É considerado crime, desde 2015, a venda e o fornecimento de álcool para menores de 18 anos pela lei 13/106 no Brasil.
A ingesta alcoólica na adolescência traz diversos problemas. O circuito cerebral da recompensa está formado desde a vida intra uterina. Porém, o circuito neuronal responsável por planejamento e controle de impulsos no córtex pré-frontal é a última parte a se apresentar totalmente desenvolvida; acontece por volta dos 21 anos.
Na adolescência os jovens ainda não conseguem controlar totalmente seus impulsos, fazer a análise criteriosa das situações que os coloquem em risco, especialmente se o centro da recompensa estiver ativado. Mas eles não sabem disso, pelo contrário, por estarem na adolescência acreditam ser “adultos maduros”. Muitas das vezes essa “crença” de que já sabe das coisas é reforçada pelos adultos que o cercam. Muitos desses adultos podem ser os pais, que dão liberdade aos filhos para viverem determinadas situações, para as quais não estão preparados, como certas “baladas”, ” resenhas”, ” calangos”, viagens e intercâmbios. Alguns pais realmente acreditam que seus filhos são maduros o suficiente para enfrentar algumas dessas experiências, o que nem sempre é verdade. Cada um é de um jeito, cada um alcança a maturidade a seu tempo, mas nem sempre a “percepção” dessa maturidade adquirida é acertada. Algumas opiniões sociopolíticas muito bem estruturadas, relatos do que os amigos fazem de errado (nesse caso, já ouvi relatos de adolescentes que afirmam falar “o que o pai quer ouvir”) ou notas boas no colégio geralmente dão essa impressão de maturidade aos pais.
Encontramos pais que se consideram muito amigos de seus filhos e por isso não conseguem dizer o ” não” tão importante nessa fase. O medo de ser desagradável e não ser amado por esses filhos muitas vezes os impedem de exercer sua principal função, que é educar, impor limites e formar o caráter.
Existem pais que simplesmente “permitem tudo”, afirmam que seus pais “me proibiam e eu fazia mesmo assim”. Acreditam que é melhor deixar fazer na sua frente. Não leva em conta que quase todo “aborrecente” vive um “vulcão hormonal”, normalmente precisará fazer algo “errado” para burlar uma regra da casa. Se tudo é permitido, o que ele vai fazer para burlar essas regras? Sempre recomendo aos pais que me procuram “rédea curta”. Você tem obrigação de proteger o seu filho, essa é função do responsável. Se burlar uma regra é inevitável, que seja dentro de uma margem de segurança. Se você autoriza tudo não haverá margem de segurança.
Por último, temos os pais autoritários. Esses não conversam sobre nada com seus filhos e seus filhos não se sentem a vontade para conversar com os pais. Esses pais não conhecem seus filhos e não serão procurados diante de uma situação estressante porque não existe essa construção de diálogo em casa.
Deve haver um equilíbrio na relação entre pais e filhos. Existir muita conversa, respeito e regras bem claras. Essas regras devem ser colocadas de forma clara, definindo o que pode e o que não pode ser feito na idade. Imagine o adolescente passando pela fase de transição da Infância para a vida adulta, quando desconhece onde se encaixa no mundo, acompanhada de muitas alterações hormonais, pressão da escolha profissional, das descobertas do seu corpo, do interesse sexual, dos medos do seu futuro profissional e pessoal, sem regras bem definidas em casa. O resultado será maior angústia e insegurança.
Fazendo um paralelo, é como se os pais escolhessem uma escola para o seu filho em que não se soubesse o que está sendo ensinado. Uma escola que não definisse o uniforme, a grade das matérias, os professores e o horário de entrada e saída. Você se sentiria seguro com essa escola? Muitos pais fazem isso, sem perceber. Por exemplo, muitos pais proíbem a bebida, mas bebem muito na frente dos filhos. Falam mal da conduta de jovens alcoolizados, mas seu filho toma um “porre” e esse mesmo pai atenua a situação. A responsabilidade dos responsáveis é enorme, e agindo assim não serão um ponto de segurança para seus filhos, ou referência de comportamento.
Agora, vamos imaginar passar por tudo isso, sob influência do álcool. Os jovens estão bebendo cada vez mais cedo e em maior quantidade. Se colocam em diversas situações de risco, se tornam mais agressivos e desinibidos. Com isso se envolvem em muito mais situações de risco: brigas, sexo precoce, abuso sexual, drogas e acidentes. Tudo isso com um certo aval de seus pais, quando autorizam diretamente o uso de bebida, negligenciam ou atenuam a gravidade da situação.
Voltando para o olhar neuroanatômico, o jovem estará vivendo essa situação com a ativação da via neuronal do prazer/recompensa com o uso do álcool. Isso vai levar a querer sempre repetir o uso do álcool pela associação ao momento de felicidade de estar com um copo na mão. Muitas das vezes ele faz o link que só consegue se divertir, se comunicar, ser extrovertido ou se sentir desejado sob o efeito do álcool. E vai querer sempre mais. Por isso cada vez mais eles bebem: se encontram antes da festa para beber (não basta beber durante o evento, é preciso já chegar alcoolizado). Não bebem apenas para se sentir mais “soltos”, eles bebem para quase perder sentidos.
Segundo levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Políticas Públicas de Álcool e Drogas (Inpad), ligado à Universidade Federal de São Paulo, cerca de 50% dos brasileiros com idade entre 12 e 17 anos já beberam. É muito alarmante esse padrão de consumo abusivo. Esses jovens normalmente ficam algum tempo sem beber, e quando bebem é de forma bem intensa. Entre meninas, nesse mesmo levantamento, registrou-se ainda um aumento da ingestão exagerada: cinco doses ou mais num mesmo evento. Os jovens referem a situação como “o beber para ficar bêbado”, comportamento conhecido pelo termo em inglês “binge”.
Os pais e responsáveis precisam entender a seriedade do uso precoce da ingesta alcoólica, para mudar determinadas posturas que empurrão os seus filhos para essa situação. Precisam ter noção da responsabilidade que têm nos ombros, que precisam exercer seu papel de pais, mesmo que nesse momento tenham que ir contra a vontade de seus filhos, e sua intenção de não magoá-los.
Seus filhos vão amá-los no futuro, reconhecerão o que foi feito para o bem deles. Mas para isso, eles precisam ter um futuro.
*Nota de edição: Texto publicado originalmente em www.possidente.org e reproduzido em Academia Médica com conhecimento e autorização da própria autora.