- Secretaria Municipal de Saúde, boa tarde, meu nome é Leonardo, com quem eu falo?
- Boa tarde, meu nome é Hortência.
- E no que eu posso te ajudar hoje?
Do outro lado da linha a senhora, com cerca de 50 anos, começa a me contar o caminho percorrido pelo pai (e os sintomas surgidos), senhor na casa dos 70 anos, ao longo das últimas 3 semanas. Vou anotando as informações que julgo mais relevantes. Olho o relógio. 18h11. O cansaço mental começa a bater. São muitas preocupações, dúvidas e incertezas que vivemos nas últimas semanas. As informações não param de chegar. O que hoje é verdade amanhã pode não ser. Sinto falta da xícara de café que me acostumei a tomar no fim da tarde como forma de marcar o início da noite. Penso que dei boa tarde para Hortência quando deveria ter dado boa noite. Mas, no meio de tanta coisa, ela não deve ter notado. Se notou, foi simpática e retribuiu com outro boa tarde. Hortência termina de me contar a história vivida por ela e seu pai.
- Certo, eu ouvi e anotei aqui tudo o que você me contou. Vou pegar alguns dados com a senhora para poder registrar o atendimento e na sequência conversamos sobre sua história.
- Tudo bem.
Pego nome, idade, endereço... Dados básicos de identificação. Faço um resumo da história contada. Nesse momento, tudo muda. Do outro lado da linha Hortência diz que não sabe mais o que fazer. Em um quarto o pai está isolado, no outro a mãe e no outro a filha. Diz que está cansada, com medo e que é a única para cuidar dos três e dela. Começa a chorar.
Paro de anotar, esqueço o café e penso apenas nas pessoas que vi na rua enquanto me dirigia para mais um dia de atendimentos. Pessoas que estavam passeando. Pessoas que estavam encontrando amigos. Pessoas que (quero acreditar muito nisso) não compreenderam ainda que estamos passando por um período difícil e que se não ficarem em casa o caos será maior nas próximas semanas.
- Me desculpe por chorar, mas é muito difícil, acho que estou cansada.
- Hortência, não precisa se desculpar. Quero que você respire fundo.
Ouço quando puxa o ar e continuo:
- Bom, estamos juntos nessa. Eu entendo que essa situação é difícil. É algo novo para todos nós. É muita informação, muita mudança, muita coisa. Eu também sinto medo, também fico cansado, também não sei como vai ser amanhã. Mas, quero que você saiba que nós estamos aqui para te ajudar. Você pode contar conosco. A gente vai dando força um pro outro e juntos vamos passar por isso.
- Ai, como é bom ouvir isso. Deixa a gente mais calma.
- Fico feliz com isso. Vou pedir para a senhora continuar na linha. O telefone vai ficar mudo, porque vou conversar com a equipe médica, mas já volto para passar as orientações.
- Tudo bem.
Converso com a equipe médica responsável pelo apoio. Faço as orientações necessárias. E recebo um agradecimento da senhora que atentamente tudo ouviu. Desligo o telefone e penso em tudo que ouvi, penso em quantas outras pessoas estão passando pela mesma situação, em todos os que devem estar com medo e angustiados. Pergunto internamente o que estou fazendo. Antes de ser profissional da saúde, sou humano. Também tenho medo, dúvidas, angústias... Não sabia, mas no dia seguinte, quase no mesmo horário, receberia um sinal para o meu questionamento. Mas, isso é outra história.
PS: O nome da paciente foi alterado para preservação de sua identidade.
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