Devido aos últimos acontecimentos noticiados nacionalmente pela mídia, que pouco conhece sobre o processo de vida, morte e tentativa de manutenção da vida em unidades intensivas, resolvi traduzir e publicar esse caso clínico veiculado no New England Journal of Medicine, sobre a presença ou não de familiares durante a realização de uma Ressuscitação Cardiopulmonar. O original você pode encontrar clicando AQUI
A discussão do caso é bastante interessante e pontua os malefícios e benefícios prováveis resultantes do testemunho de um familiar do paciente de uma RCP no ambiente hospitalar. Ela surgiu a partir da publicação do artigo "Family Presence during Cardiopulmonary Resuscitation" na edicão de 14 de março de 2013 NEJM, que avaliou as vantagens do testemunho das RCP em ambientes domésticos.
Com toda certeza é uma excelente discussão ética que nós queremos que você leitor do Academia Médica participe.
Caso clínico
Roberta é uma senhora de 72 anos com hipertenção e DPOC, que fumou por 50 anos. Ela dá entrada no hospital com um quadro de febre progressiva com início há 3 dias, calafrios e tosse produtiva. Na admissão estava com 38.4°C, FC de 110, PA de 105x62, FR de 26irm e Sat Oxigênio de 86%. A radiografia de tórax revelou um infiltrado em base do pulmão direito consistente com pneumonia. Ela recebeu ceftriaxona e azitromicina, hidratação IV, oxigênio por cânula nasal. No leito sua frequencia cardíaca baixou para 86, FR baixou para 20irm e a saturação subiu par 96% enquanto respirava 4 litros de Oxigênio suplementar. Como médico da paciente você se certifica a vontade dela em receber terapias agressivas, incluindo intubação e ressuscitação cardio-pulmonar caso sua condição piore.
Na manha seguinte, a enfermeira nota que a oximetria caiu rapidamente para 70%. A paciente já não responde ao chamado ou ao estímulo esternal. Ela não detecta pulsos radiais ou carotídeos. Ela chama por PCR e aciona o "botão de parada". Compressões são iniciadas e em 60 segundos a equipe médica chega ao quarto. Nesse momento o marido da paciente e duas crianças entram no quarto. Ao verificar que há pessoas suficientes para continuar os procedimentos você sai do quarto para informar os familiares que as condições de Roberta pioraram rapidamente, e por isso está recebendo a ressucitação cardio-pulmonar.
Opções de tratamento
Após informar os familiares, você pensa em perguntar para o familiar se eles querem ser acompanhados por uma assistente socieal até o desfecho do caso na sala de espera onde eles serão informados frequentemente sobre as atualizações, ou se eles gostariam de acompanhar e observar todo o processo de RCP da paciente Roberta ( de dentro do quarto). Qual dessas ações você acha mais apropriada? Baseie sua escolha em literatura publicada, na sua própria experiencia ou em outras fontes.
Para orientar sua decisão cada uma das escolhas foram defendidas brevemente por especialistas no assunto. A partir disso, quais das opções você escolheria? Deixe sua opinião em português aqui no Academia Médica, ou se desejar entrar no debate mundial promovido pelo New England Journal of Medicine, clique AQUI
- Opção 1 : Você é contra a presença familiar durante a RCP
- Opção 2 : Você é a favor da presença da família durante a RCP
Opção 1 - Contra a presença do familiar durante o RCP
James Downar, M.D., C.M., M.H.
Rotineiramente eu não convido o familiar a estar presente durante a ressucitação. Minha oposição vêm da experiêcnia profissional como membro de equipes de ressucitação, quando a presença de um familiar atrapalhou nos esforços para ressucitação. Eu me precupo que a presença dos familiares durante o procedimento pode aumentar a taxa de mortalidade para o paciente, além de ter fatores físicos, psicológicos ou legais para os membros da equipe. A maioria deles. Me preocupo também com o trauma psicológico que o familiar terá ao testemunhar os esforços para ressuscitação.
A primeira vista, o estudo de Jabre et al., que pode ser verificado nesse link, se preocupa com esses pontos. Em um estudo randomizado e controlado sobre a presença de familiares durante a ressuscitação em ambientes domésticos, familiares que foram convidados a acompanhar os procedimentos de ressuscitação da equipe tiveram menores índices de Transtorno do Stress Pós-Traumático quando relacionados com aqueles que não testemunharam tais esforços. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto ao stress emocional na equipe médica ou no resultado do procedimento de ressuscitação. Não houve implicações médico judiciais em ambos os grupos.
Eu hesito em aplicar esses achados por considerar que é diferente o testemunho do familiar na parada cardíaca que acontece em casa do testemunho da parada cardíaca que acontece no quarto do hospital. Nesse estudo, todos as paradas ocorreram em casa e 73% foram testemunhados (provavelmente por membros da família). Além disso, metade dos familiares que estavam no grupo controle testemunharam uma RCP, e 20% começou as manobras no seu ente querido antes da chegada do socorro. Em contraste, a maioria dos indivíduos internados que sofrem paradas são encontrados por profissionais de saúde que alertam a equipe de ressucitação enquanto os familiares aprendem sobre o evento enquanto o processo já está em curso.
