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Doutor, como você diz adeus?

Doutor, como você diz adeus?
Emerson Wolaniuk
jun. 4 - 8 min de leitura
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Publicado primeiro por Emerson Wolaniuk no blog O Y da questão.

A habilidade médica que apresento a vocês é embasada nos conceitos resumidos de um anagrama, ADIEU, que alude ao momento da despedida, o tchau na estação de trem, ou ao embarcar no navio emigrante prestes a partir para longes mares, o navio negreiro, ou na tragédia grega, ou numa frase romântica no alto da Sacre Coer de Montmatre:

Adieu, mon amour, je vous aime tout les jours, toujours…

É o adeus, esse verbete que define a despedida, esconde uma parte incrível e complexa da ligação entre queridos, no abraço ou no beijo, no olhar de afeto e no aperto de mão, é também um verbete do qual nos apossamos todos com uma consciência vaga, quase por costume ou titubeio, preguiça, eu acho, de que apenas a palavra adeus, por si só, já não é apenas um simples tchau, até logo, nos vemos, é um pouco maior que isso.

É há um adeus, solene, nobre e inevitável que nos assombra toda a vida, o adeus à vida. A tudo e todos, de uma só vez. Uma grande perda, uma reprogramação emocional e mental de extremo consumo psíquico e emocional: a morte. E, assim como eu a vejo, ela é um grande alçapão que nos leva deste teatro mundano, para as coxias da existência. Antes do alçapão abrir, você está em frente a sua plateia, deu seu show, fez sua parte, e agora vai nos deixar porque somos pessoas diferentes, umas vivem mais, outras menos, há crianças que sequer conheceram a vida adulta, há velhinhos cheios de lembranças, adolescentes sonhadores cheios de planos, pais e filhos. E estamos prestes a participar desse Adeus, é uma roleta russa.

Assim, proponho um modelo para notícias de adeus, de perdas, seguindo um mnemônico com as letras da palavra francesa adieu:

 

A – APPROACH 
A hora de chegar até o paciente ou familiar fragilizado

Dr., esta é a família do Jorge.

Olá, prazer, sou Dr. Emerson, estive ansioso durante a manhã para aguardar esse nosso encontro. Tenho conversado com sua mãe e ela parece estar muito nervosa, como a família está? 

Todos muito nervosos, meu pai é o que mais chora, foi um susto muito grande para nós.

Eu entendo… – diz o médico tocando o ombro do seu ouvinte, enquanto decidem ir até uma sala e sentarem-se.

E meu irmão, doutor, o quadro dele é muito grave?

 

D – DIAGNOSIS 
Didaticamente, explique com simplicidade o que ocorreu.

É bastante difícil. Vou explicar a você, Jonas. 

Jonas ouve atentamente cada palavra e entonação dita pelo médico:

Seu irmão tinha um raro defeito na criação dos vasos sanguíneos da cabeça, um deles se encheu de sangue, feito uma bexiga por causa disso, e um aumento devido à sua pressão alta não tratada. Chegou uma hora que essa bexiga cheia de sangue, que antes era um vaso sanguíneo, rompeu e está classificado, após a tomografia como muito grave, Fisher VI, pois entrou sangue nos ventrículos cerebrais, gânglios da base, putâmen, piorando muito a capacidade do cérebro de trabalhar corretamente. É por isso que ele está usando esse tubo para respirar, esses eletrodos para o coração. 

Então ele teve um AVC, doutor?

Sim, pela tomografia, percebemos que houve uma grande hemorragia e que há pouco que podemos fazer, e talvez esse AVC possa ter um desfecho rápido, em algumas horas, mesmo controlando a pressão sanguínea, a ventilação, a circulação sanguínea, o vasoespasmo, a dor, vômitos, até aí podemos ir neste momento, mas ele precisa de uma embolização arterial de urgência, feita por um neurocirurgião.

 

I – INFORMATION 
Dê informações científicas de modo simplificado e sincero sobre o caso.

E ele vai sobreviver?

As chances de ele sobreviver são baixas, mesmo se ele fizer ou não a cirurgia. É uma decisão difícil, mas sabemos que alguns casos que submetem a essa terapêutica conseguem uma boa taxa de melhora, mas se nada mais fizermos, a tendência é que ele nos deixe em poucos dias.

 

E – EMPATHY  
Demonstre que consegue compreender o sofrimento e angústia do familiar e do paciente.

Jonas conforta-se na parede para chorar…

Eu entendo que este momento é algo que o senhor não estava esperando, é uma surpresa e são decisões importantes. Imagino seu nervosismo, pois tenho um irmão mais novo também. – E o médico lhe dá um abraço contido, mas sincero, e um aperto de mãos acalentador. Dizendo...

 

U – HUMANITY 

Finalize a conversa mostrando que você não deixou de ser humano, explique sobre a equipe de pessoas que cuida ou cuidou do paciente, se puder apresente-a. Coloque-se à disposição do seu paciente. Use eufemismos para amenizar, por ora, esta nova realidade que você apresentou ao familiar ou ao paciente. O assunto poderá ser tratado de maneira mais objetiva num segundo tempo.

Vamos enfrentar juntos essa batalha, eu estou do seu lado e posso fornecer a cirurgia, mas estamos em conjunto no dia de hoje, lutando para que o melhor para o Sr. Jorge aconteça. Você pode me encontrar aqui neste hospital para outras informações todos os dias. Estamos todos torcendo por um bom desfecho e fazendo o que está ao nosso alcance para que seu irmão esteja tendo conforto e paz nesse momento crítico. Ele está sedado, sem dor, e respirando bem com os aparelhos, numa cama quentinha, com muita gente que ama o que faz cuidando dele 24h por dia. Vá para casa, tome um banho e tente descansar. Até amanhã.

Obrigado, doutor, que Deus o abençoe.

 

É em estatística que se entende que doentes crônicos morrem, os doentes genéticos morrem cedo e os doentes graves morrem muito mais do que os doentes que ficam no espectro das doenças mais facilmente tratáveis. Mas este é um conhecimento prático e senso comum que deve ser relembrado ao paciente e sua família:

“Por mais que nossa equipe seja boa, seu problema é bastante complicado”

Nós, médicos, principalmente aqueles que convivem com doentes crônicos e com prognósticos reservados, sobrevida pequena, alta morbidade, situações de grande energia emocional envolvida, seja a sala de emergência por onde entra um doente infartado, já em choque cardiogênico, seja o momento em que a cavidade abdominal abre-se sob o bisturi de um cirurgião vascular a tratar um aneurisma de aorta, seja na decisão agonizante ao receber um paciente terminal de câncer em insuficiência respiratória ou nas visitas familiares diárias das UTIs, no momento que precede e sucede um adeus categórico como este, o último suspiro da vida, precisamos ser mais do que humanos, precisamos ser em toda a integridade da profissão: médicos.

O nascer e morrer são o alfa e ômega na medicina, assim como na vida. Despedir-se desse milagre merece certa cerimônia. Eu proponho, ao menos, um adieu.

 


Prepare-se para ampliar seu repertório cultural e se reconectar com as artes e a história!

Literatura, pintura, cinema, música, dança... como as artes e a história podem se relacionar com as ciências da saúde? E como isso pode transformar a sua vida pessoal e profissional?

Conhecer o passado vai te ajudar a entender melhor o momento em que estamos vivendo e a perceber como a história se repete!


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