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No Brasil, 40% dos médicos não têm acesso à especialização

No Brasil, 40% dos médicos não têm acesso à especialização
João Carlos Simões
set. 3 - 4 min de leitura
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Título original: O Ovo da Serpente

Dr. João Carlos Simões

O progresso ético é lento, mas seguro. A virtude atrai e ensina. - José Ingenieros em "O homem medíocre"

Hoje, as escolas médicas no Brasil oferecem 16.892 vagas por ano. Nos programas de residência, paradigma de formação de médicos especialistas e competentes, há 10.196 vagas de acesso direto disponíveis para os recém-formados. A inferência lógica é que 40% dos médicos não têm acesso à especialização. Participam do mercado de trabalho, sem nenhum treinamento necessário, aproximadamente 6.000 médicos por ano. E o que eles farão? Onde vão trabalhar? Com que atribuição examinarão um paciente e interpretarão ou solicitarão exames complementares? Pior ainda, com que competência e habilidade farão um ato operatório invasivo se não tiveram nenhum treinamento em serviço?

Atualmente, o Brasil tem 197 cursos de Medicina e só perde para a Índia, que está em primeiro lugar, um país que tem aproximadamente 1.205.073.612 habitantes, seis vezes mais que o nosso. Recentemente, o Ministério da Educação autorizou, em junho de 2012, a criação de mais nove cursos de medicina particulares com 800 vagas no total, sendo 520 nas regiões Sul e Sudeste, onde hoje já se concentram 72% dos médicos brasileiros.

As novas escolas estão nas cidades de Votuporanga (60 vagas) e São José do Rio Preto (160 vagas em dois cursos), em São Paulo; Belo Horizonte (120 vagas) e Betim (120 vagas), em Minas Gerais; e Londrina (60 vagas), no Paraná. As demais ficam em Recife/PE (120 vagas), Cajazeiras/PB (60 vagas) e Salvador/BA (100 vagas).

Sete foram criadas em 2011, sendo cinco particulares, uma municipal e uma estadual. Este ano, além das nove já mencionadas, foi criada uma federal em fevereiro. No quadro geral, são 82 cursos públicos (federais, estaduais e municipais) contra 114 privados, criados principalmente de 1967 a 1970 (auge do período militar), 1997 a 1999 (segundo mandato do governo FHC) e desde 2002 até nossos dias (governos Lula e Dilma).

Consequentemente, nenhum dos médicos que se graduarão em um desses novos cursos privados irá trabalhar em uma cidade ou região carente de médicos. Serão participantes de um sistema saturado de médicos nas instituições de melhor qualidade. Disputarão tenazmente as vagas em bons programas de residência médica e poucos serão selecionados. Resistirão a trabalhar na periferia dos grandes centros onde estudaram e insuflarão cada vez mais as capitais.

O notável professor Adib Jatene escreveu que decisões equivocadas como essas e outras servem para desmotivar os que ainda acreditam ser possível corrigir as iniquidades, criadas por influência empresarial ou política, e para reforçar a ideia de que não adiante lutar por dias melhores. Dessa maneira inconsequente, o governo está incubando o ovo da serpente que, quando eclodir, devorará a todos nós com a incompetência dos novos profissionais da saúde, degradação do mercado de trabalho e precarização da saúde.


João Carlos Simões é oncologista e cirurgião oncológico, professor titular de oncologia da Faculdade Evangélica do Paraná e chefe do serviço de oncologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. É também o editor científico da Revista do Médico Residente e gentilmente colabora com o Academia Médica.

 

O Academia Médica declara não haver quaisquer conflitos de interesse nesta publicação.

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