A pandemia infelizmente segue até o presente momento, e a mobilização em função de ajustar as práticas médicas, foi grande!
Na Nefrologia, não foi diferente. Pacientes com COVID-19 podem cursar com Lesão Renal Aguda (LRA), como parte da doença. Em uma metanálise de 13 mil pacientes hospitalizados, evolução com LRA foi de 17%.
Mas afinal, o que é LRA?
É uma diminuição aguda da função renal, que culmina em:
-Retenção de ureia e de outros resíduos nitrogenados
-Desregulação do volume extracelular e eletrólitos
Antigamente, era chamada de Insuficiencia Renal Aguda, mas o termo “Insuficiente” caracteriza uma falência do órgão, e na LRA, há uma diminuição funcional.
Critérios Diagnósticos
-Aumento da Creatinina sérica ≥0,3 mg / dL (≥26,5 micromoles / L) em 48 horas
OU
-Aumento da creatinina sérica para ≥1,5 vezes o valor basal, que se sabe ou presume-se que tenha ocorrido nos sete dias anteriores
OU
-Volume de urina <0,5 mL / kg / hora por seis horas
Como podemos perceber, dentre vários exames e achados clínicos, os mais importantes no momento da identificação da LRA são: DÉBITO URINÁRIO(DU) e CREATININA.
Sendo que o DU é o primeiro a se alterar. A creatinina leva cerca de 24-48h para elevar-se.
O Sistema de Estadiamento da Doença Renal: Melhorando os resultados globais (KDIGO), define LRA em 3 estágios:
Estágio I: aumento da creatinina sérica de 1,5 a 1,9 vezes em relação a creatinina basal OU aumento de 0,3 mg/dL OU redução do DU <0,5ml/kg por 6-12h
Estágio II: aumento de 0,2 a 2,9 vezes em relação a creatinina sérica basal OU DU < 0,5mL/Kg/h por mais de 12h
Estágio III: aumento de >3,0 vezes em relação a creatinina basal OU creatinina sérica >4mg/dL OU instalação de terapia renal substitutiva (TRS), OU DU <0,3ml/Kg/h por mais de 24h OU anúria por mais de 12h.
No paciente com COVID-19 o acometimento renal pode se manifestar como: LRA, hematúria ou proteinúria. E, infelizmente, pressagia uma maior mortalidade.
O mecanismo envolvido ainda não está claro. Pode ser que que a LRA ocorra por alterações hemodinâmicas, liberações de citocinas ou a lesão direta da citotoxicidade do vírus.
A incidência da LRA nesses pacientes, mais especificamente nos que estão hospitalizados, varia dependendo da gravidade da doença.
Dois grandes estudos observacionais com n maior de 5000 pacientes hospitalizados com coronavírus, evidenciou LRA em 32-37% destes.
Entre os pacientes com LRA, cerca de 50% apresentou doença leve (aumento de 1,5-2x na creatinina sérica) e a outra metade teve doença moderada ou grave.
Em 12-15% desses pacientes, foi necessária a TRS.
A LRA foi associada à necessidade de ventilação mecânica e a um tempo maior de internação.
E metade dos pacientes com LRA, não recuperaram a função renal em sua totalidade, na alta hospitalar.
Os preditores independentes do estudo foram:
-Idade avançada
-Negro americano
-Homem
-Obesidade
-Diabetes
-Hipertensão
-Doença cardiovascular
Taxa de filtração glomerular estimada de base baixa
-Nível de interleucina L elevado
-Necessidade de Ventilação Mecânica
-Uso de medicamentos vasopressores
Em outro estudo com 3000 adultos com COVID-19 em grave estado, 21% evoluíram com LRA grave, na qual foi necessária TRS em duas semanas de admissão na UTI.
Metade desses pacientes morreram, e os fatores de risco para o óbito foram: idade avançada, oligúria, admissão em hospital com recursos relativamente limitados na UTI.
34% dos pacientes que sobreviveram a alta, estavam dependentes de TRS no momento da alta hospitalar. E Metade destes pacientes dependeram da TRS por mais dois meses.
Como avaliar LRA em pacientes hospitalizados?
Nos pacientes suspeitos ou confirmados, que desenvolverem LRA, é preciso otimizar o status do volume para excluir e tratar LRA pré-renal, a fim de evitar a hipervolemia.
Outras etiologias devem ser investigadas com exame manual de sedimento urinário, uma vez que as amostras de urinas não são altamente infecciosas.
