Atualmente, em meio a tanto coaching, mentoria e “positividade”, torna-se evidente a necessidade que grande parte das pessoas tem em querer ser ajudada. De fato, muitos prometem reviravoltas milagrosas, respostas a todos os seus problemas, aquele famoso clichê “vou transformar a sua vida”.
Alguns profissionais realmente podem oferecer uma assistência adequada mas quando a demanda é grande inevitavelmente surgem os charlatões. Entretanto, em meio a um mar de promessas rasas devemos retornar aos gigantes sob os quais podemos nos apoiar nos ombros. Dentre eles, Carl Rogers.
O que é a relação de ajuda?
Em primeiro lugar é preciso definir com exatidão o que é uma relação de ajuda. Carl Rogers, o psicólogo norte-americano pai da abordagem centrada na pessoa, define a relação de ajuda como uma interação na qual “pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida” (1), o outro pode ser tanto um indivíduo como um grupo.
Dentre essas relações se encontram os pais e filhos; o paciente e médico; e (teoricamente) alunos e professores, além, inevitavelmente, as amizades verdadeiras. A princípio, qualquer situação na qual um dos participantes procura promover numa ou noutra parte, ou em ambas, uma maior apreciação, uma maior expressão e uma utilização mais funcional dos recursos internos latentes do indivíduo.
Rogers, durante toda sua carreira, buscou sedimentar as principais características envolvidas nesse tipo de interação e sintetizou sua tese em três critérios fundamentais: a aceitação incondicional, a congruência e a compreensão empática (2).
A aceitação incondicional
A aceitação incondicional, às vezes referida também como o interesse ou consideração, é definida como o desejo do ouvinte de que a pessoa ajudada expresse fidedignamente o sentimento que está ocorrendo naquele momento, qualquer um que seja (2).
A de se fazer uma ressalva, entretanto, isso não significa que o ajudante deva concordar com a pessoa na sua reação, mas que a reconheça e, a princípio, a aceite, ou seja, ele deve ter uma atitude positiva em relação ao que quer que o paciente seja naquele momento.
Rogers, sendo o estudioso que era, baseou seus princípios em cima de suas observações e estudos científicos realizado por terceiros. Dentre esses trabalhos destaca-se o de Dittes. Nesse estudo, Dittes mediu a resposta psicogalvância – um aumento da condutância elétrica na pele em resposta a um aumento do estímulo simpático nas glândulas sudoríparas – para avaliar a resposta fisiológico de pacientes em encontros com seus terapeutas.
Ao fim do estudo, notou-se que uma redução na aceitação e permissividade por parte do terapeuta gera um aumento no reflexo psicogalvânico,ou seja, há uma resposta fisiológica de defesa que é contraintuitiva quando se quer alterar um comportamento (3).
Outro estudo, realizado no Fells Institute por Baldwin et al, buscou avaliar as relações entre pais e filhos e o desenvolver dessas crianças com o passar dos anos. Ao final do estudo, notou-se que a aceitação democrática dos filhos, ou seja uma relação com afeto e de igual para igual, favorece o crescimento o que foi refletido por um desenvolvimento intelectual acelerado, maior originalidade, segurança, controle emocional e menor excitabilidade. Em contrapartida a rejeição ativa dos pais teve o efeito oposto. A aceitação parece, portanto, ser uma característica essencial nas relações de ajuda.
A congruência
A segunda característica fundamental em uma relação de ajuda identificada por Rogers na literatura é a congruência. A congruência, a autenticidade ou a sinceridade no contexto das relações de ajuda aparece como a “transparência”: a ouvinte está vivendo abertamente os sentimentos e atitudes que fluem naquele momento.
Ends e Page desenvolveram um trabalho com alcoólatras crônicos hospitalizados enviados para o hospital do Estado por sessenta dias, em que ministraram três técnicas de terapia em grupo diferentes dentre esses pacientes: a psicanálise, a terapia de aprendizagem e a terapia centrada na pessoa (4). O que era previsto pelos autores era que a terapia de aprendizagem seria a mais eficaz, seguida da centrada na pessoa e por último a psicanálise. O que de fato ocorreu surpreendeu a todos.
A terapia de aprendizagem é um método terapêutico em que o terapeuta deve ser manter completamente impessoal e, portanto, fazer com que sua personalidade se manifeste o mínimo que for humanamente possível. Ela acentua o anonimato da sua personalidade, ou seja, deve evitar cuidadosamente influenciar o paciente com as qualidades individuais da sua própria individualidade.
