Se é que o isolamento durante a pandemia de COVID-19 trouxe algo de bom, pra mim, esse algo é a quantidade de reflexões que têm despertado na minha mente.
Todos sentimos que as coisas corriqueiras de antes - como dar a mão para cumprimentar um desconhecido ou um paciente - ganharam uma nova dimensão de importância. Somos seres sociais e o toque faz falta.
Dessa forma, voltei-me para o meu interior. Busquei, em todos os dias do meu isolamento, fortalecer minha mente (e, felizmente, tenho conseguido). Porém, parte do meu processo beneficamente caótico consiste em colocar em xeque tudo o que faço: desde sorrir em resposta a interações humanas simples com meus familiares até as minhas atividades como acadêmico de medicina atolado em conteúdo da graduação e que tenta manter, simultaneamente, várias atividades extracurriculares.
Neste artigo, explorarei as reflexões acerca desse último cenário e explicarei por que o título da publicação não é um pleonasmo, de forma alguma!
A vida é um caos, naturalmente
A complexidade da vida humana torna impossível executarmos apenas ações planejadas. Todos sabemos disso. Não é à toa que a frase "a vida é uma caixinha de surpresas" é um clichê.
Porém, mesmo que isso seja óbvio, tentamos, a todo custo, exercer algum tipo de dominância sobre os objetos e pessoas que interagimos, os processos que executamos e as informações que obtemos. Gostamos de controlar. Viver em cenários cujo caos reina naturalmente é muito difícil. Não ter o controle incomoda. Esse, inclusive, é um dos motivos (entre tantos outros) pelos quais queremos exercer a medicina: controlar processos biológicos que prorroguem a vitória da morte sobre a vida.
Assim, a todo momento tentamos nos planejar. Se vamos ao supermercado, fazemos listas de compras, mesmo que não compremos apenas o que está ali. Se um problema surge, escrevemos em post-its e os colocamos na borda da tela do computador, mesmo que não os resolvamos. Se algo incomoda os pacientes, tentamos cessar o estímulo nocivo, mesmo que em alguns casos isso não seja plenamente possível. Queremos retomar um pouco do controle.
Ao mesmo tempo, quando estamos com fome, dificilmente fazemos boas escolhas e optamos por preparar refeições saudáveis e demoradas quando temos doces e chocolates disponíveis ao alcance de nossas mãos. Similarmente, quando chegamos cansados em casa depois de um dia cheio, teimamos em não colocar nossos tênis e correr para a academia antes que a vontade de ficar jogados no sofá nos domine. Cedemos às alternativas "erradas", mesmo sabendo que devemos tomar certas decisões que nos são benéficas.
No fim, quando nos damos conta, já é tarde. Perdemos o controle.
Deixamos de dizer "não" às coisas e às pessoas e, assim, cedemos porções cada vez maiores do nosso tempo para coisas que não importam. Essas coisas que "não importam" não são simplesmente aquelas fúteis que todos conhecemos (como acompanhar blogueiros e blogueiras que não produzem conteúdos e que apenas servem como vitrines de marcas desconhecidas), mas também atividades que, de fato, podem nos gerar algum benefício no médio-longo prazo.
Sim, é isso mesmo! Coisas boas e positivas também podem não importar... É o que estou percebendo durante a quarentena.
Por que fazemos tantas coisas, se pouquíssimas delas fazem nossos olhos brilharem, apesar de muitas serem boas? Por que continuamos fazendo o que fazemos?
É simples: simplesmente porque já as fazemos! Elas se tornaram hábitos arraigados em nossos circuitos cerebrais. Nos tornamos Homo sapiens adestrados e isso nos corrói, afinal tentamos exercer controle sobre tudo e, consequentemente, abominamos sermos controlados (pelo menos quando sabemos disso).
Um achado
Quando nos damos conta do tempo que dedicamos a atividades que, segundo nossos critérios pessoais, são "perdas de tempo", ficamos impactados e muito tristes. A vida é finita e, por isso, devemos investir nossas cotas de tempo apenas no que nos faz felizes. Pelo menos, devemos tentar!
