Conforme discutido no Troca de Plantão #8 e #9 desta semana, a Síndrome de Munchausen por procuração (SMP) é uma forma de abuso infantil, em que um dos pais, geralmente a mãe, simula sinais e sintomas na criança, o que envolve o exagero ou a fabricação de doenças pelo cuidador, com a intenção de chamar atenção pra si. Recentemente relatada na literatura médica, é definida inicialmente como uma desordem psíquica.
Qual a fisiopatologia?
É um distúrbio comportamental relativamente raro. Afeta um cuidador primário, na maioria das vezes a mãe. A pessoa com esta síndrome ganha atenção procurando ajuda médica para sintomas exagerados ou inventados em relação a uma criança sob seus cuidados. Como consequência, a vítima é submetida a repetidas internações e exposição a exames e tratamentos potencialmente perigosos e desnecessários, gerando sequelas psicológicas e físicas, podendo levar a morte [1, 4, 6].
Como os prestadores de cuidados de saúde se esforçam para identificar o que está causando os sintomas da criança, as ações deliberadas da mãe ou cuidadora muitas vezes podem piorar os sintomas. Ou seja, a atenção dada a esta mãe potencializa os sintomas, o que faz com que a mesma busque com frequência unidades de saúde com seu filho que muitas vezes não têm doença de fato [1,6].
A pessoa com síndrome de Munchausen por procuração não parece motivada pelo desejo de qualquer tipo de ganho material. Embora os prestadores de cuidados de saúde sejam frequentemente incapazes de identificar a causa específica da doença da criança, eles não costumam suspeitar que a mãe ou a cuidadora pudesse fazer algo para prejudicar a criança. Na verdade, o cuidador muitas vezes parece ser muito carinhoso e atencioso e extremamente perturbado com a doença do filho [4, 6].
Estes indivíduos podem criar ou exagerar os sintomas de uma criança de várias maneiras, como mentir sobre sintomas, alterar testes (como contaminar uma amostra de urina), falsificar registros médicos ou podem realmente induzir sintomas por vários meios, como envenenamento, sufocamento, fome e infecção [4].
O diagnóstico é muito difícil, mas pode envolver as seguintes situações:
- crianças que tem vários problemas de saúde que não respondem ao tratamento ou que seguem um curso persistente e intrigante [6];
- achados físicos ou laboratoriais altamente incomuns, que não correspondem ao histórico médico da criança ou são fisicamente ou clinicamente impossíveis [6];
- sintomas de curto prazo que tendem a parar ou melhorar quando a vítima não está com o perpetrador (por exemplo, quando a criança está hospitalizada) [6];
- mãe, pai ou cuidador que não são tranquilizados por “boas notícias” quando os resultados do teste não encontram problemas médicos, mas continua a insistir que a criança está doente e que irá “procurar outro médico” para encontrar um profissional que acredite no que ele fala [6];
- pais ou cuidadores que são excessivamente encorajadores para realização de procedimentos médicos, ou um que demonstram raiva e exijam mais intervenção, mais procedimentos, segundas opiniões ou transferências para instalações mais sofisticadas [6].
Na maioria dos casos, as vítimas de SMP precisam de hospitalização. E como podem ser considerados um “mistério médico”, as internações hospitalares tendem a ser mais longas que o normal. Qualquer que seja a causa, os sintomas da criança – criados ou fabricados – aliviam-se ou desaparecem completamente quando o agressor não está presente [1, 4, 6].
A facilidade do acesso a informações sobre sinais, sintomas e diagnósticos
em saúde, têm tornado ainda mais complexa a apresentação dos
sinais dessa síndrome. A capacidade para a identificação desses casos perpassa
pela necessidade de se compreender de forma bem elaborada o percurso
clínico e evolutivo habitual das doenças pois, é a partir da identificação
dos elementos que fogem do que se espera clinicamente da patologia, que
vai ser possível fazer a suspeição da síndrome [1, 4, 6].
Obtendo ajuda para a criança
Se houver suspeita de SMP, os profissionais de saúde são obrigados por lei a denunciar o fato. No Brasil o ECA pode ser acionado e a criança na iminência de sofrer outro abuso pode ser entregue a outros familiares, ou ficar sobre a guarda do conselho tutelar, até que o perpetrador busque tratamento [5, 6].
Em alguns casos, os pais ou responsáveis podem negar as acusações e mudar para outro local, apenas para continuar o comportamento. Se a criança for devolvida à custódia do perpetrador enquanto estiverem envolvidos os serviços de proteção, a criança pode continuar sendo vítima de abuso enquanto o perpetrador evita tratamento e intervenções. [5, 6].
Reconhecer o SMP como uma doença que tem potencial para tratamento é uma maneira de dar esperança às famílias nessas raras situações. O manejo desses casos deve ser feito por uma equipe multidisciplinar, envolvendo pediatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras e advogados [5, 6].
Referências:
- MOURA, Egas et al. Síndrome de Munchausen por procuração. Rev. Saúde Infantil, v. 22, p. 75-81, 2000.
- TRAJBER, Zelik et al. Síndrome de Munchausen por procuração: o caso da menina que sangrava pelo ouvido. Jornal de Pediatria, v. 72, n. 1, p. 35-39, 1996.
- ZENONI, Alfredo. Quando o filho realiza o objeto (A respeito da chamada” síndrome de Munchausen por procuração”). Psicologia em Revista, v. 8, n. 12, p. 65-71, 2002.
- PIRES, Joelza MA; MOLLE, Lucas D. Síndrome de Münchausen por procuração–Relato de dois casos. Jornal de Pediatria, v. 75, n. 4, p. 281-286, 1999.
- BANNWART, Thais Helena; DE FARIA BRINO, Rachel. Dificuldades enfrentadas para identificar e notificar casos de maus-tratos contra crianças e/ou adolescentes sob a óptica de médicos pediatras. Revista Paulista de Pediatria, v. 29, n. 2, p. 138-145, 2011.
- Sociedade Brasileira de Enfermagem Forense (SOBEF). Síndrome de Munchausen por procuração: quando o amor pode matar, 2018. Disponível em: https://sobef.com.br/sindrome-de-munchausen-por-procuracao-quando-o-amor-pode-matar/#:~:text=A%20s%C3%ADndrome%20de%20Munchausen%20por,maioria%20das%20vezes%20a%20m%C3%A3e.