Cultura também é política, para o bem ou para o mal. E a Bioética está intrinsecamente ligada à cultura e à manipulação política a médio e longo prazo.
A Ética Médica e, portanto, a Bioética, são elementos inevitáveis de influência na sociedade.
Todas as relações humanas são palco para o exercício da influência. E a influência é um tipo de poder exercido ou recebido. Em si, tal poder não é bom nem mau, é um simples fato presente em todas as relações humanas.
Quando se fala em poder, pode-se discriminar três tipos essenciais: o poder coercitivo (militar e político), o poder de troca (econômico) e o poder cultural (psicológico e espiritual). Na teoria política internacional, o poder bélico e político bruto seria o Hardpower, enquanto o econômico e o cultural seriam o Softpower.
O médico pode exercer poder coercitivo somente em condições muito especiais, como a de pacientes em surto psicótico violento que precisam de contenção e medicação forçada. Em relação ao poder de troca, a remuneração médica insere tal elemento no Ato Médico, embora não exclua a beneficência e a caridade e nem seja – ou deva ser – o elemento central. Logo, o tipo de poder prioritário na relação médico-paciente é, de fato, o poder cultural, também denominado psicológico, espiritual ou psíquico.
O médico apreende a situação existencial do paciente e, por meio da empatia, decodifica as informações necessárias para ajudar. O objetivo final é convencer o paciente acerca do que é melhor ser feito após ser adequadamente informado do que o paciente necessita e quer. O mais preciso diagnóstico e o melhor plano terapêutico serão inúteis se o paciente não compreender ou não confiar no médico. Logo, cabe ao médico ser um bom comunicador, cabe exercitar o poder cultural de forma eficaz.
Qualquer fator que regulamente o ato médico e oriente sua influência sobre os valores do paciente será, consequentemente, um forte elemento de exercício do poder cultural na sociedade.
Uma das facetas incontornáveis da Bioética, enquanto área de estudo que medita e busca gerir a moralidade e a prática em saúde, é a de influenciadora e, portanto, de agente de exercício do poder cultural em sociedade.
Cientes disso, há que se concluir que a Bioética é um instrumento potencial de engenharia social – manipulação – e que seu conteúdo gera obrigatoriamente repercussões na política.
A repercussão da cultura na política não é nenhuma descoberta recente. Só para citar exemplos mais contemporâneos, cabe lembrar do comunista italiano Antônio Gramsci[1], que desestimulou a tomada violenta da sociedade em prol da tomada cultural e sutil para somente depois controlar politicamente. Recentemente, após aprender um pouco da estratégia cultural comunista, o lado oposto do espectro político entendeu o valor da batalha cultural. David Horowitz nos Estados Unidos[2], Daniel Friberg na Europa[3] e Olavo de Carvalho no Brasil[4] alertam com insistência sobre o valor da cultura para a política ou, conforme a terminologia de Friberg, sobre o valor da Metapolítica.
Cultura também é política, para o bem ou para o mal. E a Bioética está intrinsecamente ligada à cultura e à manipulação política a médio e longo prazo.
Ou os médicos e demais profissionais da saúde assumem a responsabilidade de se tornarem agentes culturais eficientes e conscientes, ou permanecerão inermes diante de manipuladores que enxergam na saúde humana uma valiosa forma de manipular e controlar em prol de certas ideologias políticas danosas ao paciente e à sociedade como um todo.
Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Médico Oftalmologista pela Secretaria de Saúde do ES, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6394379738440524
SEFAM: www.medicinaefilosofia.blogspot.com.br
Mirabilia Medicinæ: http://www.revistamirabilia.com/medicinae
[1] Conforme a coletânea de suas obras, incluindo os famosos Cadernos do Cárcere.
[2] David Horowitz publicou uma série de livros essenciais para a compreensão da estratégia revolucionária da esquerda e para a nova estratégia defensiva da direita. É também o organizador de um curioso portal chamado Discover the Networks, no qual ele rastreia os financiamentos das ONGs ao redor do mundo e desvela suas afiliações políticas.
[3] FRIBERG, Daniel. The Real Right Returns. United Kingdom: Arkton, 2015.
[4] Olavo de Carvalho oferecerá em breve um curso sobre política e cultura. Saiba mais em: http://www.seminariodefilosofia.org/politica-e-cultura-pre-lancamento/