Um amplo estudo de coorte publicado em 12 de maio em JAMA Network Open revelou uma associação significativa entre a exposição sequencial a antibióticos durante o período perinatal e uma pior função pulmonar em crianças nascidas prematuras com muito baixo peso ao nascer. O estudo, realizado com dados do German Neonatal Network (GNN), oferece insights sobre como decisões clínicas no início da vida podem influenciar de forma duradoura a saúde respiratória.
Estudos anteriores já haviam mostrado que a exposição a antibióticos durante a gestação está relacionada ao aumento do risco de asma na infância. Em modelos animais, essa exposição precoce afeta negativamente o desenvolvimento das vias aéreas. Em recém-nascidos prematuros, a vulnerabilidade é ainda maior devido à imaturidade pulmonar, ao uso frequente de ventilação invasiva, à exposição ao oxigênio e a déficits nutricionais. No entanto, a conexão direta entre a exposição perinatal a antibióticos e alterações na função pulmonar infantil em prematuros ainda não havia sido investigada com profundidade — até agora.
Altas taxas de exposição a antibióticos
A exposição a antibióticos ocorre em múltiplos momentos no cuidado perinatal:
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Exposição antenatal: Cerca de 48% das mães dos neonatos incluídos no estudo receberam antibióticos nos 7 dias que antecederam o parto pré-termo.
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Antibioticoprofilaxia em cesárea: De 80% a 90% dos prematuros nascem por cesariana e recebem exposição indireta a antibióticos administrados à mãe antes da incisão.
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Terapia empírica neonatal: Quase 91% dos recém-nascidos prematuros da coorte foram tratados com antibióticos pós-natalmente, geralmente por suspeita de sepse, independentemente da confirmação do diagnóstico.
Principais achados:
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Função pulmonar prejudicada: Crianças expostas a múltiplos cursos de antibióticos na fase perinatal apresentaram menores escores z de VEF1 (volume expiratório forçado no primeiro segundo) na idade escolar.
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Maior risco de sibilância e asma: A associação entre a exposição a antibióticos e um fenótipo asmático foi observada, reforçando a hipótese de que alterações do microbioma intestinal precoce podem estar na base da inflamação pulmonar crônica.
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Dificuldade de estabelecer causalidade: Apesar da associação estatística, os autores alertam que fatores como gravidade da doença de base, predisposição genética e condições inflamatórias intrauterinas também podem influenciar os resultados.
Impactos do desequilíbrio do microbioma
A exposição precoce a antibióticos reduz a diversidade microbiana e compromete populações benéficas como Bifidobacteria, predispondo ao desequilíbrio (disbiose). Esse desequilíbrio pode levar a complicações sérias como:
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Infecções sistêmicas
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Lesões cerebrais
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Inflamações persistentes
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Desenvolvimento de doenças respiratórias crônicas
Além disso, a nutrição com leite humano demonstrou ter efeito protetor, por promover um microbioma dominado por Bifidobacteria e a produção de ácidos graxos de cadeia curta com ação anti-inflamatória.
Implicações clínicas
A pesquisa reforça a necessidade de programas de stewardship de antibióticos em unidades neonatais e obstétricas, a fim de evitar uso desnecessário de antimicrobianos. Recomendações práticas incluem:
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Evitar uso indiscriminado de antibióticos em condições não infecciosas (como pré-eclâmpsia ou restrição de crescimento fetal).
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Utilizar estratégias pós-exposição para restaurar o equilíbrio microbiano, como o uso de probióticos e incentivo à amamentação.
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Implementar programas estruturados de acompanhamento após a alta hospitalar para promoção da saúde pulmonar em prematuros.
Estratégias de prevenção para famílias
Para famílias de recém-nascidos prematuros, os autores sugerem estratégias preventivas que incluem:
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Aleitamento materno exclusivo até 6 meses
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Evitar exposição ao tabaco passivo
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Aderir ao calendário vacinal
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Educar sobre gatilhos de asma
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Uso criterioso de antibióticos na infância
Limitações do estudo
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Taxa de seguimento mediana de apenas 23,5% dos participantes originais
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Ausência de dados sobre dose e duração da exposição antibiótica
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Possibilidade de viés de seleção (apenas crianças saudáveis o suficiente realizaram espirometria)
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Não foi possível estabelecer uma relação causal definitiva
Embora os antibióticos continuem sendo essenciais e salvadores de vidas, seus efeitos a longo prazo sobre o desenvolvimento infantil, especialmente em populações vulneráveis, merecem atenção cuidadosa. É necessário o desenvolvimento de programas de prevenção integrados, baseados em evidências, que combinem cuidado neonatal racional, suporte familiar e intervenções específicas para proteger a saúde respiratória de crianças prematuras.
Referência:
Fortmann I, Welp A, Hoffmann N, et al. Perinatal Antibiotic Exposure and Respiratory Outcomes in Children Born Preterm. JAMA Netw Open. 2025;8(5):e259647. doi:10.1001/jamanetworkopen.2025.9647