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Jogam-se órgãos fora como se fossem luvas usadas

Jogam-se órgãos fora como se fossem luvas usadas
Caroline Cunico
ago. 14 - 5 min de leitura
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“Jogam-se órgãos fora como se fossem luvas usadas”

*por Caroline Cunico

Quando se tratando de potenciais doadores de órgãos para transplantes a impressão é essa mesmo!

 Hoje a recusa familiar representa uma parcela significativa para a não doação de órgãos e tecidos. Mas, há um número pouco explorado e que representa uma taxa ainda maior no desperdício de órgãos elegíveis para transplante: a falta de cuidados de potenciais doadores e falta de notificação por parte das equipes médicas. Se observarmos com cuidado as UTIs ou serviços de trauma pelo qual passamos em nossos ciclos de estágios ou plantões podemos constatar com certa facilidade a quantidade assustadora de pacientes que serão enterrados sem sequer ter sido considerada a hipótese de ser um potencial doador de órgãos, independentemente da vontade expressa em vida. Ou seja, bonito (e necessário!) falar com a família e estampar no facebook a intenção altruísta de se tornar um doador após a morte, mas, na prática, muitos órgãos estão perecendo por falha do sistema e por falta de notificação da equipe médica. Em última instância estamos deixando de salvar vidas!

É possível elencar diversos motivos para o descaso no tratamento de órgãos para transplante e indubitavelmente a gênese desse processo começa na graduação médica. Pouquíssimas são as escolas de Medicina que oferecem a disciplina de transplante em caráter obrigatório ou mesmo optativo. Uma verdadeira contradição, pois 92% dos alunos de Medicina consideram que o tema transplante deve fazer parte da graduação¹. A maioria dos estudantes terão contato com o assunto apenas em aulas correlatas, como Neurologia, Cirurgia Cardíaca ou do Aparelho de Digestivo.

O conhecimento acaba melhorando no decorrer do curso, mas dentre os estudantes do 1° ao 6° ano 70% admitem conhecimento regular, ruim ou péssimo sobre o assunto¹. O grande problema é que se não sanadas a tempo o desconhecimento sobre o tema é arrastado para a vida como médico. Em pesquisa com intensivistas de Curitiba quase 60% não sabiam explicar um protocolo de morte encefálica e número semelhante desconhece critérios legais e médicos de elegibilidade para possíveis doadores. Ainda pior, cerca de 84% desconhecem a lei sobre transplantes de órgãos e tecidos².

Além disso, no último Congresso Brasileiro de Cirurgia realizado em Curitiba em agosto deste ano, o Dr. Júlio Coelho da equipe de transplante hepático do Hospital de Clínicas do Paraná ressaltou como importantes fatores de abandono da área a logística inadequada e a falta de incentivo para os residentes e médicos transplantadores. Primeiramente a estrutura e organização de diversos hospitais não são suficientes para oferecer suporte a esse procedimento de alta complexidade e que exige tamanha integração entre equipes. Por exemplo, para ocorrer a doação após a morte encefálica muitos exames específicos são requeridos para tornar apto um doador, os quais nem sempre são disponibilizados por todos os serviços. Também se perde muitos potencias doadores porque a abordagem de seus familiares deve ser multidisciplinar e como nem todos os profissionais envolvidos trabalham em regime de plantão muitos serviços intra-hospitalares de captação de órgão só funcionam em horário comercial. Em segundo lugar vem a não existência de uma carreira de “transplantador”. Ou seja, médicos que optam em seguir uma carreira nesse serviço não o farão exclusivamente, mas conciliarão em paralelo a outras modalidades de cirurgia, o que gera desgaste (uma vez que cirurgia de transplante não tem hora para ocorrer) e subvalorização do profissional.

O transplante de órgãos é um procedimento único realizado em pacientes em situação crítica, mas clinicamente estável. Esse representa a esperança última para muitos pacientes refratários a tratamentos otimizados, mas muitos perecem nas intermináveis filas a espera de um doador. Vale a pena investir nessa ideia, pois transplantar órgãos recupera vidas!

1. Galvão FhF, Caires RA, Azevedo-Neto RS, Mory EK, Figueira ERR, Otsuzi TS, Bacchella T, Machado MCC. Conhecimento e opinião de estudantes de Medicina sobre doação e transplante de órgãos. Rev Assoc Med Bras 2007; 53(5): 401-6

2. Coelho JC, Fontan RS, Pereira JC, Wiederkehr JC, Campos AC, Zeni Neto C. Organ donation: opinion and knowledge of intensive care unit physicians in the city of Curitiba. Rev Assoc Med Bras. 1994;40:36-8.

Caroline Cunico - É Acadêmica de Medicina da UFPR. O interesse por transplante começou com o desenvolvimento de um trabalho experimental em transplante de face. Desde então a curiosidade cresceu e levou a lugares como a central de transplante e os serviços do Hospital Albert Einstein e Instituto do Coração. Observar o paciente bem e vivendo uma vida digna no pós transplante é uma gratificação inestimável!

 


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