A icterícia é um problema frequente em recém-nascidos de qualquer idade gestacional, e por conta das suas possíveis complicações, precisamos saber quais são seus tipos e como fazer o manejo correto.
Definição:
Corresponde à expressão clínica da hiperbilirrubinemia, que é definida como a concentração sérica de bilirrubina indireta (BI) maior que 1,3 a 1,5 mg/dL ou de bilirrubina direta (BD) superior a 1,5 mg/dL, desde que esta represente mais do que 10% do valor de bilirrubina total (BT).
É visível a olho nu quando ultrapassa o nível de 5mg/dl, quando se nota no recém-nascido a coloração amarelada da pele e mucosas.
Portanto, a classificação da icterícia neonatal envolve dois grandes grupos de patologias. Trata-se da HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA (aumento sérico da fração livre BI) e a HIPERBILIRRUBINEMIA DIRETA (acúmulo da fração conjugada, ou BD).
Na prática, a maioria dos casos de icterícia decorre do aumento da BI e apresenta uma evolução benigna. Como dito antes, é uma manifestação muito frequente, sendo que 85% dos RN a termo apresentam icterícia clínica. Mas temos que ficar atentos pois níveis muito elevados de BI podem ocasionar a encefalopatia bilirrubinica, o chamado kernicterus. Esse termo é a forma crônica da doença, com sequelas permanentes por conta da toxicicidade da bilirrubina.
VAMOS ENTENDER QUAL O MECANISMO DA BILIRRUBINA NO RN?
Com a degradação das hemácias no sistema reticuloendotelial, a bilirrubina será liberada, o que é fisiologicamente normal nos RN. A partir daí, ocorre uma sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito, fazendo com que haja dificuldade na conjugação e excreção hepática dessa substância. Essa sobrecarga no hepatócito ocorre por conta da produção aumenta de BI: o RN produz 2 a 3 vezes mais bilirrubina do que o adulto (por conta da menor vida média das hemácias – 70 a 90 dias).
HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA (HI)
A HI costuma ter manifestações clínicas como icterícia com níveis superiores a 5mg/dl. Pode ser fisiológica, que reflete uma adaptação neonatal ao metabolismo da bilirrubina ou patológica, alcançando concentrações elevadas, com sérias consequências. Esta condição pode ser reversível, dependendo, é claro, de uma intervenção terapêutica imediata e agressiva, porém infelizmente a maioria dos casos evolui pra kernicterus ou óbito.
ATENÇÃO!!
Todo RN que apresentar icterícia antes de 24-36 horas de vida ou Bilirrubina Total > 12mg/dl, precisa ligar um alerta e investigar processos patológicos!!
COMO INVESTIGAR A HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA?
Além do quadro clínico e do histórico prévio da mãe, utilizamos alguns exames laboratoriais:
- Bilirrubina total e frações.
- Hemoglobina, hematócrito, contagem de reticulócitos.
- Tipagem de mãe e RN, sistemas ABO e Rh (antígeno D).
- Prova de Coombs Direta (sangue de cordão ou amostra do RN).
- Pesquisa de anticorpos maternos para antígenos irregulares (anti-c, anti-e, anti-E, anti-Kell, outros) se mãe multigesta/transfusão sanguínea anterior e RN com Coombs direto positivo
- Dosagem sanguínea quantitativa de glicose-6-fosfato desidrogenase (G-6-PD)
- Dosagem sanguínea de hormônio tireoidiano e TSH (exame do pezinho)
COMO AVALIAR O GRAU DE ICTERÍCIA?
A classificação do grau de icterícia é feita pelas Zonas de Kramer. Quanto maior o número de áreas atingidas, maiores os níveis séricos de bilirrubina. A progressão é crânio-caudal e a icterícia se torna visível a partir dos 5mg/dl.
Todo RN ictérico ao nível ou abaixo da linha do umbigo deve ter uma dosagem de bilirrubina sérica ou transcutânea!
E A ICTERÍCIA FISIOLÓGICA? DO QUE SE TRATA?
A HI que é “fisiológica” ocorre em termos por início tardio (após 24 horas) com pico entre o 3º e 4º dias de vida e bilirrubinemia total (BT) máxima de 12 mg/dL. É um quadro autolimitado, benigno e comum.
OK... E SE FOR PATOLÓGICA?
Fatores de risco para HI: Mãe de Tipagem O, e/ou Rh Negativo; Irmão prévio que necessitou de tratamento para Icterícia neonatal; Mãe diabética, Peso de nascimento entre 2.000 e 2.500 g e/ou idade gestacional entre 35 e 38 semanas; Sexo masculino; Baixo aporte de leite materno na primeira semana de vida + perda de peso exagerada do RN; Alta precoce da maternidade (antes de 48h de vida).
CAUSAS:
Doenças Hemolíticas:
- Incompatibilidade Rh
- Incompatibilidade ABO
- Incompatibilidade por antígenos irregulares
- Deficiência de G6PD
- Esferocitose
- Hemoglobinopatias.
