Uma das funções do CFM é preservar o bom exercício da medicina. Para tal, de tempos em tempos, são discutidas algumas recomendações que uniformizam o bom atendimento e a boa prática. é o caso da recomendação para o reconhecimento e tratamento da SEPSE.
Nas últimas semanas o assunto foi bem debatido aqui no Academia Médica pois apresentamos um vídeo que auxilia em muito o diagnóstico precoce da SEPSE. você pode ver AQUI
Em Setembro de 2014 foi publicada a recomendação nº 6/2014 que:
Recomendar que em todos os níveis de atendimento à saúde sejam estabelecidos protocolos assistenciais para o reconhecimento precoce e o tratamento de pacientes com sepse; a capacitação dos médicos para o enfrentamento deste problema; e a promoção de campanhas de conscientização do público leigo, entre outras providências.
RECOMENDA-SE:
[...]
Art. 1º Em todos os níveis de atendimento à saúde (unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento, serviços de urgência e emergência, unidades de internação regulares e unidades de terapia intensiva) deve-se estabelecer protocolos assistenciais visando o reconhecimento precoce e a pronta instituição das medidas iniciais de tratamento aos pacientes com sepse;
Art. 2º Todos os médicos devem se capacitar para o reconhecimento dos sinais de gravidade presentes em pacientes com síndromes infecciosos, suspeitas ou confirmadas, de modo a encaminhá-los para o diagnóstico e tratamento adequado;
Art. 3º As instâncias governamentais pertinentes devem promover campanhas de conscientização do público leigo, além de desenvolver instrumentos para capacitação dos profissionais de saúde e prover condições de infraestrutura para o atendimento a esses pacientes.
Art. 4° Esta recomendação entra em vigor na data de sua publicação.
[...]
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RECOMENDAÇÃO CFM Nº 6/2014
A sepse vem adquirindo crescente importância, devido ao aumento de sua incidência [1-6] . Essa incidência crescente está relacionada a diversos fatores, entre eles o aumento da população idosa e do número de pacientes imunossuprimidos ou portadores de doenças crônicas, criando uma população suscetível para o desenvolvimento de infecções graves.
Além disso, a melhoria no atendimento ao trauma, levando a melhor sobrevida após o insulto inicial, e o melhor manejo de pacientes graves fazem com que as complicações infecciosas também aumentem. O crescimento da resistência bacteriana também é um fator contribuinte. Os números reais não são conhecidos e as estimativas atuais são, provavelmente, subestimadas.
Há estimativas, baseadas em estudos populacionais americanos, de que haja 300 casos/100 mil habitantes a cada ano [1]. . A transposição dessa estimativa para o Brasil resulta em aproximadamente 600 mil novos casos a cada ano. O aumento da incidência e a progressiva gravidade desses pacientes fazem com que os custos de tratamento também se elevem. Existem diversos estudos estimando os custos associados ao tratamento da sepse entre US$26 a US$38 mil nos Estados Unidos [2, 7-12] .No Brasil, uma avaliação estimou esses custos em US$9,632 [13].
Os dados sobre letalidade apontam para diferenças importantes entre países desenvolvidos e países com recursos limitados. Dados recentes mostram mortalidade de 18% na Austrália [14] e taxas entre 15 e 30% nos Estados Unidos [5] . Por outro lado, casuísticas infelizmente pequenas e pouco representativas mostraram letalidade tão elevada quanto 80 a 90% em países com recursos limitados, como Paquistão [15] , Turquia [16] , e Tailândia [17] .
No Brasil, mostrou-se que a sepse foi identificada como uma das causas de óbito em 16,5% dos atestados emitidos em 2010, identificando-se mais de 250 mil óbitos naquele ano [18] . Alguns estudos de caráter multicêntrico em nosso país também apontam para uma elevada mortalidade, variando entre 35 a 47% para sepse grave e 52 a 65% para choque séptico [13, 19, 20] .
