Finalmente naquele dia tão esperado após passarmos um ou dois anos no cursinho pré-vestibular, mais seis anos de estudos teóricos/práticos em salas de aulas e finalmente internato, marcamos a data da formatura.
Família em festa, colegas eufóricos, instituição de ensino organizando o evento, e nós vestidos na “beca” prontos para... nossa primeira grade desilusão: repetir com os professores e paraninfo um juramento absurdo para os dias atuais.
Todos em pé e com a mão direita erguida como em uma saudação nazista entoamos o Juramento de Hipócrates (CÓS, 460 a.c.Tessalia,377 A.c.):
"–Eu juro, por Apolo médico, por Esculápio, Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue..."
Quem de nós conhecia a Apolo, Esculápio, Panacea e Hígia? Que deuses eram estes? Quem de nós sabia que a palavra testemunho vem de testículos? Sabíamos que se referia à tradição de um médico grego? E quando um homem grego dizia que estava falando a verdade, como gesto, colocava os seus testículos sobre a mesa, e todos consideravam o fato como verdade. Daí então temos o mesmo linguajar: testemunho, testamento, atestado e mais ainda: aulas são“seminários”, ou seja, o sêmen da sabedoria masculina oferecida aos outros – ninguém nos explica isto na faculdade. Mas juramos e pronto. Alunos e alunas...
E seguimos a jurar:
"–Estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes..."
Vamos ser sinceros. Quem de nós, no mundo atual, cumpre na integra este juramento?
Talvez uma alternativa melhor seria melhor seguir a oração de outro médico, chamado Maimônides, nascido em Córdoba (1138 – 1204). Essa oração já adotada como juramento em algumas escolas médicas norte-americanas, no lugar do de Hipócrates (460 a.C. 377 a.C.) e nos leva a pensar com as seguintes palavras:
ORAÇÃO DO MÉDICO
Com infinita bondade formaste o corpo do homem, ó Deus.
Nele uniste forças imensuráveis, constantemente ativas,
Como tantos instrumentos para preservar a integridade
Desta forma a ordem e harmonia imagináveis.
Mas, se fraqueza e paixão embaraçam esta harmonia,
As forças mencionadas vêm atuando
Uma contra a outra
E o corpo bem pode voltar ao pós d’onde veio.
Mandas ao homem o Teu mensageiro, a doença,
Que enuncia a proximidade do perigo
E altera para um preparo adequado para superá-lo.
A eterna providência designou-me
Para zelar pela vida e pela saúde das Tuas criaturas.
Que o amor da minha arte me inspire
Durante toda a minha vida!
Que nem a cobiça,
Nem a sede de fama
E nem o desejo de reputação
Dominem minhas intenções!
Pois inimigos da verdade e do autêntico amor aos homens
Poderiam enganar-me com facilidade
E fazer-me os meus propósitos elevados,
De fazer bem aos Teus filhos.
Equipa-me com a força do espírito e do coração
Para que ambos estejam sempre prontos para servir
Aos ricos e aos pobres,
Aos bons e aos maus,
A amigos e inimigos,
E a fim de que eu jamais possa encarar um paciente
A não ser como criatura irmã que está sofrendo.
Se médicos mais instruídos quiserem guiar e aconselhar-me,
Dê-me confiança, obediência e consideração,
Pois infinita é a aprendizagem nesta ciência.
Não é dado a uma única pessoa enxergar tudo
Que outros possam ver.
Que eu seja modesto em tudo,
Menos no que se refere à minha ciência,
Insaciável no desejo de conhecimentos.
Concede-me a força e a oportunidade
De sempre retificar os meus conceitos,
Estender os limites dos meus conhecimentos,
Pois o campo é ilimitado
E o espírito humano também pode estender ao infinito
O âmbito das suas conquistas,
Enriquecendo-as diariamente.
Que hoje possa descobrir os meus enganos de ontem,
E que me seja concedido obter amanhã novas luzes
A respeito do que se considera hoje bem estabelecido.
Ó Deus, que me designaste para zelar pela saúde das Tuas criaturas,
Aqui estou, pronto para a minha vocação.
Essas palavras me parecem um poucos mais úteis nos dias de hoje para os nossos futuros médicos e mesmo para nós, médicos experientes, já à beira do abismo das mudanças como a telemedicina.
Eliezer Berenstein é médico especialista em ginecologia e obstetrícia, com pós-graduação em Sexualidade Humana, Homeopatia e Medicina Integrativa.