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Exercício físico e câncer: o próximo passo!

Exercício físico e câncer: o próximo passo!
Anderson Vulczak
nov. 1 - 13 min de leitura
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Nos últimos 30 anos, vários estudos demostraram que a exposição crônica a exercícios físicos reduz fortemente o risco para o desenvolvimento de muitos tipos de câncer (1, 2). Além disso, a adoção de uma rotina com exercícios físicos após o diagnóstico pode diminuir a progressão da doença e reduzir a mortalidade relacionada ao câncer (3-6).

Os benefícios do exercício físico no quadro clínico dos pacientes está vinculado à redução da toxicidade do tratamento, redução na progressão da doença e realce na sobrevivência (7)Evidências a partir de ensaios clínicos apontam que intervenções com exercícios físicos durante o período pré-operatório também contribuem positivamente com o tratamento após a cirurgia (8-11).

Por exemplo, o treinamento físico em mulheres com câncer de mama tem se mostrado uma importante ferramenta para o aumento da aptidão cardiorrespiratória, força muscular e função física, com impacto também na redução da fadiga relacionada ao câncer, redução da ansiedade e depressão, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida (12-15). Nesse sentido, o total de 150 minutos de exercícios físicos moderados por semana quase dobram a chance de sobrevivência em comparação à pacientes com câncer de mama que não se exercitaram durante o tratamento (16).

Embora os estudos envolvendo exercício físico e câncer estejam concentrados em dados epidemiológicos e qualidade de vida, é emergente a necessidade de dar um passo adiante! É fundamental a identificação dos potenciais mecanismos biológicos capazes de sustentar os efeitos antitumorigênicos do exercício físico. O avanço na direção do entendimento de como o exercício físico pode modular o desenvolvimento tumoral, com a identificação de targets e vias moleculares sensíveis ao exercício, poderá, no horizonte, nos fornecer um roll de possibilidades para o desenvolvimento de novas terapias antitumorais.

Diversos mecanismos moleculares têm sido propostos acerca dos efeitos antitumorais do exercício físico, com destaque para adaptações fisiológicas que envolvem a angiogênese, resposta imune e regulação do metabolismo energético do tumor. Faz-se necessário destacar que os estudos sobre os mecanismos moleculares, sensíveis ao exercício físico no câncer são desenvolvidos majoritariamente em modelos experimentais que utilizam animais de laboratório. Portanto, a interpretação requer parcimônia na extrapolação dos resultados, mas podem nos indicar a direção para investigações em ensaios clínicos no futuro.

Naquilo que diz respeito à angiogênese, os tumores geralmente têm suprimento sanguíneo anormal, com sistema vascular desorganizado, o que prejudica o aporte eficaz de oxigênio e substratos energéticos, assim como o transporte de drogas (17). Vários estudos têm mostrado que as intervenções com exercícios físicos podem alterar a perfusão intratumoral.

Em modelos experimentais foi verificado aumento da perfusão no câncer de mama (18, 19) (células da linhagem 4T1 e linhagem MDA-MB-231) e câncer de próstata (20) (células da linhagem R-3327-AT-1), seguido de diminuição da hipóxia intratumoral e redução no desenvolvimento do tumor (2, 17). Por outro lado, foi verificado que o exercício físico reduziu a expressão de marcadores e sinalizadores pró-angiogênicos, com consequente redução na progressão tumoral em modelo de câncer de mama (células da linhagem MC4-L2) (21), embora a perfusão tecidual não tenha sido verificada por meio de imagens neste estudo.

Adicionalmente, as alterações induzidas por exercício físico na angiogênese e consequentemente no microambiente tumoral foram relacionados a melhor eficácia terapêutica em pelo menos dois estudos, cuja combinação de exercício e quimioterapia levou a uma melhor resposta em comparação a quimioterapia sozinha em modelos animais para câncer de mama e câncer pancreático (17).

As células cancerosas podem interagir com o microambiente tumoral, que consiste em células tumorais, células estromais, incluindo fibroblastos, células endoteliais, células imunes, moléculas sinalizadoras e a matriz extracelular (22). Por exemplo, o próprio tumor e o microambiente tumoral  regulam negativamente a resposta imune devido a construção de um microambiente imunossupressor, que restringe a infiltração e ativação de células imunes, seja pela ação de citocinas, prostaglandinas, restrição de glicose, ou mesmo pelo recrutamento de populações imunossupressoras, encarregadas de manter a tolerância imunológica (23).

Por sua vez, o exercício físico agudo e crônico pode alterar a quantidade e a função de células imunes (24). Durante a fase aguda do exercício, o número de células Natural Killer (NK) no sangue aumenta entre 50% a 500% e tem sido descrito que o exercício provoca um aumento da citotoxicidade destas células (5, 17). Recentemente, foi demonstrado que a redução na progressão do câncer de mama e diminuição no número de metástases no pulmão foram ocasionadas devido à ação de células NK estimuladas por alterações fisiológicas decorrentes do exercício físico aeróbico (25).

