Várias pesquisas apontaram o setor saúde como um dos grandes beneficiados em meio a essa pandemia do coronavírus. Porém, quem está inserido neste segmento sabe quão diverso ele é. Clínicas, consultórios e qualquer outra instituição de saúde que tenha no seu portfólio de serviços apenas consultas e cirurgias eletivas estão no mesmo barco que a maioria dos negócios de outros setores, vendo seu caixa sangrar. Pelo menos é isso que mostra uma pesquisa recente do Sebrae junto a mais de 6 mil donos de micro e pequenas empresas, parte deles do setor saúde.
Não vou aqui me ater aos detalhes do resultado da pesquisa. Essa análise já disponibilizei nas minhas redes sociais.
Dado o cenário real de boa parte dos prestadores de serviço de saúde no Brasil, a medida mais factível , por estar sob o controle do gestor, é enxugar ao máximo custos para conseguir chegar do outro lado da tempestade. Boa parte deste custos estão ligados ao desperdício. Desta forma, trago aqui algumas formas de otimizar os recursos disponíveis neste momento de crise.
Segundo dados da OMS, cerca de 30% de todos os recursos utilizados na saúde são desperdiçados. Essas perdas geram significativo aumento no custo da saúde para todos o stakeholders (partes interessadas) do sistema. Falando especificamente nos custos operacionais dos prestadores de serviços de saúde, estes gastos adicionais irão influenciar no grau de competitividade frente aos concorrentes e na lucratividade do negócio.
Mas que desperdícios são esses? Segundo a metodologia do "lean healthcare" - uma adaptação da metodologia japonesa ao segmento saúde - existem 8 tipos de desperdício:
- Superprocessamento - excesso de atividades redundantes ou desnecessárias que não agregam valor para o cliente (ex. fazer o paciente preencher mais de uma vez um formulário ou informar mais de uma vez um dado específico)
- Superprodução - produção em excesso ao que a etapa seguinte tem a capacidade de absorver (ex. agendamento acima da capacidade de atendimento)
- Estoque - armazenamento excessivo de insumo (ex. comprar mat/med para período muito longo)
- Defeitos - retrabalhos ou eventos adversos ao paciente (ex. prescrição errada de medicamento)
- Movimento - logística interna inadequada (ex. itens de alto giro guardados em locais distantes)
- Espera - parada no processo aguardando aprovação ou algum material (ex. demora na entrega do resultado de exames)
- Transporte - fluxo de materiais e informações truncado ou desnecessário (ex. aparelhos subindo e descendo pelos andares da clínica)
- Conhecimento - Não aproveitamento do potencial das informações geradas internamente (ex. sugestões dos funcionários ignoradas)
E como você pode mitigar ou até eliminar essas perdas em seu negócio? Deixo aqui 5 passos para te ajudar nesse processo:
1) Identifique as 'goteiras' no seu processo
Tomando como base os 8 tipos de desperdícios da metodologia Lean Healthcare, que citei acima, você e sua equipe terão que identificar os potenciais pontos de perda ou excesso em todos os processos que envolvem a operação da sua clínica.
Existem várias formas de se fazer isso, como o brainstorm, SIPOC, Voz do Cliente ou mesmo a análise do histórico dos KPI's (já falei sobre eles neste outro artigo). Não existe método certo ou errado. Tudo vai depender das características do processo que está potencialmente gerando os desperdícios.
2) O 'maior' sempre primeiro
Tomando como referência a teoria de Pareto, em torno de 20% das não-conformidades tendem a ser a causa de 80% dos desperdícios nas clínicas e hospitais. Mas será que isso se aplica ao seu negócios? Você terá que mensurar e analisar essas anomalias para ter certeza.
Mapeamento de Fluxo de Valor, Diagrama Espaguete e métodos estatísticos como Medidas de Dispersão e o próprio Gráfico de Pareto são ótimas ferramentas para dar nome aos bois (ou melhor, números). Você deve priorizar sempre os problemas maiores do ponto de vista financeiro e de agregação de valor ao paciente.
3) As aparências enganam
Mesmo depois de achar por onde os recursos estão indo ralo abaixo, podemos muitas vezes, olhando de forma superficial e apressada, achar que o sintoma do problema é a verdadeira causa-raiz dele. Explico melhor:
Suponhamos que a Clínica X percebe uma queda repentina no número de consultas marcadas no mês passado. Diante do cenário, algumas hipóteses são suscitadas pela equipe:
a) as atendentes não estão sendo atenciosas com os clientes que ligam para marcar a consulta;
b ) os clientes estão com dificuldade de contatar a clínica;
c) as chuvas de verão fizeram com que os clientes optassem por ficar casa;
d) as consultas ocorreram, mas não foram lançadas no sistema;
e) a demanda está sensível ao preço e não foi feita a devida pesquisa de mercado junto aos concorrentes.
Após verificações mais aprofundadas, a hipótese mais provável foi que os clientes estavam com dificuldade em fazer contato com a clínica. Mas qual a causa-raiz desse problema?
Novamente a equipe se reuniu e começaram a se questionar:
1) Porque os clientes estão com dificuldade de contatar nossa clínica?
Após consultar alguns clientes, concluíram que a linha havia ficado muda por alguns dias.
2) Mas porque a linha ficou muda?
Após verificar junto à empresa de telefonia e ao prestador de serviços do PABX, concluiu-se que o aparelho esteve desligado.
3) Mas porque o PABX foi desligado?
Após averiguar as instalações elétricas e não se verificar nenhuma não-conformidade na fiação, chegaram a conclusão que o filtro de linha havia sido desligado.
4) Mas porque o filtro de linha foi desligado?
Após conversar com as atendentes e demais pessoas que tinham acesso a sala de contact center, concluiu-se que, por conta da localização de um dos filtros de linha, a encarregada da limpeza sempre o mudava de posição para poder limpar adequadamente o ambiente e acabou desligando-o involuntariamente.
Desta forma, chegamos a causa-raiz do problema de baixa demanda por consultas no mês antecedente: o filtro de linha do contact center estava mal posicionado/acondicionado.
Para chegar a estas hipóteses, sintomas e finalmente à causa-raiz, os gestores da Clínica X usaram o Diagrama de Ishikawa combinado com a técnica dos 5 Porquês.
4) Hora de agir
Pegando o exemplo acima, é fácil pensar em quais medidas devem ser tomadas. O filtro de linha deve ser posicionado de forma que durante a limpeza o mesmo não precise ser trocado de local, nem tampouco possa ser ligado ou desligado acidentalmente. Porém, em situações que envolvem intervenções mais complexas, sugiro que você use 5W2H ou mesmo SCRUM.
5) Para o alto e avante!
Após achar o fluxo ideal para os processos que apresentavam não-conformidades, faça a padronização dos mesmos através da documentação (POP's), treine os colaboradores e monitore os KPI's para que não volte a ter variações no processo. No momento oportuno, após atacar os problemas mais graves (Pareto, lembra?), volte a estes processos já padronizados e estabeleça parâmetros ainda mais rigorosos de conformidade. Em Gestão da Qualidade Total (GQT) chamamos isso de Kaizen ou Melhoria Contínua.
Siga esses passos e veja a melhoria incrível no fluxo de trabalho da sua clínica, na redução dos desperdícios e consequentemente no valor percebido pelos seus pacientes.
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