O câncer de vesícula biliar (CaVB) é uma neoplasia muito agressiva (com grande potencial de invasão e metatastização), com diagnóstico incidental, via de regra, prognóstico desfavorável e com consequência letal. Entretanto, o conhecimento da evolução natural desse câncer ainda é muito imaturo, parcialmente em função de sua raridade, ausência de sintomatologia, escassez e contradições na literatura. Clinicamente, o câncer de vesícula biliar é uma neoplasia silenciosa, letal, quimio-radiorresistente (ou pouco responsiva à maioria destas terapias, salve exceções), rara e com prognóstico reservado.
Os estudos epidemiológicos revelam um aumento na frequência de Câncer de Vesícula Biliar (CaVB), que é preocupante porque até certo ponto, está associado à dificuldade que se tem de compreendê-lo melhor e de identificar os indivíduos de alto risco.
O sistema de estadiamento da American Joint Committee on Cancer, para CaVB foi modificado e atualizado para a 7ª edição em 2010 e incluiu diferentes tipos de tumor. A classificação UICC é determinada pelas categorias TNM (tumor, lymph nodes, metástases) incorporando a idade ao diagnóstico e ao tipo histológico.
Várias classificações embasadas em aspectos morfofisiológicos e histológicos têm contribuído positivamente para gerir melhor o diagnóstico e o prognóstico do CaVB, esses esforços são justificados pelo grande volume de incidências e vítimas com morte. Contudo, as experiências até aqui tem demonstrado que somente a concordância entre os exames clínicos e histopatológico, muitas das vezes, não são autonômos para definirem por si o diagnóstico e principalmente o prognóstico definitivo do CaVB. Por sua vez, os exames clínicos e histopatológico são muito limitados quando comparados à evolução no diagnóstico precoce e prognóstico direcionado para outros cânceres.
O diagnóstico do CaVB, geralmente é conhecido no pré ou pós-operatório. A cura depende do diagnóstico precoce como atributo para ressecção cirúrgica total da vesícula biliar. O diagnóstico tardio, é a regra, a taxa de sobrevida é estimada em 6 meses com menos de 5% dos pacientes ultrapassando cinco anos pós-diagnóstico (numa fase ressecável), fato que insere um prognóstico ruim e com tratamento paliativo. Geralmente, os pacientes recebem o diagnóstico de CaVB com idade média de 73 anos, no Brasil essa média cai para 71 anos.
Tais fatos, contribuem para dificultar o diagnóstico dessa doença ccomprometendo o êxito no prognóstico e no tratamento. A Colecistectomia é uma opção oferecida aos pacientes como preventivas ou como curativas, em casos suspeitos ou avançados, respectivamente. Portanto, a cirurgia não tem como objetivo melhorar o prognóstico e sim a qualidade de vida e a sobrevida do paciente.
O estabelecimento do tratamento curativo tem o diagnóstico tardio como um fator limitante, pois, na minoria dos casos a suspeita de CaVB ocorre no transoperatório de colecistectomia por colecistite aguda; e ao contrário, na maioria dos casos este diagnóstico ocorre após o exame histopatológico da Vesícula Biliar colecistectomizada. A terapia adjuvante é indefinida e paliativa no geral, mesmo submetendo o paciente a cirurgia não curativa, rádio e/ou quimioterapia. As terapias que empregam rádio e quimioterapia em pacientes com CaVB apresentam resultados decepcionantes e, não há ensaios clínicos randomizados com números suficientes de amostras para avaliar a eficácia destas terapias, senão em grupos pequenos.
Os avanços no tratamento são arcaicos quando comparado a outros cânceres nos quais a incidência é menor e, outros cuja inovação terapêutica é um fato.
Estudos populacionais têm postulado que há diversos fatores e marcadores de riscos associados ao CaVB. No entanto, tais fatores têm baixo ou questionável potencial para auxiliar no prognóstico e terapêutica.
