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Médicos que cozinham

Médicos que cozinham
Caroline Ahrens Ortolan
fev. 3 - 5 min de leitura
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Embora se conheça o papel fundamental da alimentação saudável e outros hábitos de vida na prevenção, tratamento e reversão de diversas enfermidades, o profissional médico tem pouca ou nenhuma formação na área de nutrição, e isso se reflete no fato de que, nos Estados Unidos, apenas 12% das consultas médicas incluem aconselhamento nutricional e somente 1 a cada 5 pacientes com alto risco cardíaco recebem orientações sobre estilo de vida e alimentação. Neste sentido, surge a Medicina Culinária, uma nova área da Medicina, nascida nos Estados Unidos, cujo objetivo é auxiliar os médicos a se comunicarem mais efetivamente com seus pacientes com o intuito de que eles melhorem seus comportamentos e escolhas alimentares, aprendam técnicas culinárias e formem uma relação de vínculo entre si. É importante salientar que este campo de estudo é baseado em evidências científicas, e não propõe polemizar para dietas específicas, vilanizar alimentos ou colocar o médico no papel do nutricionista.

Uma outra característica importante da Medicina Culinária é o foco no autocuidado médico, assunto do qual pouco se fala. Os profissionais da medicina têm taxas duas vezes maiores de Síndrome de Burnout quando comparados a profissionais de outras áreas, apresentam maior probabilidade de desenvolverem depressão e sofrem maior risco de cometerem suicídio, isso focando somente na saúde mental. Porém, sabemos que muitos médicos são sedentários, não têm bons hábitos alimentares e muitas vezes pecam no sono e descanso e na qualidade de seus relacionamentos interpessoais. Em um artigo publicado no JAMA em 2018, Thomas e colaboradores descreveram que quando os médicos têm pior qualidade de vida, eles têm mais dificuldade em se conectar com seus pacientes causando pior cuidado e satisfação destes. Neste sentido, a Medicina Culinária visa melhorar o bem-estar e saúde dos médicos e pacientes e promover mudanças positivas de hábitos de vida.

Neste cenário, alguns médicos brasileiros foram para Harvard em 2017 fazer o curso de Medicina do Estilo de Vida e se depararam com a presença de cursos de educação culinária, inclusive com cozinhas-escola, para estudantes de medicina dentro das principais e mais renomadas universidades americanas. Assim como os EUA, o Brasil enfrenta taxas cada vez mais altas de obesidade, sobrepeso e desordens metabólicas, e as evidências apontam que as medidas e práticas médicas atuais não estão sendo eficientes para contornar este problema. Foi assim que este grupo de profissionais – inspirados pelas crescentes evidências científicas de que a medicina culinária é uma das abordagens mais certeiras para trabalhar com a atual situação e auxiliar médicos e pacientes – criou o projeto Médicos na Cozinha, pioneiro no Brasil. Com uma equipe atualmente formada por endocrinologistas, psiquiatra, psicóloga, chefs e nutricionistas, o projeto tem o intuito de capacitar médicos, por meio de cursos teórico-práticos de culinária, com conhecimentos básicos sobre nutrição, culinária, alimentação saudável e acessível, para que eles possam conduzir melhor seus pacientes em mudanças de estilo de vida. 

Em 2019, o grupo lançou um livro, com o mesmo nome do projeto, que contou com a participação de diversos outros profissionais. Abordando temas como o coaching de saúde, exercício físico, meditação, entrevista motivacional, obesidade e perda de peso, alimentação plant based, práticas culinárias e, claro, diversas receitas deliciosas, o livro foi um sucesso tão grande que já está em sua segunda edição. Em 2020, devido à pandemia, a equipe não pôde realizar os cursos presenciais, mas não perdeu tempo em oferecer um curso gratuito por uma plataforma muito popular, o Instagram, que é justamente por onde muitas pessoas acabam conhecendo o projeto. O curso foi, segundo os participantes, um sucesso, e levou conhecimento sobre medicina culinária a pessoas de diversos locais do Brasil e do mundo. Para 2021, o grupo está preparando muitas novidades e espera que, em breve, possa voltar a realizar os cursos presenciais.

Você, leitor, pode estar se perguntando: “Eu, que sou médico e tenho a vida muito corrida, que vantagens eu teria ao me aproximar da cozinha?”. Além das citadas acima, um artigo publicado em 2018 no periódico Circulation demonstrou que apesar de haver evidências de que os médicos estão dispostos a orientar seus pacientes sobre alimentação e hábitos saudáveis, a taxa de adesão dos pacientes é geralmente baixa, e as barreiras mais citadas são treinamento e conhecimento insuficientes. O estudo concluiu que a melhora do treinamento dos médicos em técnicas culinárias e conhecimento nutricional pode reduzir o impacto econômico das doenças cardiovasculares de forma não observada por outras intervenções mais comuns. Os pesquisadores concluíram, então, que há correlação positiva entre a redução de risco cardiovascular e aumento nas habilidades culinárias. Além de tudo, você pode descobrir novas habilidades, desenvolver um novo hobby e provar refeições deliciosas e saudáveis!

E então, vamos cozinhar?

 


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