Tenho a honra de fazer parte do Clube Academia Médica, o que me proporciona um espaço privilegiado para compartilhar reflexões com um alcance muito além das minhas redes sociais. É com entusiasmo que trago aqui minhas impressões e insights após minha participação no 27º Congresso da Abrange, realizado em São Paulo, nos dias 21 e 22 de setembro de 2023.
😀 Um parêntese merecido: o evento ocorreu no Hotel Unique. Desde que vivi em São Paulo, há duas décadas, almejava conhecer esse icônico local. Finalmente, realizei esse sonho! E não posso deixar de destacar: o hotel, a equipe e a gastronomia foram simplesmente sensacionais.
✔ Sobre o público
A judicialização da saúde se tornou tão corriqueira, que parte significativa das pessoas que conheci eram advogados, e não estávamos em um evento jurídico.
Fato: a juducialização é o pior acesso de saúde, o mais caro e o mais elitizado.
✔ Sobre o comportamento do público
Em meio à herança de multi-tarefas e multi-telas que a pandemia nos legou, notei no evento muitas pessoas fisicamente presentes, mas mentalmente distantes, imersas em reuniões virtuais ou outras atividades. Embora tenham optado e até pagado por um encontro presencial, não estavam verdadeiramente ali. Seria este um reflexo da pressão por entregas urgentes, da dificuldade em focar ou da dificuldade em dizer não? Estamos realmente vivendo o presente ou apenas transitando por ele?
✔ Networking efetivo
Nada melhor para fazer conexões do que cruzar com gente no presencial! Nada como ir num evento e ninguém usar mais máscara! Um simples contato frio se torna um contato quente em minutos! Ainda, vi gente que só conhecia online! Preciso mencionar a agradável companhia do Raimundo Souza, membro do Clube Academia Médica, que encontramos logo que eu e o Fernando Carbonieri chegamos no evento! Passamos o congresso juntos, aprendendo, discutindo e conhecendo pessoas, super valioso!
✔ Sobre a saúde suplementar no Brasil
Alguns pontos em forma de lista:
Sinistralidade acima de 90% inviabiliza a saúde suplementar, que amarga 18 meses de resultados operacionais negativos;
Fraudes: existe uma indústria da fraude, com modelos de negócios estabelecidos, drenando recursos da coletividade;
Incorporação de novas tecnologias numa velocidade impressionante, como se fossemos um país rico - a fala poderosa da Vera Valente foi muito impactante, um tapa na cara #tragoverdades;
Aumento de terapias especiais que ainda ninguém consegue explicar - a proporção de diagnósticos está correta? a proporção dos tratamentos é viável para as famílias e para quem paga a conta?
Pressões legislativas, vivendo jogos políticos eleitoreiros e irresponsáveis, com baixo entendimento sobre o modelo do mutualismo e da coletividade (esse cinco bullets iniciais são da fala de abertura do presidente da Abrange, Renato Casarotti, que tem uma fala impecável, é daqueles que a gente escuta e pensa: quero trabalhar com ele!);
Setor que é muito distante do cliente/beneficiário, que poucas vezes participa de qualquer discussão, que pouco tem voz - e aqui cabe tanto o olhar do design para a saúde para promover essa colaboração!