Acredita-se que a presença de macromoléculas marcadoras de oncogenicidade deverão se impor prioritariamente como estratégias para melhor gerir cânceres agressivos. De fato, a literatura é unânime em registrar que vários genes do sistema de controle do ciclo celular são encontrados mutados em diversos cânceres humano e estão clinicamente associados a um fenótipo de maior agressividade e menor sobrevida. O Kirsten Rat Sarcoma Viral Oncogene Homólogo (KRAS2B) é um dos oncogenes deste sistema, capaz de imprimir nas células fisiologia patológica com características típicas de células malignas com alto potencial reprodutivo, então, a identificação precoce dos mecanismos moleculares subjacentes que desencadeiam a tumorigênese otimiza o prognóstico. Devido à importância do KRAS na homeostasia celular e sua maior incidência como oncogene em diversos tipos de cânceres, descrever o status mutado que ocorrem principalmente no domínio de interação a GTPs (nos códons 12 e 13 do éxon 1 desse gene), tem sido um alvo atrativo da medicina molecular. Essas mutações levam a perda da função da enzima GTPase de hidrolisar GTP EM GDP, fenômenos que deságua na ativação constante das vias de sinalização celular desencadeando um processo de alterações celulares cancerosas. Estudos recentes mostraram que o KRAS2B em determinadas populações humanas, além de auxiliar como biomarcador tecidual no prognóstico é promissor na resposta terapêutica. Estes são alguns dos aspectos que deram origem ao presente estudo.
Durante o meu mestrado elaborei um estudo em que foi proposto sequenciar e avaliar o éxon 1 do KRAS, em busca de mutações patogênicas (de ganho de função) nos sítios codantes 12 e 13, como um marcador molecular robusto para auxiliar no prognóstico. A fonte de DNA utilizada para estes testes são oriundas de 42 biópsias de CaVB primário, fixadas em formol e emblocadas em parafina. Foi extraído e amplificado por PCR um fragmento de 295 pb de 40,4% dessas amostras. Pela análise dos eletroferogramas produzidos pelos sequenciamentos nenhuma mutação foi detectada no éxon 1 do KRAS, objeto deste estudo. Otimizar essa tecnologia do uso eficiente de material parafinado em patologia molecular com resultados satisfatórios tem sido um grande desafio. Contudo, isso não impediu a obtenção de bons sequenciamentos, assim como não comprometeu os resultados aqui encontrados em plena concordância com a baixa frequência de mutações no KRAS em CaVB reportado na literatura pertinente.
Clinicamente, no Brasil o câncer de vesícula biliar e uma neoplasia rara e geralmente diagnosticada tardiamente, em relação a sua evolução, com mal prognóstico. De acordo com a bibliografia levantada, este é o primeiro estudo genético molecular no Brasil sobre a suposta correlação entre CaVB e mutações patogênicas somáticas nos códons 12 e 13 do gene KRAS em pacientes brasileiros.
Esse estudo experimental ocorreu e não foram encontradas estas mutações no éxon 1 do gene KRAS, em amostras de tecidos de vesícula biliar com carcinoma em blocos de parafina de brasileiros operados. Diante deste contexto o que sabíamos é o efeito que estas mesmas mutações no mesmo éxon do KRAS em japoneses e coreanos tem sobre o prognóstico de CaVB dado sua alta frequência. Se tivéssemos encontrado estas mutações ao extrair DNA de tecidos de vesícula biliar cancerosa presentes em blocos de parafina esse estudo teria continuidade para uma titulação acima.
Sabíamos que a frequência destas mutações eram baixas em outras populações e, nas amostras de brasileiros utilizadas nesse estudo não foram encontradas mutações nas sequências de DNA sequenciadas e analisadas. Contudo, esperávamos que estas mutações, se presentes em brasileiros, serviriam de indicadores biológicos robustos, utilizados como ferramentas auxiliares na otimização das decisões médicas para submeter o não um paciente à extirpação da vesícula biliar com carcinoma.
A mutação no éxon 1 do gene KRAS códons 12 e 13 é um preditor de prognóstico com resposta negativa para a terapia de primeira linha com anticorpos monoclonais (Cetuximabe e Panitumumabe) inibidores de EGFR (receptor de fator de crescimento epidérmico) e, segundo vários estudos, confere pior prognóstico. No entanto, essas referidas mutações não foram detectadas nas amostras de tecido canceroso extraído de vesícula biliar utilizadas neste estudo em uma amostra populacional considerável de brasileiros.
Acreditamos que estudos semelhantes a este devem continuar, mesmo diante da enorme dificuldade de coleta de amostras de CaVB. Com o avanço inegável de sequenciamento de DNA de última geração as possibilidades de detecção de mutações em menor tempo e com menores gastos são fatos. Diante do contexto, caso essas mutações no KRAS existam de fato, em brasileiros acometidos por CaVB, e esteja correlacionadas ao prognóstico diante de extirpação cirúrgica a precisão na decisão médica para operar seria considerável e humanizadora, por permitir menor sofrimento do paciente.
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REFERÊNCIAS
PANIAGUA, José Antonio. Busca de mutações no éxon 1 do gene KRAS em amostras de carcinoma de vesícula biliar. 102 f. Dissertação (Mestrado em Biotecnologia) - Universidade Católica de Brasília, 2013.