Outro aspecto importante da interação das células cancerosas com o microambiente tumoral diz respeito à reprogramação metabólica das células tumorais. As células tumorais têm a capacidade de interagir com outras células do microambiente tumoral para satisfazer as suas demandas metabólicas e manter o crescimento e proliferação celular acelerado. Interessantemente, o exercício físico também mostrou o potencial de influenciar o metabolismo enérgico tumoral por meio de modulações na função das mitocôndrias, a “usina de energia” das células (26).

Em modelo experimental de câncer colorretal uma análise metabolômica mostrou um retardo no desenvolvimento do tumor devido a alterações na função mitocondrial (ciclo de Krebs) no tecido tumoral de camundongos treinados com exercícios aeróbicos (27). Corroborando, nossa equipe de pesquisa também demonstrou em modelo experimental de câncer de mama que o exercício físico aeróbico foi responsável pela diminuição na capacidade funcional das mitocôndrias (i.e. cadeia de transporte de elétrons) (28). Isto é particularmente importante, pois o modelo tumoral utilizado (células da linhagem 4T1) é dependente de mitocôndrias funcionais para crescimento e proliferação.

Animais treinados e com déficits na função mitocondrial apresentaram redução na velocidade de crescimento do tumor, cuja massa tumoral ao final do experimento foi 43% menor quando comparada a animais sedentários (28). Embora o impacto do exercício físico na função mitocondrial de outros tipos/subtipos tumorais ainda seja desconhecido, estes dados indicam o potencial do exercício em alterar o metabolismo da célula tumoral!

A este respeito, modelos experimentais têm demonstrado que o exercício físico sozinho pode modular e retardar o desenvolvimento tumoral. Enquanto, em pacientes com câncer, o exercício físico é comprovadamente eficaz e necessário para melhorar prognósticos de tratamento e reabilitação.

Estamos no limiar de uma revolução na “Ciência do Exercício Físico”, em que o entendimento das adaptações moleculares provocadas pelo esforço físico mostra-se cada vez mais necessária. A determinação destes mecanismos moleculares pelos quais o exercício físico desempenha efeitos antitumorais pode corroborar não apenas na identificação de alvos terapêuticos, como também no entendimento da biologia do câncer.

Não obstante, é fundamental que profissionais da área da saúde estejam engajados no trabalho multidisciplinar, sobretudo estimulando a inserção de pacientes com câncer em programas de exercícios físicos. É hora de darmos um passo adiante!

Referências:

1.            KL C, KM W-S, J W, AM M, AL S, KS C, et al. Exercise Guidelines for Cancer Survivors: Consensus Statement From International Multidisciplinary Roundtable. Medicine and science in sports and exercise. 2019;51(11).

2.            Ruiz-Casado A, Martin-Ruiz A, Perez LM, Provencio M, Fiuza-Luces C, Lucia A. Exercise and the Hallmarks of Cancer. Trends Cancer. 2017;3(6):423-41.

3.            SC H, RU N, RR S, DA G. The Exercise and Sports Science Australia Position Statement: Exercise Medicine in Cancer Management. Journal of science and medicine in sport. 2019;22(11).

4.            KH S, AM C, MM S, BM P, AL S, GS M, et al. Exercise Is Medicine in Oncology: Engaging Clinicians to Help Patients Move Through Cancer. CA: a cancer journal for clinicians. 2019;69(6).

5.            Pedersen L, Christensen JF, Hojman P. Effects of exercise on tumor physiology and metabolism. Cancer J. 2015;21(2):111-6.

6.            Pedersen BK, Saltin B. Exercise as medicine - evidence for prescribing exercise as therapy in 26 different chronic diseases. Scand J Med Sci Sports. 2015;25 Suppl 3:1-72.

7.            JF C, C S, P H. Exercise Training in Cancer Control and Treatment. Comprehensive Physiology. 2018;9(1).

8.            JA L, D D, A G-H, A M, E F, M C, et al. Impact of a Pre-Operative Exercise Intervention on Breast Cancer Proliferation and Gene Expression: Results From the Pre-Operative Health and Body (PreHAB) Study. Clinical cancer research : an official journal of the American Association for Cancer Research. 2019;25(17).

9.            A N-H, NH P, E B, RE L, R S, DP OC, et al. Home-Based Exercise Prehabilitation During Preoperative Treatment for Pancreatic Cancer Is Associated With Improvement in Physical Function and Quality of Life. Integrative cancer therapies. 2019;18.

10.          E P, G C, G R. Effects of Preoperative Combined Aerobic and Resistance Exercise Training in Cancer Patients Undergoing Tumour Resection Surgery: A Systematic Review of Randomised Trials. Surgical oncology. 2018;27(3).

11.          D S, PR B, M H, M S, J Y. Preoperative Exercise Halves the Postoperative Complication Rate in Patients With Lung Cancer: A Systematic Review of the Effect of Exercise on Complications, Length of Stay and Quality of Life in Patients With Cancer. British journal of sports medicine. 2018;52(5).

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