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Impacto da antibioticoprofilaxia em crianças com Doença Falciforme

Impacto da antibioticoprofilaxia em crianças com Doença Falciforme
Lucas Augusto Niess Soares Fonseca
jun. 11 - 5 min de leitura
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O termo Doença Falciforme (DF) refere-se a um conjunto de alterações genéticas e hereditárias, representado pela presença de uma mutação do cromossomo 11 - responsável pela síntese de hemoglobina, determinando a presença da hemoglobina S (HbS). A forma mais grave da doença ocorre quando o indivíduo herda o gene HbS (autossômico recessivo) de ambos os genitores, que recebe o nome de Anemia Falciforme.

A presença da hemoglobina S altera a conformação das hemácias, que perdem sua morfologia e reologia usual, devido à polimerização proteica, assumindo assim, forma de foice pouco maleável. Os eritrócitos disformes têm menor meia-vida, resultando em anemia hemolítica crônica e lesão endotelial. Este mecanismo fisiopatológico acarreta graves manifestações clínicas, com maior frequência após os 3 meses de vida.

Em relação à morbimortalidade na DF, uma série de complicações determinam sua elevada prevalência. As chamadas "crises falcêmicas" são as responsáveis pela exacerbação dos quadros, especialmente nos primeiros anos de vida. Infecções recorrentes, especialmente por germes encapsulados, anemia hemolítica, microinfartos decorrentes de vaso-oclusão microvascular difusa, sequestro esplênico e crise aplástica são exemplos de agravos mais suscetíveis nesse grupo de enfermos.

Nesse sentido, no Brasil, desde 1986, todas as crianças nascidas com DF recebem a penicilina oral até os 5 anos de idade para evitar sepse fulminante por Streptococcus spp., um grupo de agentes etiológicos de pneumonias, meningites e faringoamigdalites. Isso porque estudo realizado por Gaston et al., nesse mesmo ano, usando a penicilina profilática via oral, administrada duas vezes ao dia, em crianças HbSS de 3 a 6 meses de idade, observou que a incidência de bacteremia por pneumococo diminuiu em 84%, com nenhum óbito por sepse fulminante.

Corroboram Rankine-Mullings & Shirley Owusu-Ofori (2021), em revisão recente, pois concluíram que esse esquema de antibioticoprofilaxia continua eficaz e recomendado até os 5 anos de idade. O número de infecções por S. pneumoniae nessa faixa etária reduziu 63% (OR 0,37), e o de mortes, 89% (OR 0,11), após administração de penicilina em comparação com o placebo. Também os protocolos do Ministério da Saúde (2015) mantêm a orientação sobre antibioticoprofilaxia até os dias atuais.

A penicilina via oral revelou-se preferível em crianças, pela maior facilidade de administração e de continuação do tratamento, já que a via intramuscular requer visitas constantes a um centro de saúde, o que não é a realidade de muitas regiões periféricas do Brasil.

Não obstante, a maneira mais eficiente e efetiva para reduzir a morbimortalidade da DF é a triagem neonatal, uma vez que o diagnóstico precoce permite a inserção do paciente em programas de saúde multidisciplinares, com a utilização de cuidados preventivos e orientação aos pais, proporcionando melhora na qualidade e sobrevida desses pacientes. No Brasil, a portaria 822/01 do Ministério da Saúde incluiu as hemoglobinopatias no Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), permitindo assim o diagnóstico já ao nascimento.

No estado de Minas Gerais, as hemoglobinopatias já são triadas no neonato desde 1998, sendo que, desde a primeira consulta, a penicilina deve ser incluída na prescrição do médico-assistente.

Por fim, é importante frisar que não só a penicilina-V compõe a profilaxia contra infecções nas crianças com DF. Além de receber todas as vacinas recomendadas no calendário de vacinação, esses indivíduos requerem outras adicionais, como a vacina contra o pneumococo, a meningite e o vírus Influenza. As vacinas anti-Haemophilus e anti-Hepatite B fazem parte do esquema vacinal habitual no primeiro ano de vida, devendo ser verificado através de consulta à carteira de vacinação se a criança recebeu o esquema completo.

 

*Texto redigido sob orientação da médica hematologista Dra. Daniela Werneck Rodrigues


REFERÊNCIAS

Braga JAP. Medidas gerais no tratamento das doenças falciformes. Rev bras hematol hemoter. 2007; 29(3): 233-8.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Hospitalar e de Urgência. Doença falciforme: diretrizes básicas da linha de cuidado / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada e Temática. – Brasília: Ministério da Saúde. 2015.

Gaston MH, Verter JI, Woods G, Pegelow C, Kelleher J, Presbury G et al. Prophylaxis with oral penicillin in children with sickle cell anemia: a randomized trial. N Engl J Med. 1986; 314: 1593-9.

Rankine-Mullings AE, Owusu-Ofori S. Prophylactic antibiotics for preventing pneumococcal infection in children with sickle cell disease. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2021; 3(1): CD003427.


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