Antes de generalizar os resultados do estudo de Jabre et al. para o meio hospitalar, nós precisamos saber mais sobre os mecanismos de nocividade e benefício que são aplicados quando o familiar está presente durante os esforços para ressuscitação. Os familiares serão beneficiados ao estar presente durante a RCP ou a presença deles nesse momento é de fato um risco atenuado pela presença de um membro da equipe de ressuscitação que proporciona suporte ao familiar durante e após o procedimento? O suporte social é conhecido por proteger contra o Transtorno de Stress Pós Traumático, e são uma ferramenta em muitos estudos da presença do familiar durante a ressuscitação na sala de emergência e na área pediátrica ( assim como no estudo de Jabre et al.) Mas esse suporte social não está disponível usualmente nos casos de paradas cardiorrespiratórias em adultos, e familiares podem ser acometidos por traumas psicológicos severos se o suporte adequado não for providenciado. A RCP de um paciente internado exige intervenções que podem causar sangramentos, como na inserção de um cateter venoso central, e testemunhar tais procedimentos pode ser particularmente traumático para alguns membros da família.
Nós devemos lembrar também que nem todas as pessoas agem a um trauma psicológico da mesma forma. No estudo de Jebre et al. os familiares que presenciaram a RCP são 11% menos susceptíveis a sintomas de depressão, mas todos os 5 parentes que no seguimento do estudo tentaram suicídio presenciaram o procedimento. Isso sugere que pode existir um subgrupo populacional que presenciar a RCP de seu parente pode ser um risco severo ao familiar. Nós temos que ser cautelosos a respeito de quem permitimos que presencie a RCP, pois algumas pessoas podem ter predisposição ao TSPT. No momento do evento não temos como pressupor quais dão as pessoas que tem risco. O estudo de Jebre et al. deve propor mais investigações sobre o efeito da presença do familiar durante o processo de ressuscitação do paciente internado. Até essas investigações serem completadas, eu não irei, rotineiramente, convidar membros da família para estarem presentes durante uma Ressuscitação Cardiopulmonar
Opção 2 - Recomendar a presença de um familiar durante a RCP
Patricia A. Kritek, M.D.
Apesar de incorporar a presença de um familiar durante um evento de ressuscitação possa ser um desafio, a família de roberta merece a oportunidade de estar no quarto durante aquilo que pode ser seu último minuto de vida. Estudos observacionais pequenos nos anos 90 levantaram preocupações de que assistir a um ente querido sofrer CPR pode resultar em perigo imediato e prolongado impacto psicológico. Estudos mais recentes, incluindo ESTE ESTUDO randomizado e controlado, mostraram o oposto. No estudo de Jabre et al., parentes que não presenciaram os esforços respiratórios foram mais susceptíveis a apresentarem sintomas de ansiedade, depressão e Transtorno do Stress Pós Traumático.
Nós devemos fornecer conhecimento, explicações, e suporte aos membros da família que decidem continuar no quarto durante um RCP. Paciente e familiares normalmente expressam seus desejos de fazer de tudo para manter a vida, mas eles não tem o conhecimento sobre o que isso realmente significa. RCP e desfibrilação podem ser brutais para ambos, para quem realiza e para quem assiste. Não é apropriado convidar um familiar para presenciar os esforços ao menos que todos os recursos estejam disponíveis ( alguém para informar cada passo que está sendo realizado para o familiar, por exemplo). Para algumas famílias observar os esforços de ressuscitação pode "clarear" os objetivos do cuidado, reforçando que aquilo que esta acontecendo é "demais". Estar na sala durante uma RCP pode, também, mostrar pra família que todos tentaram de tudo para manter a vida daquele ente querido. Talvez o mais importante, a presença da família pode permitir um último adeus de um cônjuge, irmão, criança, adulto ou pai que não conseguiria entender a separação no momento da morte
Muitos dos médicos reforçam que a presença de familiares nesse momento pode alterar a performance da equipe que realiza o RCP. Estudos recentes, entretanto, sugerem que a presença da família alteraram a tomada de decisão. Estudos mais recentes, incluindo o de Jebre et al., mostram que não houveram diferenças com a presença ou não de um parente. Ter uma pessoa para explicar os eventos como parte integrante do time para RCP pode assegurar que o familiar não intervirá na ação dos demais membros da equipe. A implementação de um Guideline para a presença de um familiar, acompanhado de um treinamento da equipe de ressuscitação através de simulações, mostrou uma melhora no conforto e performance da equipe de saúde quando o familiar está observando os esforços. Incorporar a presença de um familiar na ressuscitação poderá ser mais fácil assim que os provedores de cuidado ganhem experiencia com a prática.
Manter parentes fora do quarto do paciente durante aquilo que pode ser o último minuto de vida de seu ente querido pode ser bastante doloroso para médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. Parte do nosso trabalho como médicos é ajudar pacientes e familiares a estabelecer objetivos do cuidado, dos eventos que ameaçam a vida, e , aos poucos, orquestrar a melhor morte possível. Nós devemos nos abraçar o todo até o fim, permitindo ao familiar a chance de estar com seu querido até o último momento de vida, se for isso que eles desejem.
Fonte: NEJM - New England Journal of Medicine
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Assista o vídeo a seguir se quiser ter a ideia de um evento semelhante a esse. O vídeo foi produzido pela Washington University, e além de expor sobre esse tema, nos dá uma aula de como esse e outros assuntos éticos podem ser discutidos nas universidades e hospitais brasileiros.
Family Presence During a Code: A Postpartum Event from Washington State University on Vimeo.