Temos que sair de uma agenda pontual e de sobrevivência, sem sucumbir aos comentaristas de LinkedIn ou recorrer as balas de prata, que viram os culpados de prata, uma vez que a saúde não tem UM único problema, tampouco UMA única solução;
O que pauta as prioridades ainda é defesa, é reativo, falta um pensamento de futuro proativo - o futuro não é o presente com ajustes, temos que promover espaços para uma reimaginação radical do futuro da saúde suplementar;
Tratamos dados como imutáveis e universais, como se eles não se alterassem ao longo do tempo, fazendo com que a tomada de decisão ocorra a partir de bases equivocadas;
Os planos de saúde precisam melhorar a comunicação com a sociedade - tanto a ideia de corresponsabilidade individual (se eu não cuidar de mim, fumar, permancer sedentária, obesa, drogada, não há sistema de saúde que dê conta de pagar essa conta), como o conceito de coletividade e mutualismo (o valor que pago de plano de saúde não é uma poupança que estou fazendo mês a mês, o valor pago é usado com os tratamentos vigente);
0,8% das pessoas consomem 30% dos recursos, 8,6% consomem 60% dos recursos, ou seja, 9 de cada 100 gasta 60% dos recursos, o uso é muito concentrado;
O setor vem tentando se unir, o que é positivo, mas é preciso criar uma agenda estratégica da saúde suplementar;
É preciso oferecer acesso de qualidade e sustentável - aqui a figura que usamos no Design de serviço se aplica perfeitamente: o serviço deve ser desejável pelas pessoas, tecnicamente possível e sustentável para a organização provedora e para a sociedade e para o ambiente (ESG deve ser contemplado);
Deve ocorrer uma profissionalização da venda de planos de saúde, aqui a fala é direcionada ao corretor, para que não seja vendida uma ilusão, gerando uma expectativa de consumo equivoada;
O contratante deve ser empoderado (a empresa), que deve demandar valor, sendo que o papel das operadoras devem propor projetos e ações para as empresas contratantes;
Deve-se gerir com uma agenda de resultados, data-driven, com compromisso de resultados em saúde (sejamos francos: quem de fato estava voltado para gerar resultados antes desses 18 meses ruins?);
Herança histórica equivocada: a saúde suplementar surgiu para atender a demanda da indústria automobilista do ABC paulista, em um contexto brasileiro que viveu anos de muita inflação, e a visão da sociedade é que os donos de planos de saúde estão entre os mais ricos. Isso gerou uma visão distorcida e desconectada da realidade de hoje, que é de margens muito pequenas e sujeita a mudanças de legislação e entrada de tecnologias, gerando novos custos (a tecnologia cria novos gastos em saúde, diferente do que ocorre em outros segmentos, em que a tecnologia barateia operações);
Sistemas de saúde são sempre sustentáveis, eles não quebram, eles se ajustam tirando o acesso - verdade duríssima compartilhada pelo ex-ministro Nelson Teich;
No Brasil, temos direito ao SUS e acesso a saúde suplementar, mas se essa últma perder muita gente, vai desestabilizar o SUS! E estamos na iminência disso ocorrer, por que a saúde suplementar está operando de forma insustentável;
A inversão da pirâmide etária, a mudança do perfil epidemiológico (antes tinhamos doenças agudas, hoje temos pessoas convivendo com condições e doenças crônicas por muitos anos) demandam outros patamares de gastos com saúde;
A OMS calcula que o sedentarismo vai matar tanto quanto o tabagismo;
Médicos cedem aos pedidos do paciente de fazer muitos exames: o Dr. Drauzio Varella comentou de um atendimento que fez a uma detenta com enxaqueca que queria fazer uma tomografia, e dependendo do médico que a atendesse, ela conseguiria fazer - se esse é o desejo de alguém privado de liberdade que usa o SUS, imagina a expectativa da população que tem plano de saúde (que é uma conta alta no orçamento das pessoas ou das empresas)?
É imprescindível investir na prevenção para que o sistema de saúde suplementar se sustente;
Temos que aprender a fazer uma boa comunicação com a sociedade sobre a saúde suplementar, a exemplo do que foi feito nas campanhas de anti-tabagismo, que renderam resultados expressivos nos últimos anos;
Os médicos são grandes responsáveis pela situação atual, por isso ele precisa estar incluído na discussão, sem ele não ocorrerá uma entrega de valor, nem sustentabilidade;
Vivemos uma rotina de plantão, todos buscam o pronto-atendimento para se tratar, em vez de buscar tratamento eletivo, seja para ter um atendimento na hora, seja para evitar o pagamento da coparticipação, só que essa conta vem depois, no reajuste do plano - falta explicar e envolver o usuário para que ele entenda e use corretamente o sistema de saúde;
A enfermagem tem papel crucial nos modelos de atenção que focam em sustentabilidade e resultados de saúde;
No Rio, fizeram vacinação no sábado e domingo em um shopping, foi um sucesso, por que as mães trabalham e não conseguem levar os filhos em postos de saúde durante a semana e em horário comercial - isso é um belo exemplo de visão de jornada!
