, o Brasil é o país que responde pela grande maioria dos casos: 47% das pessoas que vivem com HIV na América Latina estão aqui.
A maioria dos pacientes são homens (cerca de 60%), incluindo tanto heterossexuais, quanto homossexuais. No entanto, de acordo com o relatório, a população mais vulnerável à infecção por HIV é a de: homens que fazem sexo com outros homens, mulheres transgêneros, homens gays, homens e mulheres profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis.
"De acordo com análises recentes dos modos de transmissão na América Latina, as taxas de maior prevalência são encontradas em homens gays e homens que fazem sexo com outros homens." (retirado do relatório The Gap).
No Peru, essa taxa chegou a 56% e no Brasil, a prevalência de HIV em homens que fazem sexo com outros homens foi de 11%. Estima-se que quase 51% dessa população têm acesso aos serviços de HIV, um nível que se manteve inalterado durante muitos anos. Em alguns países, o acesso a aconselhamento sobre o HIV, testes e tratamento continua muito baixo para a população de maior prevalência. No Brasil, por exemplo, esse número é de 39% e em países como Colômbia, apenas 15%.
Mas o que pode estar por trás disso?
Apesar de a América Latina ser a região que mais oferece cobertura antirretroviral no mundo, apenas 45% dos 1,6 milhões de pessoas que vivem com HIV têm acesso ao tratamento. Esse número ainda é muito baixo, para quem quer acabar com a epidemia até 2030. E sofre variações de país para país, por exemplo, o Brasil juntamente com Chile, Costa Rica, El Salvador, México, Panamá, Peru
Uruguai e Venezuela são os que mais oferecem cobertura com a terapia antirretroviral, mas esse número é de apenas 40%. Enquanto em outros países (como Bolívia) menos de 20% das pessoas que vivem com HIV têm acesso ao tratamento.
O fato é que o preconceito e a discriminação ainda são muito grandes, e interferem também no acesso da população ao aconselhamento sobre HIV, testes e tratamento dos grupos mais vulneráveis. Tornando assim também, difícil o controle da doença para redução do número de novos casos.
Não é o caso do Brasil, mas em alguns países, existem leis que restringem o livre acesso de pessoas que vivem com HIV. Cerca de 50 países no mundo, chegam ao extremo de impor restrições para a entrada ou permanência de pessoas portadoras de HIV. Como relata a especialista em sexualidade Shereen El-Feki no TED, além de serem uma violação aos acordos internacionais de direitos humanos, "em termos práticos, essas leis conduzem o HIV para a clandestinidade. As pessoas ficam menos suscetíveis a aparecer para fazer testes ou serem tratadas, ou para revelar sua condição. Nada disso ajuda esses indivíduos ou as comunidades que essas leis pretendem proteger. (...)uma vacina para o HIV, ou a cura da AIDS - isso é ciência de ponta. Mas alterar a lei não é."
No caso do Brasil, não existem essas leis explícitas, mas existe aquela lei velada, do preconceito, e isso dificulta também a luta contra a propagação da doença.
Nesses últimos dias, a 20ª Conferência Internacional sobre Aids, também tratou desse assunto: a presidente da Conferência Françoise Barré-Sinoussi, pediu aos participantes que assinassem a Declaração de Melbourne 2014. O documento pede pelo fim do estigma e da discriminação aos portadores de HIV. "Em todas as regiões do mundo o estigma e as discriminação seguem sendo os principais obstáculos para o acesso efetivo à saúde." Disse a médica, que recebeu o prêmio Nobel, por ter sido uma das responsáveis pela descoberta do vírus HIV.
Por fim, Sheren El-Feki finaliza em seu discurso no TED: "Para muitos de nós aqui, HIV não é uma ameaça abstrata, está muito próximo das casas. Leis que tratam as pessoas portadoras de HIV ou o grupo de maior risco com respeito começam da maneira que nós mesmos os tratamos: como iguais."
Apesar do aumento no número de novas infecções, a mortalidade em pacientes com Aids tem reduzido no Brasil. De acordo com um relatório publicado na revista The Lancet e divulgado nesta terça-feira (22) na Conferência Internacional sobre Aids, as mortes em decorrência do HIV no Brasil caíram 2,3% por ano, entre 2000 e 2013. Redução maior do que a taxa global (1,5% ao ano).
Fontes: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140721_brasil_hiv_aids_ac_kb.shtml
http://www.unaids.org.br/
http://www.unaids.org/en/media/unaids/contentassets/documents/unaidspublication/2014/UNAIDS_Gap_report_en.pdf)
http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/07/leis-que-discriminam-homossexuais-ajudam-na-propagacao-do-hiv.html