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AYAHUASCA – Chá de ''Santo Daime'': uma opção terapêutica?

AYAHUASCA – Chá de ''Santo Daime'': uma opção terapêutica?
Luis Guilherme Taveira dos Santos
ago. 6 - 6 min de leitura
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Certamente, em algum momento da sua vida, você ouviu falar de ‘’Santo Daime’’. Sempre pensei que tal denominação era para um verdadeiro santo, bem nos moldes messiânicos, que as pessoas escolhiam seguir por inúmeros motivos, sobretudo adoração e fé – tal qual o fazem com Jesus Cristo. Porém, no 4° período do curso de medicina da UFPR, descobri em uma aula de Farmacologia Médica que, na verdade, Santo Daime era uma bebida enteógena – um chá com propriedades alucinógenas. 

O Ayahuasca - seu nome de batismo indígena – é conhecido no mundo todo, inclusive no Brasil. Por aqui, normalmente é incorporado em rituais religiosos, tendo seu uso amparado por lei federal. Esse chá nasce de uma solução contendo algumas plantas nativas da floresta amazônica, a saber: videira Banisteriopsis caapi com o Psychotria viridis e também a Diplopferys cabrenara.

Trago esse tema à discussão pois, além de ser usada em rituais religiosos, essa bebida vem sendo incorporada em medicina alternativa, podendo trazer implicações à comunidade médica.


Um exemplo recente de que o Ayahuasca vem sendo usado como opção terapêutica está no estudo ‘’Is Ayahuasca an Option for the Treatment of Crack Cocaine Dependence?’’, o qual foi matéria de discussão em sala de aula. Nele, os autores buscaram entender como os usuários de cocaína se recuperaram da dependência através do consumo do chá, usuários esses que tentaram a cura por tratamentos convencionais, sem obter sucesso.

Além disso eles deixaram bem claro que, na verdade, o Ayahuasca não é apenas um chá, assim como não é um santo. Ele é o resultado do consumo da bebida em um contexto religioso, concomitante a um ritual todo previamente programado.

E, acreditem: essa combinação fez com que aquelas pessoas se livrassem do vício em cocaína, bem como se mantivessem na abstinência. 

Quando absorvido, o composto gera alterações sensoriais, cognitivas e emocionais, bem como promove experiências fenomenológicas – contato com seres espirituais, entes queridos já mortos e até mesmo líderes com o objetivo de transmitir ensinamentos. Esse rol sensações e visões, aliados a todo o ritual, é o cerne do tratamento com Ayahuasca. Dos participantes do estudo citado, a grande maioria exibiram menores taxas de depressão, bem como elevado bem-estar com a vida, grande empatia e altruísmo exacerbado.


Agora, para enriquecer a discussão, segue um pouco do que aprendi naquela aula de farmacologia acerca do Ayahuascas seus componentes e ações no organismo.
Os compostos químicos presentes no Ayahuasca são: N,N – Dimetiltriptamina (DMT); alcaloides β-carbolínicos como a Harmina ou telepentina, harmalina e tetraidro-harmina. No chá, essas substâncias estão em concentrações muito elevadas.

Sobre o DMT, sabe-se que sua estrutura química é muito semelhante à da serotonina (um dos principais neurotransmissores do sistema nervoso central). E, justamente por serem muito parecidos, o DMT é classificado como um AGONISTA SEROTONINÉRGICO, desencadeando ações semelhantes ao neurotransmissor no organismo. Ele ativa vários receptores da
serotonina, exacerbando inúmeras funções dela – sono, humor, sensação de dor, controle da temperatura, ansiedade e depressão, tudo de uma vez.

Para conter essa atividade do DMT, possuímos naturalmente a enzima Monoaminoxidase – A periférica (MAO – A). Sua função é, entre tantas outras, diminuir a atividade da DMT e evitar as reações alucinógenas. Porém, o Ayahuasca possui uma maneira de esquivar-se dessa inibição enzimática de seu princípio ativo. Lembram das β-carbolinas, que citei como um dos componentes do chá? Pois bem, elas são potentes inibidores da MAO – A, tirando-a de cena e permitindo uma entrada sem pedágios ao DMT. Uma vez no trato gastrointestinal, o DMT é absorvido e Voilà, desempenha suas funções serotoninérgicas


A essa altura do campeonato, você deve estar suspeitando que teremos um desfecho ruim, que será comprovado sua ineficácia e toxicidade para o ser humano. Certo?

Então... Aparentemente não é bem assim. Há poucos estudos referentes ao assunto, tão poucos que ainda não é conhecida a ‘’dose letal média (DL50)’’ do DMT para seres humanos. Além disso, quando se trata das β-carbolinas, viu-se que sua DL50 a classifica como ‘’não potencialmente tóxica’’. Ainda, dentro desses escassos estudos, não foi verificado evidências de efeitos adversos graves oriundos do consumo do chá nesses rituais, nem quando se considera prejuízos a longo prazo.

Bom, considerando o exposto, posso concluir que não há problemas com o Ayahuasca, certo?

Então... também não é bem assim. Na sala de aula, o professor mostrou-nos uma matéria de 2016 da revista Veja, na qual o chá é colocado como um dos fatores que levou Rian Brito, neto de Chico Anísio, à morte. Adentrando na publicação, é exposto que Rian entrou em um delírio que tinha uma missão e, para desempenha-la, não podia comer. Chegou a pesar 45 quilos antes de ser encontrado morto em uma praia do Rio de janeiro.


Bom, passou-se o 4° período da faculdade e a disciplina de farmacologia médica e, agora, finalmente cheguei ao ciclo clínico, aprofundando-me ainda mais nas disciplinas médicas. Meu objetivo com essa publicação é simples: aprender. Aprender com vocês que podem ter experiências com o tema e com a prática clínica, para que eu possa lapidar o futuro médico que serei.

Doutores, contem para esse acadêmico que vos escreve: o que vocês tem a dizer sobre isso?


REFERÊNCIAS

- CRUZ, Joselaine Ida. NAPPO, Solange Aparecida. Is Ayahuasca an Option for the Treatment of Crack Cocaine Dependence?. Journal of Psychoactive Drugs, São Paulo, SP, 2 Apr 2018. 


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