As médicas curarão a medicina do Brasil?
Elas serão maioria na profissão em breve. Caberá a elas também (principalmente as recém egressas) arregaçar as mangas e fazer uma medicina melhor.
Aqui no Academia Médica sempre trouxemos informações que avaliassem a entrada da mulher no mercado de trabalho médico. Os artigos intitulados "A Medicina em Cima do Salto" e "A Interminável Guerra dos Sexos" já trataram do assunto enfocando o histórico da mulher na medicina e alguma pressões e preconceitos sofridos por elas na vida acadêmica, respectivamente.
Parabéns ao CFM pela seriedade e competência que tiveram ao publicar a Demografia Médica no Brasil - Volume II. Extremamente detalhado, o documento vem em um formato bastante interessante, com textos de leitura fácil e prazerosa (acreditem, estatística prazerosa!). Traz reflexões importantes sobre todas as atuais tentativas de políticas de saúde que tramitam no país.
Além disso, há todo o momento, o documento preocupa-se em mostrar um comparativo entre os gêneros dos médicos brasileiros. O faz com primor, tendo o ponto alto dessa comparação o texto que você lê a seguir, de Mario Scheffer, Coordenador da pesquisa.
Nele, Scheffer fala sobre as diferenças salariais e sobre a situação da profissão em países que possuem mais mulheres que homens na medicina, além de apresentar outras reflexões importantes. Acompanhe.
Mais mulheres na medicina: fenômeno global e positivo
Mário Scheffer, coordenador da pesquisa “Demografia Médica no Brasil”
Fenômeno global, a tendência de igualdade numérica de gênero nas profissões é um indicador de desenvolvimento de uma nação. A remoção de barreiras que limitam as mulheres de terem o mesmo acesso que os homens à educação, às oportunidades de trabalho e aos benefícios sociais, geram ganhos de produtividade e competitividade às economias dos países.
É progressiva a diminuição nas diferenças de gênero no âmbito da educação e do trabalho, alterando padrões históricos mundiais. Tal mudança já é nítida na frequência em universidades. O número de matrículas de mulheres no ensino superior no mundo inteiro aumentou mais de sete vezes desde 1970 enquanto o número de homens matriculados cresceu quatro vezes. Com a expansão de oportunidades de trabalho, a participação da mão-de-obra feminina também cresceu nas últimas três décadas, chegando a 40% da for-
ça de trabalho global em 2008.
No Brasil o cenário é semelhante, onde a maior presença das mulheres no mercado de trabalho e o crescimento da escolaridade feminina têm se consolidado nos diversos setores da atividade econômica. Percebe-se um aumento significativo no nível de ocupação das mulheres, sendo que 45,4% delas estavam empregadas em 2011, contra 40,5% em 2003.
Hoje as mulheres brasileiras com curso superior têm participação maior ou semelhante à dos homens nos postos de trabalho ocupados
em geral. Mas o rendimento das mulheres continua inferior ao dos homens: em média elas ganhavam 72,3% dos salários recebidos pelos homens em 2011.
De um lado, o resultado reflete a crescente predominância feminina na população brasileira. Segundo o IBGE, em 2000 eram 96,9 homens para cada 100 mulheres. No censo de 2010, a relação caiu para 96 homens para cada 100 mulheres. No ensino superior no Brasil as matrículas contaram com participação majoritariamente feminina no período de 2001 a 2010. Em 2010, do total de 6.379.299 matrículas, 57% eram de mulheres e, entre os concluintes de cursos de graduação, a participação feminina foi de 60,9%.
