Bem-vindos à série "Gabinete de Curiosidades Médicas"! Aqui você vai encontrar fatos curiosos, sombrios ou interessantes sobre a história da medicina e das artes. Prepare-se para um encontro inesperado com médicos, escultores, pintores, filósofos que se unem para contar um pouco das inusitadas intersecções, costuras e remendos entre ciência, medicina e literatura no século XIX.
Vamos lá?
Já faz um tempo começaram a circular na internet imagens de sepulturas envoltas por uma espécie de grade de metal que mais se parece com uma jaula. Não demorou para que a imaginação fértil de algumas pessoas começasse a especular e a disseminar a ideia de que o estranho aparato servia para evitar que os corpos dos mortos se levantassem de suas tumbas como vampiros ou zumbis em busca de sangue e carne humana.
É claro que tudo não passa de invenção de mentes emocionadas e pouco comprometidas com a realidade. E embora longe de todo esse conceito sobrenatural e fantasioso, a verdade sobre as intrigantes estruturas não deixa de ser interessante. Elas são chamadas de mortsafes e foram inventadas no século XIX, com o intuito de evitar que cadáveres fossem roubados.
O motivo de tanta preocupação com a integridade dos cadáveres está ligada ao contexto daquela época.
Depois de um longo período em que o estudo da anatomia era feito por meio de dissecações públicas, onde os alunos quase não tinham contato real com o objeto de estudo, o ensino da matéria passou a ser oferecido também em escolas particulares.
Os cadáveres usados eram geralmente de criminosos e a demanda por corpos frescos era enormemente maior do que a oferta. Aproveitando-se dessa necessidade das escolas de medicina, bandidos deram início a uma atividade criminosa reconhecida e temida na região do Reino Unido.
Os ladrões de corpos (bodysnatchers), também chamados de ressurreicionistas, faziam incursões noturnas pelos cemitérios, sempre munidos de lanternas e ferramentas para cavar. Com elas reabriam covas e desenterravam caixões na calada da noite. Os cadáveres eram então retirados dos caixões, transportados e vendidos para as escolas de medicina, que sempre estavam em busca de mais.
Com medo de que os túmulos dos seus entes queridos fossem violados pelos inescrupulosos marginais, as pessoas passaram a adotar medidas para evitar o roubo de cadáveres. O mortsafe era o mais popular e podia ser construído em diversos estilos e formatos.
O procedimento era bastante simples: depois que a cova estivesse aberta, colocava-se o caixão e por cima dele a estrutura de metal. Uma vez fechada a cova, uma enorme pedra ou peso de ferro era posto sobre a grade, enjaulando o caixão para garantir maior tranquilidade durante o descanso eterno. Quando o cadáver estivesse já suficientemente decomposto, a ponto de se tornar inútil para os ladrões, a estrutura era retirada e podia ser alugada ou vendida para outras pessoas.
O problema é que o método de prevenção era ingênuo e não contava com a criatividade dos criminosos. Para conseguirem vencer os mortsafes, eles cavavam túneis a mais de seis metros do alvo e chegavam até os caixões por debaixo da terra, como verdadeiras toupeiras.
Imaginem a surpresa das pessoas quando começaram a descobrir, depois de removerem a estrutura, que o sistema de segurança havia falhado miseravelmente e que não havia mais corpo ou caixão debaixo da terra.
O tráfico de cadáveres teve seu fim apenas em 1832, quando o governo inglês implementou o Anatomic Act, lei que permitia que qualquer corpo não reclamado, e também de doadores, fossem usados para dissecações e para o ensino da anatomia.
Com as escolas agora suficientemente abastecidas de cadáveres para aulas e pesquisas, os mortsafes caíram em desuso e as famílias puderam dormir mais tranquilas, sabendo que os seus mortos estavam finalmente descansando em paz.