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Colegas médicos, ou mudamos ou seremos os próximos taxistas!

Colegas médicos, ou mudamos ou seremos os próximos taxistas!
Renata Velloso
fev. 5 - 7 min de leitura
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Do editorial: publicação original em 30 de setembro de 2015. Este texto foi republicado para chamar a atenção de colegas médicos resistentes às novas formas de comunicar e entregar valor ao mundo. 

Lançamos a reflexão: a medicina é para o médico ou para o paciente?

 

 

Em Setembro de 2015 a mídia repercutiu a 126/2015 do CFM. Uma das frases do conselheiro Emmanuel Fortes Cavalcante, 3º-vice-presidente do CFM e um dos responsáveis pela nova regulamentação chama a atenção. Sobre as necessidades impostas pelo avanço de tecnologias ou mudanças efetivas de comportamento na sociedade ele disse “É um tema dinâmico, que exige acompanhamento contínuo”. Verdade, concordo 100% com a frase, o problema é que todas as resoluções feitas até agora tem ido no sentido de restringir e controlar cada vez mais o médico o que é o oposto do que a tecnologia e as mudanças comportamentais da sociedade têm pedido.

Vivemos em um mundo conectado fruto da revolução tecnológica das últimas décadas. Mas a medicina brasileira resiste em trazer essa tecnologia para a prática médica. A efetividade e a segurança da telemedicina, por exemplo, está bem estabelecida na literatura médica com mais de 10.000 estudos publicados sobre o assunto nas mais diversas especialidades, conduzidos em vários lugares do mundo. Essa tecnologia, obviamente é ainda mais interessante em países com áreas extensas como é o caso do Brasil. Apesar disso a prática continua proibida no país. Isso significa que um médico pode ser punido por renovar uma receita sem examinar pessoalmente o paciente. O médico também está proibido a dar qualquer recomendação por meio eletrônico, vídeo ou voz para os seus pacientes.

Na prática é claro que isso acaba acontecendo. É bastante comum o médico brasileiro dar recomendações para os seus pacientes por telefone e mais recentemente por Whatsapp. O problema é que como a prática é proibida ela não pode ser regulamentada, então o médico não pode cobrar por esse tipo de serviço e nem conseguir reembolso do convênio. Muitos fazem porque querem atender melhor os seus pacientes mas não ganham nada por isso e ainda correm o risco de serem punidos.

É importante lembrar, porém, que as resoluções do CFM dizem respeito apenas aos médicos brasileiros. Sabemos bem que elas não atingem os outros profissionais de saúde nem os milhares de médicos estrangeiros que atuam no Brasil, muito menos os médicos estrangeiros que moram em outros lugares e que com a globalização estão cada vez mais próximos dos pacientes brasileiros.
A grande restrição para um médico indiano, por exemplo, prestar atendimento e esclarecer dúvidas dos pacientes no Brasil hoje é a língua. Mas em poucos anos teremos tradução simultânea por voz tão eficiente que será difícil o interlocutor distinguir se a pessoa com quem está falando é ou não nativo do seu país. É claro que o médico indiano não terá licença para prescrever medicamentos para pacientes no Brasil, mas poderá fazer todo um acompanhamento das dúvidas, explicar sobre procedimentos, opções de tratamento e inclusive cobrar por esse serviço. Essa oportunidade está sendo perdida pelos médicos brasileiros.

De um lado teremos um médico estrangeiro fazendo uso de inteligência artificial e com acesso a uma infinidade de dados que os pacientes passarão a gerar através de sensores acoplados aos telefones celulares. De outro teremos o médico brasileiro proibido de se comunicar com seus pacientes por meios eletrônicos, com filas cada vez maiores para conseguir agendar as consultas pessoalmente. Não é difícil prever que haverá uma pressão das pessoas querendo ter cada vez mais acesso a esses “médicos virtuais”.


"O paciente o atenderá agora" é um livro do Eric Topol, professor de Stanford que demonstra o quanto a medicina está mudando e como o paciente adotará as novas tecnologias para realmente tornar-se o centro das atenções
Vou contar uma história que aconteceu com a minha filha aqui nos EUA. É uma adolescente saudável que sofre com acne. Eu tinha duas opções: marcar uma consulta com o dermatologista do meu convênio para daqui há dois meses ou ser atendida no mesmo dia via vídeo por um outro dermatologista. Para comparar eu fiz as duas coisas. O médico por vídeo atendeu na hora marcada, cerca de 3 horas depois do meu pedido. Conversou com a minha filha por um pouco mais de 20 minutos, perguntou detalhadamente sobre o que ela já tinha usado e prescreveu ácido retinoico para usar de noite e outros cosméticos coadjuvantes. Marcou um retorno, novamente por vídeo, para o mês seguinte. Por sorte consegui encaixe na dermatologista do convênio 15 dias depois.

Chegamos no horário marcado ao consultório que fica cerca de meia hora da nossa casa e fomos atendida após cerca de 40 minutos de espera. A médica, que estava atrasada, conversou apresadamente com a minha filha por 10 minutos e prescreveu basicamente o mesmo tratamento que havia sido recomendado pelo médico do vídeo. Também marcou retorno para um mês. Gastamos cerca de 2 horas da nossa tarde para a consulta. Acho que não é difícil adivinhar por qual caminho decidimos dar seguimento. Os dois médicos receberam reembolso pela consulta que realizaram através do meu convênio aqui nos EUA, que cobre também consultas via telemedicina.

Claro que é fácil alguém chegar e dizer: ah, mas isso não pode, porque e se a menina estivesse com um melanoma no dedão do pé, como o dermatologista poderia perceber isso no vídeo? Na prática nenhum dos dois médicos solicitou que ela retirasse os sapatos. Nem mesmo eu, que tive um carcinoma basocelular aos 24 anos sou examinada de corpo inteiro. Essa é a realidade, precisamos deixar a hipocrisia de lado.

Os pacientes querem ser bem atendidos, querem ter as suas dúvidas de saúde respondidas rapidamente, não querem mais marcar consulta para daqui um mês e ainda assim ter que ficar esquentando a cadeira do consultório até ser finalmente atendido por um médico apressado. Isso não será mais aceito quando os pacientes tiverem alternativas e hoje existem centenas, talvez milhares, de empreendedores trabalhando em modelos para oferecer essa alternativa.

Claro que substituir um médico é bem mais difícil do que substituir um taxista. Mas a revolução que aconteceu com o Uber no transporte está perto de chegar a medicina. Supercomputadores como o Watson da IBM estão sendo usados nesse tipo de projeto. Podemos continuar céticos, restringindo e controlando os médicos brasileiros. Temos também a opção de abraçar a tecnologia e utilizar todas as ferramentas que ela oferece para expandir o alcance dos cuidados médicos. É provável que em pouco tempo não exista mais escolha.

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