A prevenção, recuperação e, fundamentalmente, a manutenção da saúde por meio das mudanças de hábito são o tema central da Medicina do Estilo de Vida. Esse modelo de cuidado fundamenta-se em quatro pilares:
- Prática regular de atividade física
- Alimentação equilibrada
- Sono de qualidade
- Administração e controle do stress.
Falei mais detalhadamente sobre isso no texto ‘’Medicina do Estilo de Vida - O Poder do Hábito’’. No entanto, achei interessante aprofundar um pouco a abordagem sobre um desses pilares que, no meu entendimento, é resultado da deficiência dos outros 3 e, talvez, o mais desafiador quando pensamos em nosso dia a dia, em que somos bombardeados diariamente por informações, demandas e exigências: o controle do stress.
Recentemente assisti ao documentário "Heal – O poder da Mente" e, independentemente de crenças e ressalvas em relação aos assuntos abordados, gostaria de dividir alguns pontos que me chamaram a atenção e reafirmaram com muita força a questão da influência dos nossos pensamentos, crenças e emoções quando pensamos nos processos de cura e também de autoadoecimento, especialmente no que se refere às doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs).
O documentário mostra brevemente a história evolutiva do stress, e achei interessante refletir sobre a importância desse estado fisiológico para a sobrevivência da nossa espécie no passado, quando expostos constantemente a situações de fuga ou vida ou morte, assim como os demais animais. Atualmente, nossos estímulos mudaram, mas nossa resposta parece continuar a mesma.
A diferença entre nós e outros animais consiste em nossa capacidade de transformar uma ideia imaginária em ameaça real, desencadeando todas as reações fisiológicas do stress. O resultado disso é, basicamente, um estado de inflamação crônica, que predispõe doenças e prejudica nosso sistema imune.
No entanto, acho importante ressaltar que nem todo stress é prejudicial. Existe um tipo de stress chamado pela psicologia de ‘’eustress’’, que pode ser entendido, basicamente, como desafio. Trata-se de uma forma de ansiedade positiva que nos motiva, tendo assim um efeito energizante sobre nós. O ‘’distress’’, por sua vez, é o stress destrutivo. O grande desafio é equilibrarmos essa medida, observando e reconhecendo quais gatilhos desencadeiam esse stress negativo e quais ferramentas podemos desenvolver para manejá-lo.
Nesse contexto, vale citar uma das pesquisas abordadas no documentário ‘’Heal’’, em que foram elencados 75 fatores modificadores do estilo de vida, relatados por pacientes que se curaram de doenças graves. Ao avaliar os números, a pesquisadora identificou que, desses 75, todos os pacientes entrevistados praticavam 9 desses fatores, sendo apenas 2 físicos e os demais emocionais, mentais e espirituais:
- MUDAR RADICALMENTE A DIETA
- SEGUIR A INTUIÇÃO
- ACEITAR APOIO SOCIAL
- APROFUNDAR A CONEXÃO ESPIRITUAL
- LIBERTAR EMOÇÕES REPRIMIDAS
- AUMENTAR EMOÇÕES POSITIVAS
- UTILIZAR FITOTERÁPICOS E SUPLEMENTAÇÃO
- POSSUIR CONTROLE SOBRE SUA SAÚDE
- TER UMA FORTE RAZÃO PARA VIVER.
(Lembrando que esses foram os resultados demonstrados no documentário, de acordo com a pesquisa realizada).
O fato é que não existe uma ‘’receita pronta’’ para sermos mais felizes e menos estressados. A dinâmica da vida é, por si só, caótica. Cabe a nós nos reinventarmos sempre que necessário, escolhendo nossos caminhos de acordo com nosso propósito. O que os estudos nos mostram hoje, porém, é que existem algumas ferramentas capazes de nos auxiliar nesse processo. Dessa forma, com base em leituras e estudos da neurociência, selecionei 3 práticas que possuem evidência cientifica, as quais penso serem realmente transformadoras e simples, não apenas para praticarmos, mas também pensando em uma possível orientação aos pacientes:
#1 Exercícios de respiração consciente.
Existem inúmeras técnicas possíveis, mas entendo que o simples movimento de colocar nossa intenção na respiração, percebendo os movimentos, o fluxo do ar, o tempo de inspiração e expiração, já são suficientes para controlarmos melhor nossos pensamentos e agirmos (e reagirmos) com mais consciência. Além disso, a utilização da técnica de respiração lenta, com dez respirações por minuto por 15 minutos diários, tem mostrado reduções da PA (Grau de recomendação IIa e nível de evidência B).
#2 Prática meditativa.
Aqui, escolhi citar o método ‘’Atenção Plena’’ (ou Mindfullness), por possuir o maior número de estudos disponíveis. Universidades como Harvard, Oxford, Cambridge, USP e UNIFESP possuem centros de estudos de meditação que já demonstraram a eficácia e os benefícios dessa prática, tais como a melhora do humor, aumento do foco, prevenção de doenças cardiovasculares, melhora dos sintomas depressivos e ansiosos e de praxe: sem nenhuma contraindicação. Trata-se, resumidamente, no ato de estarmos inteiramente presentes no que estamos vivendo aqui e agora, prestando atenção em nossa própria atenção.
#3 Prática da gratidão ativa
Os processos emocionais e afetivos têm implicações reais em nossa saúde, inclusive quando falamos em mortalidade da população. Existe um exercício proposto pela Psicologia Positiva chamado ‘’Exercício das Três Bênçãos’’. A ideia é escrever diariamente (de preferência a mão), ao final do dia, três coisas pelas quais você foi grato e o porquê. 3 coisas e 3 razões. Esse simples exercício ajuda a condicionar nosso cérebro a perceber as coisas de forma mais positiva. Depois de aproximadamente 1 mês, os estudos mostram que os níveis de bem-estar já começam a se elevar com significância estatística.
Como estudante de medicina, acho importante desenvolvermos uma visão crítica e reflexiva sobre as informações que nos são passadas, especialmente no campo da saúde. No entanto, não restam dúvidas de que o processo de adoecimento é multifatorial, e acredito fortemente em uma abordagem que leva em consideração o paciente como um ser bio, psico, social e espiritual. Penso que as biografias e experiências de doença de cada indivíduo são únicas e, apesar da ciência possuir aparatos incríveis para prever prognósticos, a máquina biológica humana sempre irá nos surpreender.
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Nota do editor: o texto foi postado originalmente no dia 02/04/2019.