O lítio, considerado uma terapia padrão para a manutenção do tratamento do transtorno bipolar, é amplamente reconhecido por sua eficácia em reduzir recidivas, readmissões hospitalares e comportamentos autodestrutivos. Contudo, a prescrição de lítio muitas vezes é evitada, devido às preocupações com seus efeitos colaterais, como disfunções tireoidianas e doença renal crônica.
Em um estudo realizado ao longo de 17 anos em Hong Kong e publicado em JAMA Network Open em 11 de fevereiro de 2025, oferece novas perspectivas sobre esses riscos. A pesquisa utilizou um amplo banco de dados de registros eletrônicos de saúde do sistema público para avaliar pacientes com diagnóstico inicial de trantorno bipolar, comparando o lítio com outros estabilizadores de humor como valproato e antipsicóticos de segunda geração (quetiapina, olanzapina e risperidona).
🟦 A tabela a seguir compara os riscos de hipotireoidismo, hipertireoidismo e doença renal crônica (DRC) associados a diferentes tratamentos:
Fonte: Chan JKN, Solmi M, Correll CU, et al., 2025
Risco de Disfunção Tireoidiana e Renal
O estudo confirmou que o tratamento com lítio está associado a um risco elevado de hipotireoidismo quando comparado ao valproato e aos antipsicóticos comumente usados. Embora o lítio não tenha mostrado um aumento significativo no risco de hipertireoidismo nas análises primárias, este risco tornou-se significativo em análises de sensibilidade, que focaram em usuários de lítio com níveis séricos altos do medicamento.
Quanto à função renal, o uso de lítio foi associado a um risco aumentado de desenvolver doença renal crônica (DRC) estágio 3+. No entanto, não foi observada uma associação significativa com estágios mais avançados de DRC ou doença renal em estágio final, sugerindo que os níveis mais baixos de lítio e monitoramento regular da função renal, recomendados pelas diretrizes clínicas atuais, podem ter reduzido significativamente o risco de resultados renais graves.
Identificação de Níveis Séricos de Lítio
De maneira crucial, este é o primeiro estudo, segundo os autores, a determinar os pontos de corte específicos dos níveis séricos de lítio associados a disfunções tireoidianas e renais. Os resultados das análises ROC indicaram que esses efeitos adversos estavam associados a níveis séricos de 0,50 a 0,58 mEq/L, que são inferiores à faixa terapêutica geralmente recomendada de 0,60 a 0,80 mEq/L.
Implicações para a Prática Clínica
Os achados deste estudo reforçam a importância de monitorar cuidadosamente os níveis séricos de lítio e as funções tireoidiana e renal em pacientes em tratamento para transtorno bipolar. Eles também destacam a necessidade de investigações futuras para definir a faixa terapêutica ideal de lítio, que maximize a eficácia e minimize os riscos, particularmente considerando as variações étnicas na resposta ao tratamento.
Em resumo, o lítio continua a ser uma opção eficaz para a prevenção de recorrências em pacientes com transtorno bipolar, mas seu uso deve ser cuidadosamente gerenciado para equilibrar eficácia e segurança, envolvendo os pacientes em um processo de tomada de decisão compartilhada.
Referência:
Chan JKN, Solmi M, Correll CU, et al. Lithium for Bipolar Disorder and Risk of Thyroid Dysfunction and Chronic Kidney Disease. JAMA Netw Open. 2025;8(2):e2458608. doi:10.1001/jamanetworkopen.2024.58608