As doenças mentais severas - como depressão maior, transtorno bipolar e esquizofrenia - afetam profundamente não apenas o indivíduo que as sofre, mas também suas famílias. Particularmente, as crianças que têm pais com esses transtornos estão mais propensas a enfrentar dificuldades psicológicas e sociais, problemas escolares e a possibilidade de desenvolver essas mesmas doenças.
Fica claro que fatores genéticos desempenham um papel nisso, mas a explicação não se resume somente a eles. Na verdade, existe uma interação multifacetada entre a predisposição genética e uma variedade de influências psicossociais, tais como a relação entre pais e filhos, vivências traumáticas durante a infância, disfunções familiares e condições socioeconômicas desfavoráveis.
Os resultados para crianças que estão sob risco familiar parecem variar dependendo de quando e por quanto tempo elas foram expostas a fatores psicossociais e familiares adversos. Entretanto, vale ressaltar que existem influências que podem atenuar esses riscos, como o estado de remissão do pai ou da mãe afetado(a), a existência de outras relações saudáveis com adultos e colegas, e o suporte de uma família extensa, comunidade e ambiente escolar.
A boa notícia é que muitos desses fatores de risco para as crianças podem ser modificados ou mesmo prevenidos. Contudo, os serviços de saúde frequentemente concentram seus esforços no tratamento em vez da prevenção, e tendem a focar no paciente individualmente, em vez de considerar uma abordagem voltada para a família.
Em uma recente revisão liderada pela Professora Anne Duffy do Departamento de Psiquiatria da Queen’s University, Kingston, Ontario, Canada e da University of Oxford, Oxford, UK, publicada na Nature Mental Health, em 20 de julho de 2023, foi enfatizado o quão crucial é a promoção da saúde mental e a intervenção precoce para as crianças de pais com doença mental severa.
O estudo destaca que quanto mais precoce a criança é exposta a um estressor, maior pode ser a consequência para a sua saúde mental. As vivências durante a primeira infância são fundamentais para o desenvolvimento mental, incluindo a formação de recursos de enfrentamento social e emocional saudáveis.
Para romper o ciclo intergeracional de doenças mentais severas, os pesquisadores apontam a necessidade de estudos mais aprofundados sobre os aspectos biológicos, psicológicos e sociais desses transtornos. Isso poderia permitir a criação de modelos de avaliação e ferramentas de risco para orientar estratégias de prevenção e intervenção precoce.
O primeiro passo para prevenir a saúde mental debilitada nas crianças é assegurar que os pais que sofrem de doença mental severa tenham acesso a tratamento e apoio, incluindo durante a gravidez. Estratégias complementares poderiam abranger programas para incentivar interações saudáveis entre pais e filhos, bem como a educação e o treinamento para pais com transtornos mentais, adolescentes e profissionais de saúde.
Os pesquisadores sublinham a necessidade de uma abordagem proativa e fundamentada em evidências para apoiar essas crianças, com o objetivo principal de interromper o ciclo de doenças mentais severas e promover o bem-estar dessas famílias.
Em conclusão, o estudo conduzido pela Professora Anne Duffy e seus colaboradores revela facetas significativas sobre a natureza intergeracional das doenças mentais severas e o impacto dessas condições sobre crianças em risco familiar. A relevância dessa pesquisa para nós profissionais de saúde reside na valorização da prevenção e intervenção precoce, com foco no contexto familiar, abordando tanto as necessidades dos pais quanto das crianças. Destaca-se a importância de estratégias de tratamento que considerem a dinâmica familiar, além da necessidade de mais pesquisas que aprofundem nossa compreensão sobre os aspectos biológicos, psicológicos e sociais das doenças mentais severas.
Ao traçar um caminho para a prevenção, este estudo reafirma o papel vital dos profissionais de saúde na interrupção do ciclo intergeracional dessas doenças, em prol do bem-estar a longo prazo das famílias afetadas. Além disso, sublinha a importância de se repensar as abordagens, a fim de promover um futuro mais saudável e seguro para as próximas gerações.
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Referências:
- Medical Xpress. (2023, July 20). Breaking the cycle of severe mental illness with family-focused prevention and early intervention. https://medicalxpress.com/news/2023-07-mental-illness-early-intervention.html
- Duffy, A., Goodday, S.M., Christiansen, H. et al. The well-being of children at familial risk of severe mental illness: an overlooked yet crucial prevention and early intervention opportunity. Nat. Mental Health (2023). https://doi.org/10.1038/s44220-023-00090-4