Nos últimos 30 anos, vários estudos demostraram que a exposição crônica a exercícios físicos reduz fortemente o risco para o desenvolvimento de muitos tipos de câncer (1, 2). Além disso, a adoção de uma rotina com exercícios físicos após o diagnóstico pode diminuir a progressão da doença e reduzir a mortalidade relacionada ao câncer (3-6).
Os benefícios do exercício físico no quadro clínico dos pacientes está vinculado à redução da toxicidade do tratamento, redução na progressão da doença e realce na sobrevivência (7). Evidências a partir de ensaios clínicos apontam que intervenções com exercícios físicos durante o período pré-operatório também contribuem positivamente com o tratamento após a cirurgia (8-11).
Por exemplo,
o treinamento físico em mulheres com câncer de mama tem se mostrado uma
importante ferramenta para o aumento da aptidão cardiorrespiratória, força
muscular e função física, com impacto também na redução da fadiga relacionada
ao câncer, redução da ansiedade e depressão, contribuindo significativamente
para a melhoria da qualidade de vida (12-15). Nesse
sentido, o total de 150 minutos de exercícios físicos moderados por semana
quase dobram a chance de sobrevivência em comparação à pacientes com câncer de
mama que não se exercitaram durante o tratamento (16).
Embora os estudos envolvendo exercício físico e câncer
estejam concentrados em dados epidemiológicos e qualidade de vida, é emergente
a necessidade de dar um passo adiante! É fundamental a identificação dos
potenciais mecanismos biológicos capazes de sustentar os efeitos
antitumorigênicos do exercício físico. O avanço na direção do entendimento de
como o exercício físico pode modular o desenvolvimento tumoral, com a
identificação de targets e vias
moleculares sensíveis ao exercício, poderá, no horizonte, nos fornecer um roll de possibilidades para o
desenvolvimento de novas terapias antitumorais.
Diversos
mecanismos moleculares têm sido propostos acerca dos efeitos antitumorais do
exercício físico, com destaque para adaptações fisiológicas que envolvem a
angiogênese, resposta imune e regulação do metabolismo energético do tumor. Faz-se
necessário destacar que os estudos sobre os mecanismos moleculares, sensíveis
ao exercício físico no câncer são desenvolvidos majoritariamente em modelos
experimentais que utilizam animais de laboratório. Portanto, a interpretação requer
parcimônia na extrapolação dos resultados, mas podem nos indicar a direção para
investigações em ensaios clínicos no futuro.
Naquilo que diz respeito à angiogênese, os tumores geralmente têm suprimento sanguíneo anormal, com sistema vascular desorganizado, o que prejudica o aporte eficaz de oxigênio e substratos energéticos, assim como o transporte de drogas (17). Vários estudos têm mostrado que as intervenções com exercícios físicos podem alterar a perfusão intratumoral.
Em modelos experimentais foi verificado aumento da perfusão no câncer de mama (18, 19) (células da linhagem 4T1 e linhagem MDA-MB-231) e câncer de próstata (20) (células da linhagem R-3327-AT-1), seguido de diminuição da hipóxia intratumoral e redução no desenvolvimento do tumor (2, 17). Por outro lado, foi verificado que o exercício físico reduziu a expressão de marcadores e sinalizadores pró-angiogênicos, com consequente redução na progressão tumoral em modelo de câncer de mama (células da linhagem MC4-L2) (21), embora a perfusão tecidual não tenha sido verificada por meio de imagens neste estudo.
Adicionalmente, as
alterações induzidas por exercício físico na angiogênese e consequentemente no
microambiente tumoral foram relacionados a melhor eficácia terapêutica em pelo
menos dois estudos, cuja combinação de exercício e quimioterapia levou a uma
melhor resposta em comparação a quimioterapia sozinha em modelos animais para
câncer de mama e câncer pancreático (17).
As células cancerosas podem interagir com o microambiente tumoral, que consiste em células tumorais, células estromais, incluindo fibroblastos, células endoteliais, células imunes, moléculas sinalizadoras e a matriz extracelular (22). Por exemplo, o próprio tumor e o microambiente tumoral regulam negativamente a resposta imune devido a construção de um microambiente imunossupressor, que restringe a infiltração e ativação de células imunes, seja pela ação de citocinas, prostaglandinas, restrição de glicose, ou mesmo pelo recrutamento de populações imunossupressoras, encarregadas de manter a tolerância imunológica (23).
Por sua
vez, o exercício físico agudo e crônico pode alterar a quantidade e a função de
células imunes (24). Durante a fase aguda do exercício, o número de
células Natural Killer (NK) no sangue
aumenta entre 50% a 500% e tem sido descrito que o exercício provoca um aumento
da citotoxicidade destas células (5, 17). Recentemente, foi demonstrado que a redução na progressão do câncer de mama e diminuição no
número de metástases no pulmão foram ocasionadas devido à ação de células NK
estimuladas por alterações fisiológicas decorrentes do exercício físico
aeróbico (25).
Em modelo experimental de câncer colorretal uma análise metabolômica mostrou um retardo no desenvolvimento do tumor devido a alterações na função mitocondrial (ciclo de Krebs) no tecido tumoral de camundongos treinados com exercícios aeróbicos (27). Corroborando, nossa equipe de pesquisa também demonstrou em modelo experimental de câncer de mama que o exercício físico aeróbico foi responsável pela diminuição na capacidade funcional das mitocôndrias (i.e. cadeia de transporte de elétrons) (28). Isto é particularmente importante, pois o modelo tumoral utilizado (células da linhagem 4T1) é dependente de mitocôndrias funcionais para crescimento e proliferação.
Animais treinados e com déficits na função mitocondrial apresentaram redução
na velocidade de crescimento do tumor, cuja massa tumoral ao final do
experimento foi 43% menor quando comparada a animais sedentários (28). Embora o impacto do
exercício físico na função mitocondrial de outros tipos/subtipos tumorais ainda
seja desconhecido, estes dados indicam o potencial do exercício em alterar o
metabolismo da célula tumoral!
A este respeito, modelos experimentais têm demonstrado que o exercício físico sozinho pode modular e retardar o desenvolvimento tumoral. Enquanto, em pacientes com câncer, o exercício físico é comprovadamente eficaz e necessário para melhorar prognósticos de tratamento e reabilitação.
Estamos no limiar de
uma revolução na “Ciência do Exercício Físico”, em que o entendimento das
adaptações moleculares provocadas pelo esforço físico mostra-se cada vez mais
necessária. A determinação destes mecanismos moleculares pelos quais o
exercício físico desempenha efeitos antitumorais pode corroborar não apenas na
identificação de alvos terapêuticos, como também no entendimento da biologia do
câncer.
Não obstante, é fundamental que profissionais da área da saúde estejam engajados no trabalho multidisciplinar, sobretudo estimulando a inserção de pacientes com câncer em programas de exercícios físicos. É hora de darmos um passo adiante!
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