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2016 e suas surpresas - app tem a cara de pau ao avaliar o médico pelo atraso no atendimento

2016 e suas surpresas - app tem a cara de pau ao avaliar o médico pelo atraso no atendimento
Fernando Carbonieri
dez. 22 - 6 min de leitura
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É muito interessante o que acontece quando o status quo é abalado. Mesmo que a possível agressão a ele seja pequena, as expressões de revolta e de sentimento de que "alguém está ultrapassando seus limites" são evidentes, e denotam o desconforto coletivo frente aos efeitos que expõe a contestação dos paradigmas que "não deveriam ser quebrados". Assim foi o movimento negro nos Estados Unidos, dos homossexuais do mundo inteiro e assim será o movimento dos pacientes que veremos nos próximos anos. Explico...

Nesta última semana, os profissionais médicos foram "surpreendidos" pelo aplicativo "Médico Pontual". Esta iniciativa (gostaria muito do contato dos criadores) foi responsável por uma histeria coletiva de alguns médicos brasileiros. Você deve ter recebido o print do app ou das respostas de avaliação que o app teve e sabe do que estamos falando. Se não sabe, verá alguns exemplos logo a seguir.

O app seguia a linha de que o paciente poderia avaliar o médico apenas pelo tempo de espera para a consulta, expondo os atrasos que cada médico apresenta, sendo este um possível fator de marketing (positivo ou negativo). Na cabeça do paciente isso tudo faz sentido, pois ele quer o seu tempo quantificado, ou seja, quer saber que ao marcar uma consulta as 15:30 ele ainda conseguirá ir buscar eu filho na escola as 17:30, sem atrasos.

Claro que a medicina é uma atividade diferenciada, que por muitas vezes, impossibilita a manutenção de um tempo padrão de consultas devido à complexidade que um agravo de saúde possui para ser realmente entendido pelo paciente. Muitas vezes, como os colegas sabem, 1h ou 2h de consulta são pouco para dirimir as duvidas do paciente. Mas uma coisa temos que denotar. Médicos não gostam de ser avaliados. Aliás, quem gosta?

A revolta dos colegas médicos foi tão grande, que o app foi tirado do ar em menos de 2 dias. Muitos ainda estão de peito provisoriamente estufado, do alto de seu pedestal, com o pensamento do "ganhamos de mais um monstro tecnológico que não entende a nossa profissão e quer nos avaliar por algo que não concordamos em ser avaliados". Essa ilusão de vitória veio após a utilização de munição pesada para matar uma formiga. Em breve teremos outras e, em pouco tempo, milhares.

Há alguns motivos para esses sintomas. Um deles é o foco que a universidade dá ao tecnicismo médico. Olhamos sim a doença, vamos a fundo sobre seu entendimento, somos empáticos com nossos pacientes durante as nossas consultas... Mas muito nos falta a empatia para entendê-los enquanto consumidores dos nossos serviços, fora das quatro paredes da sala do consultório. Não aprendemos a olhar a nossa ação sobre o ponto de vista do paciente, a sala de espera, o atendimento da secretária, o estacionamento e tantos outros fatores que merecem atenção. Nos falta realmente conhecimento sobre o como fazer isso.

Obviamente toda a ação que abala um status quo, gera reações instantaneas e desproporcionais, como algumas que resolvemos trazer no post:

medico pontual 1medico pontual 2

Hoje, ao saberem que o aplicativo foi retirado do ar, assim como sua página e facebook, alguns colegas de um grupo no whatsapp de um entidade representativa comemoraram:

entidadeSomos treinados tecnicamente em diagnosticar e tratar. Guiados por sinais e sintomas, pela propedêutica armada e do raciocínio clínico, descobrimos a doença e conseguimos indicar a terapia mais adequada para aquele agravo. Por que não estamos fazendo isso com os problemas que preocupam o profissional médico? O mundo mudou e não mudamos com o mundo (os médicos do mundo inteiro ainda estão longe de mudar).

Algumas das discussões sobre o app seguiram um caminho ainda mais estranho e colocaram a possibilidade de avaliar o paciente quanto a seu absenteísmo e atraso, sem avaliar as causas para isso. O cachorro correndo atrás do próprio rabo, não é mesmo? Se tem algo que o incomoda, porque não fazer de tudo para tentar mordê-lo, mesmo que você fique correndo em círculos para conseguir esta proeza.

Claro que o aplicativo era agressivo por avaliar o médico apenas pelo cumprimento da agenda e não pela relação médico paciente, pela atenuação do sofrimento ou pelo sucesso do tratamento. Alguns médicos, orgulhosos de suas ações, estão felizes por terem tratado um sintomas com críticas duras. Como sempre, ao se tratar apenas o sintomas, os próximos sinais serão mais violentos. Como consequência serão atacados da mesma forma, ou ainda de forma mais agressiva... Alguém reconhece nisso a briga entre Taxistas e Uber?

Ou como disse um colega:

resposta positiva

Assim como o colega Fernando Uberti (RS) colocou acima, o aplicativo é sim uma oportunidade. Podemos descer de nosso pedestal e começar a entender questões que vão além da medicina e estão ligadas intimamente com a qualidade do serviço. Devemos ser parceiros de todos que estão procurando resolver alguns dos problemas mais complexos da assistência à saúde.

Todos nós, antes de sermos médicos, somos pacientes. Por que não calçar os sapatos do paciente para tentar começar a resolver os problemas que eles tem até entrarem em seu consultório?

Gostaria muito de sua opinião e reflexão. Esse assunto merece!


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