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História e Importância do SUS

História e Importância do SUS
Lara Gandolfo
jun. 14 - 14 min de leitura
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Na transição entre os séculos XIX e XX, data-se os primeiros feitos do governo brasileiro visando à promoção da saúde pública. As políticas ficaram conhecidas como Sanitarista-campanhista, pois houve uma maior concentração de esforços na área de saneamento básico para controle econômico, circulação de produtos e de pessoas nos principais portos.

Infelizmente, atualmente mais de 30 milhões de brasileiros não possuem acesso à água tratada e mais de 90 milhões não possuem coleta de esgoto... [1] Essa política, iniciada há tantas décadas, já deveria ter surtido efeito, não é mesmo?

As três primeiras décadas do século XX foram marcadas por intensas discussões para a criação de um projeto nacional. O País havia acabado de se tornar República, mas se deparava com um imenso contingente populacional desprovido de terra, desqualificados profissionalmente e sem escolaridade. Além de que, encontravam-se totalmente sem acesso aos meios produtivos e abandonados pelo Estado [2].

Esse momento foi marcado por fortes ações sanitaristas, a exemplo da fundação do Instituto Soroterápico Federal, localizado em uma bucólica fazenda no Rio de Janeiro, onde pelas mãos do bacteriologista Oswaldo Cruz, o instituto foi responsável pela erradicação da peste bubônica e da febre amarela na cidade.

Posteriormente, expandiu seus limites com expedições científicas ao longo do território brasileiro [3]. Da mesma forma, expoentes escritores brasileiros foram importantes nesse período da história do Brasil, a exemplo de intelectuais como Euclides da Cunha, que em sua obra literária “Os Sertões” gerou um grande impacto no imaginário social do brasileiro [2], e Monteiro Lobato que, anos depois, com seu ilustre personagem do “Jeca Tatu”, retratou um brasileiro que não era doente, ele estava doente devido à precariedade da saúde.

O retrato feito do Brasil nessa época, era de pinceladas fortes que mostravam um povo doente e analfabeto, abandonado pelo Estado e entregue à sorte. Com a situação da população brasileira, os sanitaristas viram a necessidade de conferir melhores condições para que os brasileiros pudessem lutar, a fim de melhorar suas vidas. A responsabilidade dessa situação fora dada ao Estado, que só lhe cobrava impostos[2].

“O movimento pelo saneamento do Brasil teve consequências de longo prazo em termos de políticas públicas e identidades profissionais, seus diagnósticos e argumentos ajudaram a legitimar a presença do Estado no campo da saúde pública. E, o mais significativo, a descoberta da importância sociológica da doença foi incorporada por parte considerável daqueles que refletiam sobre o Brasil e sobre a identidade de ser brasileiro (Lima & Hochman, 1996).” [4]

Os investimentos desses períodos foram voltados ao saneamento básico, devido a uma exigência dos países que importavam de nós. A campanha foi nomeada como “Sanear é a grande questão Nacional”.

Posteriormente, o Sistema de Caixas de Aposentadoria (CAPs) foi instituído pela Lei Eloy Chaves em 1923. O CAPs constituía-se de organizações provadas voltadas para economia oriunda de setores como ferroviário e marítimo. Além dos serviços previdenciários, havia assistência médica e acesso a medicamentos. Adiante, em 1930, surge o Instituto de Aposentadoria e Pensões (IAPs), que mantinha a forma de financiamento contributivo das CAPs, mas com a administração governamental.

Em 1930, o Ministério da Saúde foi criado, e organizou a política nacional em saúde pública e medicina curativa. Porém, os IAPs que faziam o controle da medicina curativa, logo, o acesso continuava restrito. A saúde pública manteve seu foco nas campanhas sanitaristas. Por isso, nesse momento da nossa história, a população recorria às Santas Casas de Misericórdia, hospitais de caridade e os filantrópicos, responsáveis em ajudar quem não tinha condição

Nesse ponto da trajetória, gostaria de fazer um adendo sobre a capacidade que o brasileiro tem de se refazer, de buscar ajuda e ajudar, de mostrar um lado tão bonito de ser, sobretudo, humano. Isso é algo que estamos vendo nessa triste realidade que o Coronavírus nos trouxe.

Diariamente, nos deparamos com notícias de pessoas doando alimentos, programações de lives de cantores visando arrecadações, horários marcados para aplaudir e agradecer os profissionais de saúde, e as mãos artesãs confeccionando máscaras e doando para as pessoas. São por esses e outros motivos, que eu acredito que o nosso país tem solução, e como dito pelo dentista e inconfidente, Joaquim José da Silva Xavier:

“Se todos quisermos, poderemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la”.