O terceiro sonho de consumo do brasileiro é o plano de saúde;
Precisamos propor soluções viáveis (esse bullet inteiro é assinado pela Vanessa Teich, que tem uma fala brilhante):
começando por melhorar as fontes de dados disponíveis para que os estudos econômicos se aproveitem ao máximo, considerando dados epidemiológicos, de custos e padrão de tratamento;
ainda assim, cada operadora terá impactos distintos da incorporação da tecnologia e deve ser capaz de adaptar as estimativas a sua realidade;
embora não exista explicitamente um orçamento na saúde suplementar, estimativas do impacto financeiro mázimo suportado pelas empresas contratantes poderiam ser realizados;
também seria importante estabelecer critérios de priorização de novas tecnologias, como por exemplo, aquelas mais custo-efetivas, ou que priorizem condições clínicas com menos opções de terapêuticas, destinadas a condições clínicas com maior mortalidade, etc;
Sobre as jornada do paciente, e o enfoque foi no paciente oncológico, é valioso citar:
o câncer ainda é visto como uma sentença de morte e sofrimento para a maioria das pessoas;
63% dos brasileiros acham que o câncer deve ser uma prioridade do governo;
8 em cada 10 brasileiros conhecem alguém que teve câncer;
45% das pessoas que buscam a Oncoguia são da saúde suplementar;
pontos essenciais da jornada do ponto de vista do paciente:
transparente
prazos cumpridos
próximo passo conhecido e garantido
monitorado/navegado
informação disponível
equipe parceira
- estamos diante de um novo câncer:
- curável
- tratável
- prevenível
- controlável
- + conhecido
- o paciente deve ser protagonista do seu tratamento;
- revisar a jornada de cuidado não é solução única, mas pode levar a melhores desfechos.
[Edu Lira - que mereceu palmas americanas, daquelas que impactam um, outro e outro e todos se pegam aplaudindo de pé e com entusiasmo]
Depois de um dia de compartilhar tantos desafios e dificuldades, o Edu Lira troxe uma narrativa impecável, uma história de vida inspiradora, e um chamado para a ação motivacional (no sentindo positivo que restou desse termo).
"Você não pode escolher o seu passado, mas pode escolher seu futuro", lhe dizia sua mãe. Um amigo meu, manezinho da Ilha (nascido em Floripa), dizia isso na seguinte versão: "nascer tanso não é opção, morrer tanso é opção".
Sob a perspectiva de que ele poderia se um peso na terra ou um transformador do mundo, ele escolheu a segunda opção, apesar de toda a adversidade e escassez que enfrentou.
Algumas de suas frases:
"Liderança é a chance de equilibrar o agora e o amanhã."
"Use a imaginação."
"Tenha coragem de ser vaiado e de ser mal interpretado, isso ocorre com quem enfrenta o status quo."
"Se você está vendo o que ninguém viu, você é responsável por tornar isso real."
"Trabalhar com saúde é uma missão, é sobre criar, democratizar acesso."
"É bom manter a teimosia."
"Pequenas vitórias dão auto-estima."
"Valorize os pequenos começos, e ressignifique os nãos, sem levá-los para o pessoal."
"O sim é um processo de obstinação."
"Quando a imaginação se encontra com a capacidade de execução, você atinge o improvável."
"O Brasil é o lugar certo, na hora certa, é a nossa década!"
"Não podemos mais tolerar o intolerável."
"Vamos derrubar muros e construir pontes."
"Tenha cabeça de negócios e um coração social."
"As mãos que fazem são mais sagradas que os lábios que rezam." citando Madre Tereza
Por fim, claro que não consegui cobrir todo o evento, nem citar todos que disseram cada frase ou ideia, considerem que os speakers do evento foram os geradores desse conteúdo e que incluí as minhas percepções sobre o setor, que julguei relevante compartilhar.
Sigo aberta para o debate, tentando levar a visão do design e da estratégia para tornas as pessoas mais significativas nos negócios e na saúde! 😉