Para os colegas que trabalham nas emergências e unidades de terapia intensiva pelo país afora, vocês já devem ter percebido a elevada incidência de síndromes coronarianas agudas em ambientes de temperatura baixa. Eu mesmo me questiono sobre o tema desde o meu Internato e, realmente, há bases científicas para tal ocorrência. Reforcei o assunto recentemente após conversar com uma colega médica, Major do Exército Brasileiro, que insistentemente solicitou ao comandante de sua unidade para que não permitisse a realização do treinamento físico militar em temperaturas extremas, tanto altas como baixas. Geralmente o pessoal do aprovisionamento treina no período da tarde, pois exercem suas funções desde a madrugada preparando a alimentação da tropa. Em alguns locais, tal horário ostenta um calor intenso; assim como o período matutino que, em certos períodos do ano e localidades do Brasil, possuem um frio desagradável. Mesmo baseando-se em textos científicos, seu comandante pouco ligou para a recomendação e manteve as atividades físicas em tal horário considerado impróprio. Felizmente não houve baixas, mas o risco foi grande.
Palestras nas Formações Sanitárias nas Organizações Militares são realizadas anualmente sobre os efeitos do calor sobre o organismo durante as atividades físicas, mas pouco se fala sobre o que o frio pode causar. Em alguns locais, como o Sul do Brasil e regiões montanhosas, o clima costuma ser mais ameno e, em algumas épocas do ano, com temperatura entre 0 e 10 graus Celsius. A exposição a tais temperaturas aumenta o risco de doenças coronarianas, principalmente na população adulta, do sexo masculino e de meia idade. Tal fato decorre de que em baixas temperaturas há um aumento do estímulo adrenérgico do organismo humano, levando a uma elevação dos níveis pressóricos (aumento da pressão arterial). Há uma necessidade de se manter a temperatura corpórea nos níveis basais em detrimento do clima, levando a essas consequências. Outra alteração significativa é o aumento da força de adesão plaquetária. A origem das famosas placas de ateroma baseia-se na instabilidade de placas lipídicas aderidas às artérias coronarianas, as quais irrigam o músculo cardíaco. Quando uma placa desta se rompe, há uma reação inflamatória local. O organismo entende que há necessidade de reparar tal dano, ativando a cascata de coagulação, estimulando a adesão de plaquetas para este local. O que ocorre é que devido ao acúmulo destes elementos de coagulação, pode haver obstrução parcial ou completa da artéria, levando à deficiência de suprimento de oxigênio para os miócitos cardíacos, iniciando o processo isquêmico e consequente Infarto do Miocárdio, que por vezes pode ser fatal e súbito, dependendo da área cardíaca abrangida pela necrose. Outra alteração que pode ocorrer com o frio é a predisposição à vasoespasmos (redução do calibre das artérias) que, mesmo sem as placas de ateroma, pode levar à obstrução súbita da irrigação sanguínea.
Espero que haja uma melhor consciência de nossos comandantes, tanto de quartéis quanto de hospitais militares, de que a higidez (e a vida) de nossos militares vale mais do que o cumprimento de horários e burocracia, e por vezes até desconhecimento e ignorância dos mesmos. Sugiro que este texto seja o mais compartilhado possível, até servindo como embasamento dependendo das situações nas Organizações Militares espalhadas pelos diversos rincões do Brasil!