Outros exames como ultrassonografia de rim e bexiga, geram muita exposição, e devem ser evitadas.
Como tratar LRA em pacientes hospitalizados?
O tratamento se divide em:
--> Pacientes com necessidade de diálise:
As indicações de diálise nos pacientes com coronavírus são as mesmas, independente do status da doença.
A indicação pode ser:
-Urgência: hiperpotassemia, hipervolemia, sinais e sintomas urêmicos e pericardite
-Eletivas: impossibilidade de conduzir clinicamente alterações de volume e metabólicas, achados urêmicos indicativos de falência renal e deterioração do estado nutricional.
Porém, algumas medidas devem ser tomadas, como:
-Os pacientes devem ficar alocados separadamente ou na UTI
-Se o paciente não estiver grave, a diálise pode ser feita em sua própria sala de isolamento, não necessitando ir para a unidade de diálise de internação.
-A TRS contínua é o ideal para pacientes graves de LRA. O procedimento também deve ser feito em uma sala de isolamento.
-Quando houver escassez de fluido de reposição para a TRS contínua, a dose de administração pode ser diminuída para 15ml/kg/h.
*Se o estoque de fluidos de reposição preparado comercialmente tiver acabado, pode ser feita uma mistura de forma estéril de: 1L de solução salina 0,9% com cloreto de potássio; 1L de água com dextrose a 5% com bicarbonato de sódio 150 mEq; 1L de solução salina 0,9% com 1g de cloreto de magnésio e 1L de solução salina 0,9% com 1g de cloreto de cálcio.
-Nos pacientes durante a TRS que possuem COVID-19, possuem maior chance de trombose do circuito. Quando não houver contraindicações, os pacientes devem receber anticoagulação durante a diálise.
-Para a eliminação dos efluentes da TRS contínua, não são necessários métodos especiais, haja vista que não foi identificada a presença do vírus.
-Quando não houver equipamentos para hemodiálise ou TRS contínua, o tratamento da LRA pode ser feito com diálise peritoneal.
Pacientes sem necessidade de diálise:
O contato deve ser limitado. O exame físico e exames de ultrassom devem receber medidas de proteção.
Diante disso, a Sociedade Brasileira de Nefrologia também realizou Recomendações de Boas Práticas da Sociedade Brasileira de Nefrologia às Unidades de Diálise em relação a Epidemia do novo Coronavírus (COVID-19)
Devido a elevada frequência de LRA nos pacientes com COVID-19, muitas medidas de proteção devem ser instituídas. Na maioria dos internamentos com disfunção renal na UTI, o nefrologista participa do caso. E diante da situação pandêmica, é preciso que o nefrologista evite ou minimize seu contato diário com o paciente.
E para que seja feito o acompanhamento para avaliar a evolução dos pacientes, a equipe multiprofissional entra como grande aliada, na qual a colaboração do intensivista é de suma importância.
Como já fora citado, as recomendações para a diálise são as mesmas nos pacientes com ou sem COVID-19. O que entra e discussão é o momento para indicar o procedimento, pois ainda não há evidência se o início precoce ou tardio, influencia na mortalidade dos pacientes.
Para tomar essa decisão, o nefrologista e o intensivista devem estar juntos. Alguns aspectos são levados em consideração, mas a hipervolemia é principal indicação de diálise precoce.
Quando não há uma indicação muito clara, deve-se evitar essa exposição tanto para o paciente, quanto para o profissional.
Todo o cuidado deve ser tomado, para assim evitar a contaminação e a propagação do vírus.
REFERÊNCIAS
Paul M Palevsky, MDJai Radhakrishnan, MD, MSRaymond R Townsend, MD. COVID-19: Issues related to acute kidney injury, glomerular disease, and hypertension. UpToDate. 2020.
Recomendações de Boas Práticas da Sociedade Brasileira de Nefrologia às Unidades de Diálise em relação a Epidemia do novo Coronavírus (COVID-19). Disponível em: https://www.sbn.org.br/noticias/single/news/recomendacoes-da-sbn-as-unidades-dedialise-em-relacao-a-pandemia-do-coronavirus/
RECOMENDAÇÕES PARA DIÁLISE EM UTI PARA PACIENTES PORTADORES DE COVID-19: PELO COMITÊ DE NEFROINTENSIVISMO – AMIB. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/marco/26/20_RECOMENDACOES_PARA_DIALISE_EM_UTI_PARA_PACIENTES_PORTADORES_DE_COVID.pdf