Um estudo multicêntrico internacional apontou para diferença importante de letalidade entre outros países do mundo (49,6%) e o Brasil (67,4%) [21]. . O banco de dados do Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS), com mais de 22 mil pacientes, mostra letalidade de 46%, com diferença significativa de letalidade entre instituições ligadas ao SUS (58,5%) e aquelas ligadas à saúde suplementar (34,5%) [22] . Além disso, chama a atenção a elevada letalidade entre pacientes provenientes dos serviços de urgência e emergência da rede SUS (58,7%), em comparação com os dados da rede de saúde suplementar (27,5%).
Recentemente, foi conduzido o estudo SPREAD ainda não publicado. Uma amostra aleatória de 229 UTIs brasileiras mostrou prevalência de 29,6%. Isso demonstra a pesada carga que a sepse representa para o Brasil, em termos de recursos alocados, incluindo disponibilidade de leitos. Além disso, a letalidade global foi de 55%. Como já mencionado, essa letalidade está muito acima da reportada em países desenvolvidos.
Esses fatos justificam o planejamento de ações voltadas à redução dessa mortalidade. Face ao problema representado pela elevada incidência, altos custos e mortalidade, o principal desafio dos prestadores de serviço à saúde é implementar, de forma institucionalmente gerenciada, programas que levem à beira do leito as melhores evidências científicas disponíveis, visando garantir a melhor prática assistencial. Estudos prévios, em outros países e no Brasil, mostraram que a efetiva implementação de protocolos assistenciais gerenciados é capaz de melhorar a evolução desses pacientes [11, 12, 23-31].
As novas diretrizes da Campanha de Sobrevivência à Sepse recomendam fortemente que todas as instituições tenham estratégias para a detecção de pacientes com sepse e tentem instituir programas de melhoria da qualidade de atendimento baseados em indicadores bem definidos. No Brasil, já foi demostrado que esse tipo de intervenção associou-se com redução de mortalidade (55% para 26%) e de custos [24]. . Os custos de internação de um paciente reduziram-se de U$29,3 mil para US$17,5 mil.
Há diversas razões para essa elevada mortalidade. Existem deficiências no atendimento primário à saúde, tendo como consequência uma população menos saudável, com doenças crônicas mal controladas e medidas inadequadas para prevenção de doenças, como cuidados sanitários e vacinação. Por outro lado, a falta de infraestrutura na rede hospitalar (principalmente nos setores de urgência e emergência) e o número inadequado de profissionais para atendimento também são fatores relevantes.
Um dos fatores fundamentais para o atraso no atendimento a esses pacientes é o desconhecimento entre os profissionais de saúde, principalmente médicos e enfermeiros, sobre os sinais de alerta de gravidade associados a quadros infecciosos, fazendo com que esses pacientes sejam reconhecidos tardiamente [32, 33] . Há limitação de recursos básicos em muitas instituições brasileiras ao mesmo tempo em que os processos são inadequados, fazendo com que as medidas iniciais de tratamento, muitas vezes, não sejam adequadamente executadas.
Outra potencial razão é o desconhecimento do público leigo a respeito dos sinais de alerta e da potencial gravidade associada a processos infecciosos. Esse desconhecimento, aliado à dificuldade de acesso aos sistemas de urgência e emergência brasileiros, faz com que haja retardo na procura de auxílio.
Há, basicamente, três frentes de atuação para que o cenário da sepse no Brasil se altere. A primeira, no campo da ciência, procurando conhecer melhor a doença e suas consequências. A segunda frente se refere a ações políticas visando aumentar a atenção do governo, em suas esferas federal, estadual e municipal, para a gravidade do problema. A última diz respeito a ações voltadas para aumentar a percepção sobre a gravidade da sepse, tanto entre profissionais e instituições de saúde como entre leigos.
Na terceira frente, o aumento da percepção sobre a gravidade da sepse é fundamental entre os médicos de todas as especialidades, para que a detecção seja precoce e o paciente possa ser adequadamente encaminhado para os serviços onde os cuidados possam ser prestados. Nesse sentido, estratégias de divulgação entre a classe médica são fundamentais para que a situação possa ser controlada.
DESIRÉ CARLOS CALLEGARI
Conselheiro relator