Dessa forma, quando comecei a perceber, durante a quarentena, a quantidade de compromissos simultâneos que assumi e que prometi me doar, fiquei assustado. A graduação de medicina, por si só, é extremamente desgastante, apesar de prazerosa. Porém, ainda teimei que eu era capaz de lidar com tudo ao mesmo tempo e, preocupado, procurei um livro que me ensinasse a ser mais produtivo no meu dia a dia. Encontrei o "Mais Rápido e Melhor", de Charles Duhigg.
Ora, fui procurar um livro para aumentar minha produtividade (isto é, aumentar minha velocidade de execução de tarefas para conseguir executar mais tarefas) e, de brinde, encontrei um que, além disso, me ensinaria a fazer minhas coisas de uma forma "melhor"... Eureka!!!
Comecei a ler. Logo no início do livro, o autor, que se baseia em vários estudos científicos (e é por isso que gosto dele), aponta que um dos segredos para sermos mais produtivos é exercitarmos nosso "lócus de controle interno": nossa capacidade de escolher o que devemos ou não fazer, algo que atenderia nosso anseio por controle ao mesmo tempo que, como um efeito colateral, nos mostraria o que realmente é relevante para nós.
Ler isso foi como ter recebido um soco na cara. Como assim eu deveria escolher minhas atividades sendo que eu queria aumentar minha produtividade pra dar conta de TUDO???
Terminei o capítulo e marginalizei meu livro. Não o li por dias, como uma criança emburrada faria com um irmão mais velho que o magoou, mas refleti muito sobre o que ele havia me dito.
"Lócus de controle interno" era tudo o que passava na minha cabeça.
Depois de muito queimar neurônios e perder o sono (literalmente), entendi o que "executar o lócus de controle interno" significava. Esse termo estava ali para comprovar o que tentei fugir no começo do meu processo reflexivo: não havia como dar conta de tudo. Era impossível! Simplesmente porque era impossível gostar de tudo o que eu estava fazendo.
Em seguida, comecei a priorizar o que me fazia feliz e o que eu, de fato, enxergava como útil para mim, em todas as dimensões (pessoal, profissional e espiritual). Das várias coisas que fazia antes, passaria a dar atenção para apenas algumas. Se sobrasse tempo (reforço: SE sobrasse tempo, algo difícil), eu atenderia às exigências de outras pessoas e de outras atividades que poderiam me gerar algum benefício, mesmo que eu não gostasse tanto (afinal, é igualmente impossível, na minha opinião, fazer apenas o que se gosta).
Logo no segundo dia após eu ter entendido como trabalhar meu "lócus de controle interno", senti os efeitos benéficos. Minha ansiedade diminuiu, bem como minha ingestão de cafeína para me manter disposto. Retomei o controle. Mais importante ainda, retomei o brilho nos olhos.
Parece simples. E é!
Bernardo Santos, cantor conhecido como "BNegão", tem uma música chamada "Prioridades", cujo refrão não poderia ser mais simples:
"Priorize as prioridades, cumpadi! [...]
Camaradagem priorize o que fará diferença na sua passagem!"
Antes da quarentena, quando eu ouvia essa música, considerava que a letra era tosca. Apenas a melodia me chamava atenção.
"É óbvio que devemos priorizar as prioridades", pensava eu. "Que besteira!".
O problema, que eu não sabia até então, é que a vida, tão caótica, nos revela uma quantidade tão grande de coisas que as nossas prioridades acabam por se misturar e se perder no meio de tantas informações, sentimentos e tarefas. Nada é "preto no branco" e as prioridades se perdem no meio das nuvens que surgem com múltiplas cores.
Quanto mais para nós das ciências médicas que lidamos com processos que de simples não têm nada! Aliás, o burnout nunca atingiu tantos acadêmicos e profissionais da medicina como tem atingido hoje...
Portanto, se você está muito ansioso com a situação da COVID-19 ou com a sua vida, de forma geral, dê um tempo para si! Tente determinar a partir de qual momento o trem saiu dos trilhos. Elenque o que você realmente sente prazer em fazer.
Se possível, leia o livro de C. Duhigg que citei no texto. Te garanto que valerá a pena!
Por fim e mais importante: priorize suas prioridades!
Só mesmo algo tão complicado como uma pandemia para me fazer entender algo tão simples...