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Médicos, mais um Dia do Trabalho e não temos nada para comemorar

Médicos, mais um Dia do Trabalho e não temos nada para comemorar
Fernando Carbonieri
mai. 1 - 7 min de leitura
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Médico, mais um Dia do Trabalho sem nada para comemorar

"Onde a arte da medicina for amada, existe fé na humanidade." Hipócrates

O Pai da medicina acreditava comparava a medicina à religião, na qual a crença na atividade de seus sacerdotes trazia alento, conforto, diminuição da dor e qualidade de vida perante as adversidades. O mesmo sacerdócio e crença na profissão manteve-se presente entre os médicos durante toda a história da profissão e, infelizmente, talvez tenha sido um dos catalizadores da grande depressão médica que o mundo acompanha.

A medicina é a profissão de maior potencial suicida. Depressão, adição, burnout e, finalmente, suicídio. Os meios para o aparecimento destas enfermidades eram, apenas, a condição humana frente à maravilhosa e miserável profissão. A impotência do homem frente a enfermidades incuráveis ou as tragédias da vida, associados a exigência pessoal do sempre saber um pouco mais eram os motivadores da doença e da esperança no médico sacerdote.

O médico não tinha com que se preocupar com a profissão, com a saúde financeira ou com a confiança de seus pacientes no seu trabalho. Mas isso, pelo menos no Brasil, mudou muito, e muito rápido.

Um dos principais motivos é a queda das condições laborais do médico. Hoje ele é um profissional que não possui a segurança do emprego. É um trabalhador que possui sua saúde financeira frequentemente ameaçada. Um sacerdote em crise existencial pois agora possui pacientes armados de opiniões contaminadas por diversos exemplos reprováveis que são generalizados.

Sobre a segurança do emprego:

A tradição no país é que o médico seja um profissional liberal prestador de serviço. Nós mesmos não respeitamos a legislação trabalhista e nos deixamos levar pela ilusão das contratações por Pessoa Jurídica. As fajutas organizações sociais comercializam empregos em hospitais públicos em troca de uma pequena taxa. Tudo isso sem férias, 13º salário, recolhimento de FGTS. Tudo bem, se a relação fosse a de prestação de serviços médicos e não o corrente "emprego" por Pessoa Jurídica.

Quantos foram os médicos que aceitaram ir trabalhar em lugares com salários promissores, mas sem a assinatura de contratos. Passados alguns meses, tudo ficou na promessa. Atrasos de 3, 6 meses, um processo judicial para receber, e a perda de um “emprego". Uma nova cidade, uma nova casa, um novo hospital, ema nova promessa, uma nova desilusão.

Infelizmente essas condições acabam por se repetir no sistema privado. Você é contratado por pessoa jurídica, presta seu serviço, é exigido como empregado da instituição e recebe a dispensa dos serviços por um outro prostituto que irá aceitar menos. Isso frequentemente acontece. Advogados são procurados para conversar sobre o assunto e todos dizem: "Isso é causa ganha. Vamos entrar com a ação!". Mas o médico ressabiado com seu futuro profissional, com medo de não encontrar outro emprego na mesma cidade, deixa para lá e mantém a repetição deste exemplo.

Cadê o dinheiro?

O sacerdócio e a antiga tranquilidade financeira geram nos não médicos a ideia de que o médico ainda não tem com que se preocupar. Entretanto, o médico está em uma péssima posição. O pior de tudo é que ouvimos frequentemente da população:

Os médicos só pensam em dinheiro. Eles tem que ser mais humanos.

Concordo com vários dos que afirmam que a medicina é uma das profissões de mais rápido crescimento financeiro dentre todas as outras. Boa parte dos empregos disponíveis pagam uma média de 50 reais a hora (bruto, para pessoas jurídicas) ou seja, 8 mil reais por mês. Descontados os impostos, 6640 é o que sobra para o médico. Para aumentar sua renda, trabalha mais horas, em mais hospitais, em outras cidades, para outros prefeitos que também atrasarão o pagamento. O ciclo se reinicia.

Claro que pensamos em dinheiro, somos humanos e precisamos sobreviver. Pagamos comida, água, luz, telefone, internet, escola para os filhos, financiamento do carro ou do apartamento ou dos dois, planos de saúde, um pouquinho de lazer... E também percebemos que tudo isso está cada vez mais caro. Atente-se para as suas finanças, para ter um pouco de fôlego em tempos de crise financeira no Brasil.

Crise existencial

Talvez aqui esteja um dos maiores problemas na profissão hoje. É reflexo de acontecimentos políticos, culturais e de péssimos exemplos de pares que desestabilizaram a confiança no médico.

A política brasileira da última década atacou os profissionais médicos com diversas armas diferentes. Fomos eleitos pela propaganda oficial como o maior exemplo de coxinhas opressoras ricas dazelite. Fomos taxados de forma ampla como racistas, corporativistas, elitistas, entre tantos outros adjetivos pejorativos. Foi negado à saúde brasileira os 10% da receita da união. Não existe uma carreira médica de estado. O ato médico foi vetado nos artigos mais importantes e construiu um Frankenstein médico que não tem mais a prerrogativa do diagnóstico nosológico.

As mudanças culturais da chamada revolução da informação põe em cheque a maioria das profissões "meio", sendo a medicina uma delas. O paciente empoderado desconstrói o paternalismo que a medicina sempre exerceu. A informação em qualquer lugar, na palma da mão, da voz e ação ao paciente que antes apenas ouvia o que o médico tinha a dizer. Isso é novo e de difícil adaptação do profissional e dos professores dos novos médicos que devem se capacitar para ensinar propedêutica e semiologia para os novos tempos.

Temos que falar sim. Há muitos "colegas" que não cansam de destruir a imagem da nossa profissão. Consequentemente destroem a nossa imagem como pessoas. Acabam com a dignidade profissional. Isso acontece quando os atos já conhecidos por muitos colegas são veiculados na mídia. Um bombardeio de palavras de raiva e ódio segue a cada novo "deslize". Chega de sermos condescendenctes com aqueles que insistem em meios escusos para ganhar a vida.

E aí? Será que a nossa condição como trabalhadores vai melhorar?

Somos amantes da medicina. Temos fé na humanidade e na nossa profissão. No momento só temos a fé para nos agarrar. Em tempos de mudanças políticas e culturais temos que acreditar naquilo que nos une. Iremos melhorar. Teremos uma carreira de Estado, teremos 10% do orçamento da União para a Saúde, termos nossa confiança reconquistada. Para isso precisamos nos unir. Aprender a conversar como categoria trabalhadora. Ter fé que dias melhores virão.


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