Causas adquiridas:
- Infecções (ex: Sepse)
- Coleções sanguíneas extravasculares (ex: céfalo-hematoma)
- Policitemia
- NPO prolongado, baixo aporte de leite
- Anomalias gastrointestinais com obstrução de trânsito.
Deficiência ou inibição da conjugação da bilirrubina
- Icterícia por leite materno
- Hipotireoidismo congênito*
- Sd de Gilbert
*Muitas vezes a icterícia prolongada é o único sinal do hipotireoidismo congênito.
NOMOGRAMA DE BUTHANI
Serve para estratificar quem é baixo, quem é médio e quem é alto risco e determinar indicação de fototerapia!
COMPLICAÇÕES DA HI
A mais grave é a encefalopatia bilirrubínica. Fase aguda da doença: acomete nos primeiros dias e dura por semanas, com sintomas: letargia, hipotonia e sucção débil. Se não for tratada, a hipertonia com hipertermia e choro agudo aparecem. A progressão da doença resulta em apneia, coma, convulsões e morte. As crianças que sobrevivem ficam com sequelas gravíssimas e permanentes.
TRATAMENTO DA HI
As formas de terapia mais utilizadas no tratamento da hiperbilirrubinemia indireta compreendem a fototerapia (padrão-ouro) e a exsanguineotransfusão, e, mais raramente, a imunoglobulina standard endovenosa. Os níveis de bilirrubinas para indicar fototerapia e EST dependem da idade gestacional e tempo de vida.
AGORA QUE FALAMOS O PRINCIPAL DA HI, VAMOS PARA A HD....
HIPERBILIRRUBINEMIA DIRETA (HD)
A elevação dos níveis da BD é consequência de distúrbios hepáticos ou doenças sistêmicas potencialmente graves.
Icterícia Colestática: aumento prolongado de bilirrubina conjugada. A pele do RN fica em tom esverdeado ou amarelo-acastanhado opaco. Quais as possíveis causas desse tipo de icterícia? Obstrução, sepse, doença do trato biliar, toxinas, inflamação e doenças metabólicas ou genéticas.
A colestase é causada por umauma obstrução extra ou intra-hepática ao fluxo biliar. Não é neurotóxica, porém seu acúmulo SEMPRE é patológico por conta da possibilidade de ocorrer uma atresia biliar (condição muito grave).
Outros sintomas podem estar presentes: urina de cor escura (urina “coca cola”), fezes acólicas (descorada) e hepatomegalia. As causas mais comuns para colestase são a atresia biliar e a hepatite neonatal.
COMO INVESTIGAR UMA HD?
- Hemograma completo, contagem de plaquetas
- Bilirrubina total e direta, ALT, AST, fosfatase alcalina, glicose
- Tempo de protrombina, albumina
- alfa-1 antitripsina
- Substâncias redutoras da urina
- Ecografia abdominal
SITUAÇÕES ESPECIAIS: ICTERÍCIA DO LEITE MATERNO X ICTERÍCIA DO ALEITAMENTO MATERNO
Icterícia do Leite Materno: persistência da icterícia fisiológica além da primeira semana de vida. Usualmente acontece após os primeiros 3 a 5 dias de vida, com pico em 2 semanas depois do nascimento, diminuindo os níveis ao longo de 3 a 12 semanas. Geralmente esses bebês tem bom estado geral, bom ganho de peso e função hepática normal.
Icterícia do aleitamento: baixo aporte de leite, ocorrendo nos primeiros 7 dias de vida, tendo como consequência a perda excessiva de líquidos e peso.
VAMOS RESUMIR NOSSA ABORDAGEM CLÍNICA?
- Primeiro: Quantos dias de vida tem esse RN? Pra poder classificar em: icterícia fisiológica ou icterícia patológica.
- Preciso saber se é Termo ou Pré-termo. Pra dizer qual é o pico da icterícia, qual o risco pra jogar no nomograma de buthani.
- Geralmente se Icterícia nas zonas 2 ou 3 de Kramer tem indicativo de coletar bilirrubina, hemograma e reticulócitos. Pra ter certeza do nível de bilirrubina.
- BI x BD: ver qual é a hiperbilirrubinemia, pois vai pensar em hemólise. Na conjugação com BD: pensar mais em atresia de vias biliares, na colestase neonatal.
- Avaliar se paciente tem Fatores de Risco. (Tipagem sanguínea, fator rh, história de asfixia perinatal, prematuridade, história de infecções).
- Gráfico de Buthani: para saber indicação de fototerapia.
REFERÊNCIAS
Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria, 4ª edição, Barueri, SP: Manole,2017.
ALMEIDA, M. F. B; DRAQUE, C. M. Icterícia no recém-nascido com idade gestacional >35 semanas. Sociedade Brasileira de Pediatria Departamento de Neonatologia. Documento científico, 2012. Disponível em: Acesso em: 26/11/2020.