“Oi, J. Tá tudo bem?” Perguntou o acadêmico ao receber a paciente.
“Oi, J. Tá tudo bem?” Perguntou o preceptor da Emergência.
“Oi, J. Tá tudo bem?” Perguntou o médico radiologista que faria o ultrassom.
“Oi, J. Tá tudo bem?” Perguntou o residente da clínica médica que veio reavaliar a J após a aplicação do medicamento.
“Oi, J. Tá tudo bem?” Perguntou a residente do primeiro ano de Cirurgia geral, que veio após um chamado avaliar a paciente.
“Oi, J. Tá tudo bem?” Perguntou o residente do 2o ano da cirurgia geral, que chegou uns 15 minutos após a residente do primeiro ano (Ah, não! Agora deixa que eu respondo por ela às suas perguntas. A J não tá aguentando mais). Contamos no mínimo 6 “tá tudo bem?” acompanhando de perto a paciente J por menos de 2h.
E essa era a J: paciente com 28 anos, que chegou no HC pela unidade de emergência referindo dor em abdome superior, irradiando para o dorso à direita, em pontadas, de forte intensidade, iniciada a mais de 12h, com piora progressiva desde então. História prévia: diagnosticada com lúpus em 2018 (essa doença que pode afetar as articulações, pele, rins, células do sangue, cérebro, coração, pulmões…).
Iniciamos então a investigação. O exame físico trouxe algumas suspeitas para todos que a examinaram: pedras no rim, pedras na vesícula, inflamação no pâncreas?
Vamos aos exames.
Mas antes disso: morfina! Ela tem muita dor, os analgésicos simples não resolveram. Mais morfina… a dor não melhora. Saíram alguns resultados de exames, vamos ver!
Laboratoriais: tudo normal. Rx: normal. Ultrassonografia do abdome: normal. Urina: “ainda não consegui fazer. Doi muito, Dr.!” - respondeu a J, encolhida numa cadeira da emergência (como estava desde o momento em que chegou), receosa pelas incertezas do seu diagnóstico, pela dor que não melhorava, pelas dores geradas em cada uma das vezes em que ela precisou ser examinada e pelas dores que ela ainda não tivera. “Só um pouquinho, Dr., já respondo! Até pra falar tá doendo” - neste momento já perdendo a conta do número de entrevistas médicas. E agora: piorou! Ainda há uma dificuldade a mais pra respirar por conta da dor. Vamos ter que investigar isto também. Tá tudo bem? É, não tá tudo bem, definitivamente.
“Estamos em um Hospital escola, a paciente precisa entender”. Já ouvi isso algumas vezes no decorrer dos anos de faculdade, mas nunca parei pra refletir seriamente sobre isso. Não vou levantar aqui os meus julgamentos, mas o que eu quero é ter um cuidado despertado para minimizar sofrimentos, afinal essa vai ser uma das minhas missões de vida. Como? Ainda não sei ao certo, mas buscarei seguir aprendendo.
Meu plantão encerra-se. Deixo a J lá, do mesmo jeito, ainda em investigação. Me despeço desejando melhoras.
Retorno no dia seguinte ansioso por saber o que tinha acontecido. “Era um TEP (tromboembolismo pulmonar) na parte inferior do pulmão”, disse o médico que estava responsável por ela. “Não descobrimos o que era e acabamos solicitando uma tomografia onde apareceu esse problema”. A dor que parecia estar no abdome, e que depois começou a piorar com a respiração, começou a fazer sentido... E cadê a J? “Já foi encaminhada à enfermaria”. Que bom que deu tudo certo!
No estágio seguinte, 2 dias depois, chego na enfermaria e quem eu encontro: a J.
J, ainda no hospital, com dor, encolhida na cadeira. Quando ela me vê, estica os braços como se estivesse pedindo ajuda: “Dr, ainda tô aqui com a mesma dor. Não melhorou quase nada. Não dormi nada essa noite”.
J não era mais a minha paciente, mas fui ver o que tinha acontecido.
Uma área importante do pulmão ficou doente, um infarto pulmonar, e vai demorar um tempo pra sarar (alguns exames mais detalhados foram feitos). Será uma longa recuperação usando remédios para dor necessitando de muitos cuidados - estas foram as novas orientações médicas passadas à paciente.
Vi novamente a J no dia seguinte e ela já estava bem melhor, com os medicamentos adequados, prestes a receber alta. Ainda não estava tudo bem, mas caminhando pra ficar.