Estava em mais uma tarde de teleatendimentos. Olhava pela janela e via o sol refletindo lá fora. Pensava no que estava vivendo. A nível pessoal. A nível profissional. Na pandemia. Nas tarefas que estavam para serem feitas. Na vida...
-Secretaria Municipal de Saúde, boa tarde, meu nome é Leonardo, com quem eu falo?
-Boa tarde, meu nome é Mariana*.
-E no que eu posso te ajudar hoje?
-Então, eu e meu filho estamos com alguns sintomas e a gente queria saber como proceder.
-Certo. Vamos conversar um pouquinho sobre você primeiro e na sequência sobre seu filho, pode ser?
-Claro.
Começo a conversar com Mariana que me conta sobre os sintomas sentidos. Os clássicos da maioria dos pacientes que apresentam acometimento pelo coronavírus. Conforme vamos conversando vou registrando seu atendimento no sistema, tomando nota a parte em uma folha de papel sobre as orientações que não posso esquecer de fazer, e pensando em como essa forma de atender a população veio para ficar.
Mariana fala de forma leve, fácil, animada e sem rodeios. Nossa conversa flui. Há pacientes que se apresentam de forma resistente e quase nada falam. Outros, por sua vez, se apresentam tão abertos que muitas vezes nos contam coisas que ainda nem pensamos em perguntar. Mariana certamente fazia parte do segundo grupo.
-Então Mariana, pelos sintomas que você me passa eu consigo classificar seu quadro como um caso leve para o coronavírus...
Explico para ela nossa classificação, as orientações gerais para seu caso, o que fazer caso haja piora ou aparecimento dos sinais de alerta. Mariana ouve todas as explicações alternando entre momentos de silêncio e momentos em que externava que estava compreendendo o que falava.
-Você ficou com alguma dúvida?
-Sobre os sintomas não.
-Certo. Então vamos agora ver aquelas dúvidas que você me colocou antes de conversarmos com seu filho.
Explico para ela sobre as visitas nesse momento e o quanto elas devem ser evitadas. Assim como explico que o fato do marido trabalhar em outra cidade e precisar vir para cá de avião para ver esposa e filho toda semana constitui um fator de risco para os três. Pergunto a ela se seria possível, ao menos pelo período em que ela ficará isolada, o marido permanecer na cidade em que trabalha.
-É possível sim. Vou conversar com ele.
-Certo. Muito obrigado! Eu sei que nesse momento a saudade e forte e que ela aperta o coração. Mas, é necessário ficarmos um pouquinho longe para que tudo isso passe e possamos voltar a nos abraçar.
-É verdade. É difícil mesmo, mas você tem razão. Vou conversar com ele e com minha mãe.
-Combinado. Agora quero que você me conte um pouquinho sobre seu filho.
Mariana começa a me falar sobre Júlio* e seus sintomas. Muitos são idênticos aos dela, o que demostra uma grande possibilidade de contaminação de um pelo outro ali. Tomo nota de seus sintomas e pontuo algumas orientações específicas para seu caso.
-Certo. Me diga por favor, antes da gente conversar sobre o Júlio, a data de nascimento dele - precisava desse dado para acessar seu prontuário.
-11 de março de...
Não acredito quando ouço.
-Sério? É o mesmo dia em que eu faço aniversário. É a primeira vez que atendo alguém que faz aniversário no mesmo dia que eu.
-Que legal! Você é pisciano também então. Ai querido, pisciano sofre né?
Não aguento com a sinceridade de Mariana e começo a rir. Do lado de lá ela ri junto. Se antes a conversa já fluía, agora parecem que são duas pessoas que se conhecem há anos.
-Tristemente sofre. Queria dizer que não, mas não tem jeito, né?
-Eu entendo. Mas vocês tem um coração bom, pensam no próximo, isso é bom e bonito. Mas sofrem muito.
Continuo a rir. Alguns atendimentos são mais difíceis, requerem boa parte de nossa energia e nosso tempo. Outros são mais leves e recarregam nossas forças.
Converso com Mariana sobre o filho (e com ele de forma direta), oriento sobre os sinais de alerta e questiono se há alguma dúvida. Conversamos ainda sobre os serviços que devem ser procurados e como proceder durante o final de semana.
-Muito obrigado pela ajuda querido e pelo bom atendimento.
-Eu que agradeço por ter liado pra gente Mariana. Qualquer coisa pode voltar a ligar.
-Pode deixar que volto sim. Um abraço! E não vá ficar sofrendo muito.
Ela diz a última frase rindo.
-Pode deixar! Um abraço pra ti e pro Júlio!
Desligo o telefone e volto a rir. É incrível a conexão que alguns pacientes estabelecem conosco. É uma das coisas que me encantam na medicina. Especialmente quando penso nos momentos em que isso ocorre sem que esteja vendo pessoalmente eles.
*Por questões éticas os nomes citados não correspondem à realidade.
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