Temos solução de nos tornar um país exemplo, onde a população terá melhores condições e que não padecerá de doenças que poderiam ser erradicadas com um saneamento básico, com alimentação digna e condições melhores de vida, bem como uma educação de qualidade e acesso universal à saúde.

Vendo essas atitudes e nos espelhando nelas, pode ser que gere um despertar, sabe? Uma pessoa faz, outra pessoa se espelha e assim vai progredindo e espalhando... É claro que muita gente se aproveita da situação: os políticos superfaturando equipamentos de saúde e atos egoístas de algumas pessoas. Isso, infelizmente, também faz parte de um seleto grupo de brasileiros. Esse fato já me gerou muita tristeza e preocupação.

Mas diante de todo esse quadro obscuro, tem gente “sendo gente”, há pessoas que estão querendo o melhor para seu próximo, e isso tudo é uma característica muito marcante do brasileiro que deve ser valorizada e utilizada para trazer calmaria diante de um mar de medos, preocupações e angústias. 

Enfim, prosseguindo com a nossa evolução na saúde... no ano de 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social marcou a unificação dos benefícios dos IAPs. Durante a governança militar, ano de 1964, o setor privado foi privilegiado, tomando conta do atendimento médico-hospitalar.

Na década de 1970, houve a luta pela redemocratização política, e o surgimento de uma iniciativa da população de reivindicar por um sistema de saúde único, universal e de acesso gratuito, no qual quem deveria prover era o Estado. E esse então, foi o Movimento de Reforma Sanitária.

Finalmente, no dia 05 de outubro de 1988, com a promulgação na Nova Constituição Federal, foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS) [2]. Com a criação do SUS, a lógica baseada no mercado e no caráter contributivo foi deixada para trás e passou a introduzir o conceito de Seguridade Social, uma política que visa amparar todo cidadão e seus familiares nas mais diversas situações, como: Previdência Social (proteção social mediante contribuição), Assistência Social (proteção gratuita a quem necessita) e Saúde Pública (promoção e redução de doenças e acesso a serviços de saúde e saneamento, de forma gratuita).

No ano de 1990, a lei 8.080 foi criada para dispor sobre as condições de promoção, proteção e recuperação da saúde, além de organizar o funcionamento dos serviços correspondentes. É por meio dela que temos toda a regulamentação do SUS. Como está escrito no Artigo 2º:

 “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.”

 

Comparativamente...

Um grande diferencial do SUS e do sistema norte-americano de saúde é que o nosso inclui a execução das ações de vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, saúde dos trabalhadores e assistência terapêutica integral, incluindo a farmacêutica [7,8]. Já o norte-americano mantém seu enfoque na vigilância sanitária e epidemiológica, visto que a saúde é totalmente privatizada.

Os três princípios do SUS - universalidade, integralidade e equidade - são os orientadores das ações e dos serviços públicos de saúde, além dos serviços privados contratados, ou conveniados, que também fazem parte do SUS. Além disso, o SUS também é responsável pelo controle de qualidade, pesquisa e produtos de insumos, medicamentos, sangue e derivados e equipamentos para a saúde.

A vigilância sanitária compreende ações que visam diminuir ou eliminar os riscos a saúde e intervir em problemas sanitários, portanto o controle dos nossos bens de consumo, que direta ou indiretamente se relacionam com a nossa saúde, são fiscalizados e gerenciados pela vigilância em saúde. Resumidamente, aquelas refeições que fazemos fora de casa, o alimento que compramos, além de inúmeros outros itens, fazem parte de uma fiscalização maciça, visando à prevenção e promoção de saúde.

Já a vigilância epidemiológica nos proporciona o conhecimento, para detecção ou prevenção dos fatores que determinam e condicionam a saúde individual e coletiva.

Em relação à saúde do trabalhador, a assistência é conferida visando à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores. E nesse ponto, entre outras diferenças, o Brasil e os EUA, divergem totalmente, principalmente quando se trata de Coronavírus. Os brasileiros, graças a essa lei de proteção, possuem direito a atestados médicos diante de uma situação de instabilidade de saúde [5], a licença da quarentena como estamos vivenciando, sem que isso acarrete prejuízos, e dessa forma o Estado consegue promover uma contenção maior da disseminação, bem como a preservação da saúde.

Porém, essa não é a realidade vivida pelos norte-americanos, dos quais a maioria não possui licenças médicas e muito menos acesso a uma saúde pública, já que o sistema é privado e extremamente caro [6]. Sem licença médica, as pessoas irão trabalhar (doentes) e espalhar a doença - como relatou o economista Nicolas Ziebarth de uma Universidade de Nova York, em entrevista a BBC News Brasil.