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Mas não é apenas no Brasil que as médicas se fazem mais presentes. Nos países da Organiza ção para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, a proporção de mulheres médicas cresceu entre 1990 e 2005, passando de 28,7% para 38,3% do total de médicos. No
início dos anos 2000 as mulheres já eram maioria entre os estudantes de Medicina dos Estados Unidos e do Canadá. Antes disso, nos anos
1990, os cursos de graduação de Medicina já contavam com maioria feminina em países como Inglaterra, Irlanda e Noruega
A feminização da medicina deve se amplificar nos próximos anos e será preciso levar em conta que as mulheres diferem dos homens na escolha de especialidades, na fixação territorial, na jornada de trabalho e no modo de exercício profissional, o que pode trazer resultados positivo para os sistemas de saúde.
A maior participação de mulheres na medicina tem sido apontada como um fator de redução da disponibilidade de médicos em atividade. A falta de médicos em países da Europa já foi em parte creditada às mulheres.
Isso devido à tendência de as mulheres médicas trabalharem um número menor de horas semanais, assumirem menor volume de serviços e optarem por uma vida profissional mais curta que a dos médicos. As mulheres também fazem menos plantões em serviços, se comparadas aos médicos, e se instalam menos frequentemente no interior e nas periferias dos grandes centros, áreas de difícil provimento de profissionais.
Em alguns países onde as mulheres são maioria na medicina, como a Rússia e a Estônia, a profissão passou a ser considerada uma ocupa-
ção de status baixo. E, como na maioria das profissões, as mulheres médicas tendem a receber salários mais baixos do que os homens
em cargos semelhantes.
Existem, porém, várias evidências de que a presença das mulheres na medicina guarda aspectos mais positivos do que negativos. As mulheres são mais propensas do que seus colegas médicos a harmonizar a relação médico-paciente, pois adotam estilos mais democráticos de comunicação, promovem relacionamentos colaborativos, discutem mais os tratamentos e envolvem os pacientes em tomadas de decisão. Estudos já demonstraram maior satisfação dos pacientes com médicas mulheres. Além disso, suas condutas e práticas conduzem a uma melhor eficácia das ações preventivas; se adequam mais facilmente ao funcionamento e à liderança de equipes multidisciplinares
de saúde; contribuem com a utilização otimizada de recursos, pois são menos inclinadas a incorporar tecnologias desnecessárias; atendem mais adequadamente as populações vulneráveis; e respondem a situações que requerem a compreensão de singularidades culturais e de preferências individuais dos pacientes.
O aumento da proporção de mulheres na Medicina pode moldar positivamente o futuro da profissão médica, influenciar o modelo de cuidados de pacientes e contribuir com a reorganização dos sistemas de saúde. Melhor equilíbrio entre os sexos pode ser positivo numa prática profissional marcada pela diversidade de campos de atuação, longa formação, qualidades humanas e trabalho continuado.
No Brasil, a tese da desvalorização de uma profissão feminizada deve ser rechaçada. Devido às características do seu exercício profissional e a preferência de especialização em determinadas áreas básicas, como Pediatria e Ginecologia e Obstetrícia, poderão assumir papel primordial num contexto nacional marcado por novos desafios epidemiológicos e demográficos, a exemplo do crescimento das doenças crônicas não transmissíveis e do envelhecimento da população. Também poderão exercer funções indispensáveis para atender a necessidade de reorientação do modelo assistencial do sistema de saúde brasileiro, a partir da atenção básica focada no trabalho em equipe multiprofissional, dirigida a populações de territórios, destinada a solucionar os problemas de saúde mais frequentes e orientada pelos princípios do vínculo e da humanização do atendimento.
Neste sentido, a maior presença das mulheres na medicina no Brasil poderá fazer aumentar a legitimidade da profissão, diante da adoção de práticas que vão ao encontro das reais necessidades do sistema de saúde e dos anseios da população.
Fonte: CFM - Demografia Médica no Brasil II (2013)
Acesse ao documento para ter mais informações sobre a distribuição de cada especialidade, quantos são e de onde são os médicos com diplomas estrangeiros . Conheça-o na íntegra, pois assim você poderá ter uma exata noção sobre a distribuição dos médicos no Brasil, assim como o porque que políticas imediatistas não irão resolver a caótica situação das cidades do interior.