A terapia de aprendizagem consiste em: anotar e compreender os comportamentos que se mostram como não satisfatórios; explorar objetivamente com o cliente as razões desses comportamentos para resolver os problemas e estabelecer por meio da reeducação, hábitos adequados para resolver os problemas.
A congruência, portanto, iria de encontro com essa terapia. Entretanto, os resultados foram expressivamente contrários às expectativas dos autores. O grupo da terapia centrada na pessoa foi a que mais demonstrou melhora, seguida da psicanálise e por último o grupo controle que não recebeu a terapia enquanto que o grupo da terapia de aprendizagem teve uma piora na sua evolução. Dessa forma, parece que se manter imparcial e impessoal em relação ao paciente não só não trás nenhum benefício como pode ser até prejudicial (4).
A compreensão empática
Por último, a terceira característica que predomina nas relações de ajuda é o que Carl Rogers chama de compreensão empática. Parafraseando Rogers, a compreensão empática remete à capacidade do terapeuta de captar com precisão os sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo e comunicar ao paciente seu entendimento . O terapeuta diante disso serviria como uma forma de espelho para o paciente.
Outro trabalho citado por Rogers é o de Heine que buscou testar a maneira como a pessoa recebe a ajuda e apreende a relação. Ele separou grupos de pessoas que viriam a receber a ajuda psicoterapêutica de psicanalistas, de terapeutas rogerianos e de terapeutas adlerianos (5).
Ao final do estudo, os participantes deveriam identificar os principais elementos que consideravam benéficos, que eram responsáveis por suas transformações, foram eles: a confiança, o fato de terem sido compreendidos pelo terapeuta (a compreensão empática) e a independência que tiveram ao criar opções e tomar decisões diante de seu tratamento. Os clientes identificaram também o procedimento de maior ajuda que foi justamente o terapeuta clarificar e exprimir abertamente o que o paciente abordara vagamente e com hesitação – a compreensão empática.
Do outro lado do espectro, Heine relata as características e o procedimento que os pacientes identificaram como sendo ineficientes e prejudiciais. Seriam eles: a falta de interesse; uma atitude de distanciamento e a simpatia excessiva. Enquanto que os procedimentos desfavoráveis eram o aconselhamento direto e preciso e o enfoque no passado ao invés de enfrentar os problemas atuais (5).
Como a relação de ajuda gera a transformação?
A relação de ajuda, portanto, não é um processo em que uma das partes impõem sua vontade sobre a outra, mas surge como uma forma de espelhamento para o ajudado. Rogers afirma que pessoas, quando são aceitas e consideradas, tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relação a si mesmas (2).
Ele diz também que quando são ouvidas de modo empático isto lhes possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Dessa forma, a medida que compreende e considera o seu Eu, torna-se mais congruente com suas próprias experiências (2). A pessoa se torna mais genuína e verdadeira.
Essas tendências, portanto, seriam uma reciproca das atitudes do terapeuta que permite que a pessoa seja uma propiciadora mais eficiente de seu próprio crescimento. Os ajudados, logo, sentem-se mais livres para ser uma pessoa verdadeira e integral. O que acontece, consequentemente, seria que durante a relação de ajuda a pessoa ajudada ganha uma autocompreensão melhor, pois fica diante de seu próprio Eu, refletido no ajudante. Ela se depara com seu próprio reflexo diante do espelho que é o outro e decide, enfim, Ser.
Referências:
- Rogers C. Tornar-se Pessoa. 6th ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes Ltda.; 2020.
- Rogers C. Um Jeito de Ser. 13th ed. Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda.; 1983.
- Dittes, J.E – “Galvanic skin response as a measure of a patient’s reaction to therapist’s permissiveness”, J. Abnorm. and Soc. Psychol., 1957, 55, pp. 295-303
- Ends, E. J., e C. W. Page – “A study of the three types of group psychoterapy with hospitalized male inebriates”, Quar. J. Stud. Alcohol, 1957, 18, pp. 263-277.
- Heine, R. W. – “A comparison of patients’ reports on psychoterapeutic experience with psychoanalytic, nondirective, and Adlerian therapists”, tese de doutorado inédita, Universidade de Chicago, 1950.