Quando o jovem estudante de Medicina adentra à academia, ele é logo conduzido para uma atual discussão sobre humanização da Medicina. De fato, essa é a discussão de nossos tempos. Humanização das instituições, bioética e valorização da subjetividades são só alguns exemplos do debate médico atual. Dessa forma, o jovem estudante é introduzido a um contexto complexo com pouca ou quase nenhuma maturidade para saber lidar de forma eficiente com tais abordagens.
Quando se fala em Medicina, fala-se de uma tradição médica. No caso da Medicina feita no Brasil, uma tradição ocidental vinda da Grécia Antiga e vinda de Hipócrates. Assim, é possível afirmar que formação da personalidade do médico era, antes de tudo, formação do homem grego. Poesia, literatura, política, Filosofia, teatro são só algumas áreas onde o homem grego se envolvia grandemente. Quando formava-se o homem grego daí, então, poderia ter formação o médico grego. Era um tipo de envolvimento tão amplo nas atividades propriamente humanas que a competência na prática médica devia-se a essa formação completa de personalidade. À luz disso, é possível perceber que a tradição médica vem diretamente da presença total do homem na Realidade.
Com o passar dos séculos, entretanto, a humanidade atingiu seu ápice de produção de conhecimento científico no iluminismo. Era esse, todavia, o início da era materialista que iria diminuir a complexidade de formação da personalidade humana e, com isso, da formação médica. Reduzidos à biologia e com a perda do lastro metafísico que dá a baliza para uma sociedade saudável, o ser humano, a partir do iluminismo, viu-se desprovido de sua completude e entregue a simplicidade das reações bioquímicas. Desse modo, instalou-se uma crise na formação da personalidade humana em sua totalidade.
A palavra tradição vem da raiz latina tradere que significa entregar. A sabedoria das gerações anteriores é entregue às gerações futuras. A Medicina vem de uma tradição médica grega, em que todas essas atividades próprias de um artista eram completamente imbricadas nas habilidades médicas. Não existia, na perspectiva dos gregos antigos, essa separação biologista e reducionista do nosso tempo. Partindo desse pressuposto, fica fácil saber porque há necessidade de, hoje, haver tantos debates e discussões sobre humanização da Medicina.
Se antes a natureza humana era entendida em sua totalidade, hoje a ultraespecialização e a dificuldade linguística de um médico moderno que não consegue acessar o mundo do paciente mostraram-se imperativas. A poesia, a filosofia e, principalmente, da literatura que é fundamental para a formação da Inteligência moral das relações humanas foram extirpadas do nosso horizonte de consciência. A tragédia da medicina atual é a tragédia da formação da personalidade humana.
O jovem estudante de Medicina do primeiro período é, então, inserido em toda essa perspectiva. Sem ter modelos de grandes médicos, sem ter a plena tradição, sem ter a dimensão metafísica, o reducionismo e a tristeza de nosso tempo se instala e uma discussão de humanização vazia de sentido é introduzida. O jovem estudante de medicina do nosso tempo não consegue perceber que: é mais fácil ser médico do que ser artista da Medicina.
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