Dra. Roberta Fittipaldi é pneumologista e intensivista e professora da curso Ventilação Mecânica Online na Academia Médica.
A síndrome do desconforto respiratório do adulto (SARA) é caracterizada por um processo inflamatório difuso intra pulmonar que resulta em quadros de insuficiência respiratória e hipoxemia de graus variados. Possui diversas etiologias, desde causas pulmonares como pneumonias graves, até mesmo causas extra-pulmonares como em pacientes com grandes queimaduras, mas todas resultam em redução da complacência pulmonar e surgimento de opacidades alveolares bilaterais.
Já está bem estabelecido que o tratamento para a SARA, além do tratamento específico do fator desencadeante da síndrome, visa medidas de ventilação mecânica, contando com ventilação protetora, com volumes correntes baixos (6ml por kg de peso predito) e utilização de pressão positiva ao final da expiração (PEEP).
A administração de bloqueadores neuromusculares para uma melhor adaptação e sincronia do paciente em prótese ventilatória foi estabelecida há aproximadamente 10 anos no estudo ACURASYS (Pappazian et al 2009 NEJM.org). De caráter multicêntrico e randomizado, esse grande estudo comparou o uso do bloqueador muscular cisatracúrico com a sedação padrão em pacientes com SARA moderada a grave por 48 horas. Como resultado, evidenciou-se uma significativa redução da mortalidade no grupo que usou cisatracúrico frente ao grupo tratado com sedação padrão. Porém, nenhum outro estudo até então conseguiu resultados semelhantes, o que gerou a necessidade de mais dados científicos robustos que comprovassem realmente a eficácia do bloqueio neuro-muscular em pacientes com SARA moderada à grave.
Dessa forma, surge o grupo PETAL, composto de pesquisadores americanos destinados a realizar novas pesquisas e contribuir com o tema. O grupo publicou recentemente no New England Journal of Medicine (NEJM) os resultados do estudo batizado de ROSE(1).
O estudo ROSE é multicêntrico e randomizado não-cego, realizado de janeiro 2016 a abril de 2018 em diversas unidades de terapia intensiva dos Estados Unidos. Seu objetivo visava comparar o uso de cisatracúrio com a sedação padrão em pacientes com SARA moderada à grave, relacionando (PaO2-FiO2 <150mmHg). A pergunta que norteou o estudo, era: o bloqueio neuro-muscular com cisatracúruio era superior ao uso de sedação?
O desfecho primário analisado foi: causas de morte intra hospitalar em 90 dias por todas as causas. E, secundário: sobrevida em 12 meses. Além disso, foram estudados desfechos como: escore de SOFA, dias livres de doença orgânica, dias fora da UTI, dias livres de ventilação mecânica, dias fora do hospital após a alta e escores de fraqueza muscular, elevando o espaço amostral da pesquisa.
No total, 1006 pacientes entraram no ROSE, todos sob ventilação mecânica por, no mínimo, 48 horas e que possuíam, também, critérios para SARA moderada à grave com PaO2 - FiO2 < 150mmhg + uso de PEEP ≥ 8mmHg.
Funcionou da seguinte maneira: o grupo ''intervenção'' recebeu infusão contínua de cisatracúrio em dose de 37,5mg por hora e o grupo ''controle'' recebeu sedação sem bloqueio muscular por esse mesmo período, sendo portanto o grupo com a sedação padrão. Todos foram ventilados sob estratégia protetora com volume corrente em 6ml pro kg de peso predito.
Com base nos resultados obtidos, o estudo define que NÃO houve diferença no desfecho primário em ambos os grupos , apresentando uma mortalidade de 42.8% no grupo controle e 45.5% no grupo intervenção (sem diferença estatística p=0.93 - IC95% -6.4 a 5.9). Ainda, não foram observadas diferenças em sobrevida em 12 meses em ambos os grupos.
Considerando as conclusões desse estudo, temos grandes discussões: o bloqueio neuro-muscular está reservado a situações especiais para pacientes com SARA, como, por exemplo, ajudar na sincronia com a ventilação quando for realizar manobras de recrutamento alveolar; na monitorização da mecânica ventilatória logo após intubação. E sempre realizado em bolus, evitando assim o bloqueio contínuo, visto que o bloqueador não diminui a mortalidade, não muda desfechos e pode até manter o paciente por mais tempo acamado e com fraqueza muscular.
Temos que individualizar a sedação e por ventura avaliar a necessidade de bloquear o paciente com SARA. Esse é um caminho que estamos trilhando para otimizar os desfechos no paciente crítico.
Mais uma vez a ciência mostra que, em algumas situações na UTI com o paciente grave, "menos é mais"!
- Early neuromuscular blockade in acute respiratory distress syndrome. PETAL Clinical Trials Network. NEJM may, 2019.