Atualmente, os Estados Unidos lideram o ranking de casos confirmados de COVID-19, com quase 800 mil casos confirmados. É claro que, é um país de dimensões vastas, porém, fica a reflexão: e se no Brasil, que também é um país de extenso território, o sistema de saúde funcionasse como nos EUA? Em um país tão grande quanto o nosso, seria uma dizimação nunca vista até então! Pois aqui temos muitos outros agravantes, como a condição socioeconômica da maioria da população, que carece muitas vezes de alimento e acesso à água, imagine como a situação ficaria!

E, diante dessa situação, o SUS, além de fornecer todo o atendimento - diagnóstico, tratamento, acompanhamento e suporte - está tomando outras medidas estão, como, por exemplo:

  • Compra de respiradores: no início do mês de abril, cerca de 6,5 mil respiradores fabricados no Brasil;

  • 240 milhões de máscaras ( cirúrgica e N95) para proteção dos nossos profissionais;

  • Teleconsulta Telessaúde: 471mil pessoas já foram atendidas; criação de uma página no site do Ministério da Saúde, voltada para informação e educação sobre a doença; Ligações do número 136 para avaliar a presença de sintomas.

  • Diagnóstico: 870 mil testes (rt-PCR e testes rápidos-sorológicos), foram distribuídos esse mês.

  • Para pacientes sintomáticos ou assintomáticos em investigação laboratorial: a portaria nº356/3020 prevê o isolamento, por meio de respaldo médico.

  • Site com informações sobre a doença, principais sintomas, condutas e tratamento. 

Em face de todo o trabalho criado pelo SUS, os brasileiros, certamente, estão mais bem amparados em relação COVID-19, realidade essa não vivida em alguns outros países.

Enfim, tudo que está ligado direta ou indiretamente à saúde é fiscalizado pelos órgãos que o SUS rege. Com o passar dos anos, desde sua criação, houve muita evolução no que diz respeito ao que SUS oferece e contempla.

Existe uma gama imensa de medicações que podem ser retiradas gratuitamente nas farmácias das unidades de saúde, farmácias satélites e as centrais. Ademais, por meio de farmácias regionais, há a possibilidade de retirar medicações essenciais em tratamentos reumato, onco e endocrinológicos.

Além de uma atenção básica bem ampla, há os serviços da atenção secundária e terciária, que dão seguimento ao tratamento e cuidado dos pacientes.

Diante de tudo o que foi citado, somado a essa triste situação que vivenciamos hoje, com certeza o tratamento das pessoas infectadas com o COVID-19 tem essa base ofertada gratuitamente, ajudando, assim, essa população.

Quero deixar claro que esse não é um texto de cunho político! É simplesmente um texto de quem valoriza a saúde pública, quis mostrar o poder que o povo brasileiro tem de lutar pelos seus direitos e valorizar atitudes tão nobres que, nessa quarentena, além de fazerem a diferença, trazem esperança! 

Referências

  1. Descubra como o acesso à água transforma a vida de pessoas em mais de 642 localidades em todo o Brasil. PAINEL SANEAMENTO BRASIL. Disponível em: ,https://www.painelsaneamento.org.br/>. Acesso em: 20/04/2020.
  2. PONTE, Carlos Fidelis. O sanitarismo e os projetos de nação. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história, p. 75-78, 2010.
  3. História. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/historia>. Acesso em: 20/04/2020.
  4. O Sanitarismo (re)descobre o Brasil. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Disponível em: <http://observatoriohistoria.coc.fiocruz.br/local/File/na-corda-bamba-cap_3.pdf>. Acesso em: 20/04/2020.
  5. Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e normas correlatas. SENADO FEDERAL. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/535468/clt_e_normas_correlatas_1ed.pdf>. Acesso em 20/04/2020.
  6. A ameaça do coronavírus nos EUA, onde milhões não têm licença médica nem saúde pública. BBC BRASIL. Disponível em:< https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51746841>. Acesso em: 20/04/2020.
  7. BRASIL, Governo Federal; BRASIL. Lei 8080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe Sobre as Condições Para a Promoção, Proteção E Recuperação Da Saúde, a Organização EO Funcionamento Dos Serviços Correspondentes E Dá Outras Providências. Brasília-DF, Brasil, 1990.
  8. ARAÚJO, PPA. Análise comparativa dos modelos de gestão dos sistemas de saúde do Brasil. Estados Unidos e Reino Unido, 2014.

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