Publicado em 07 de maio de 2025 em Nature, o estudo “Global emergence of unprecedented lifetime exposure to climate extremes” apresenta uma análise sobre como diferentes gerações, especialmente as mais jovens, serão impactadas ao longo da vida por eventos climáticos extremos — como ondas de calor, enchentes, secas, ciclones tropicais, incêndios florestais e perdas de safras. Com base em modelagens climáticas robustas, cenários de aquecimento global e dados populacionais globais, os pesquisadores traçaram um panorama alarmante e detalhado sobre o que está por vir caso as políticas atuais não sejam radicalmente transformadas.
O estudo introduz o conceito de Unprecedented Lifetime Exposure (ULE), ou exposição sem precedentes ao longo da vida, definido como o número de eventos climáticos extremos que excede o percentil 99,99% da exposição esperada em um cenário climático pré-industrial. Em outras palavras, são eventos tão extremos e frequentes que, no passado, seriam esperados em menos de 1 caso a cada 10 mil vidas.
👶 Gerações mais jovens serão as mais impactadas
O estudo revela que, mesmo em cenários de aquecimento mais controlados, como o limite de +1,5°C proposto no Acordo de Paris, uma proporção significativa da geração nascida em 2020 já estará condenada a enfrentar as exposições sem prescendentes de ondas de calor. No cenário mais provável atual, de +2,7°C até 2100, essa realidade se agrava:
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Ondas de calor: até 92% das crianças nascidas em 2020 enfrentarão um mundo que aquece 3,5°C. Isso equivale a cerca de 111 milhões de crianças globalmente.
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Falhas de safras: 29% da coorte de 2020 viverá com risco extremo e inédito.
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Inundações: 14% enfrentarão exposições sem prescendentes de enchentes.
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Ciclones tropicais: 19% viverão expostos a eventos extremos e inéditos nas regiões suscetíveis.
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Secas e incêndios florestais: também mostram aumentos significativos, embora com variabilidade geográfica.
🌍 Impacto global e desigualdade social
O estudo revela uma geografia da vulnerabilidade: em países da linha do equador, como muitos da América Latina, África e Sudeste Asiático, a exposição a ondas de calor já ultrapassa os limites considerados "normais" para qualquer época histórica.
No cenário de +3,5°C, 113 países terão 100% da população nascida em 2020 enfrentando ondas de calor. No total, 167 países terão ao menos metade da população dessa geração impactada.
Mas a desigualdade é ainda mais cruel:
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Entre os 20% mais vulneráveis socioeconomicamente, 95% enfrentarão contra 78% entre os menos vulneráveis.
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Populações de baixa renda e alta privação são desproporcionalmente afetadas — justamente aquelas com menos acesso a meios de adaptação como ar-condicionado, infraestrutura de saúde e segurança alimentar.
🌱 Políticas mais ambiciosas podem evitar o pior
As descobertas reforçam a importância da mitigação urgente das emissões de gases de efeito estufa. Caso os compromissos globais consigam manter o aquecimento em 1,5°C até 2100, seria possível evitar:
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613 milhões de casos de ondas de calor, entre crianças nascidas entre 2003 e 2020.
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98 milhões de casos de falhas de safras.
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64 milhões de casos por inundações.
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76 milhões por ciclones.
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26 milhões por secas.
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17 milhões por incêndios.
Embora robusto, o estudo reconhece que seus números são conservadores. Isso porque:
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Não contabiliza os impactos indiretos e não-locais dos eventos climáticos, como migrações, choques econômicos ou impactos em saúde pública causados, por exemplo, pela fumaça de queimadas em países vizinhos.
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Tampouco considera adaptações individuais ou comunitárias que poderiam mitigar parte da exposição, como o uso de tecnologias ou políticas públicas eficazes.
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Além disso, há limitações na modelagem de extremos hidrológicos (enchentes, secas), por dependerem de projeções com mais variabilidade e incerteza.
O trabalho publicado na Nature oferece uma visão clara e científica da ameaça climática que paira sobre as futuras gerações, especialmente aquelas já nascidas. Se não houver um corte sustentado nas emissões de gases de efeito estufa, o futuro será marcado por vidas moldadas por extremos: ondas de calor recorrentes, colapsos agrícolas, catástrofes naturais e desigualdades sociais ainda mais agravadas.
Na saúde, isso se traduz em uma nova epidemiologia: mais doenças cardiovasculares e respiratórias, mais estresse térmico, insegurança alimentar e desastres humanitários.
Referência:
Grant, L., Vanderkelen, I., Gudmundsson, L. et al. Global emergence of unprecedented lifetime exposure to climate extremes. Nature 641, 374–379 (2025). https://doi.org/10.1038/s41586-025-08907-1