Suicídio nas Forças Armadas
Por Ten. Rodrigo Rocha Correa
Podemos definir o suicídio tanto na sua forma etimológica quanto em uma simples sentença. Tem sua origem no latim e advém da junção das palavras “sui” (si mesmo) e “caederes” (ação de matar) e pode ser compreendida como sendo o ato voluntário por qual um indivíduo possui a intenção e provoca a própria morte. Os principais agentes precipitantes de tal ato sórdido são as mortes por armas de fogo, enforcamento, envenenamento e inclusive privação de alimentação (a famosa “greve de fome”). É consequência de uma perturbação psíquica acentuada a tal ponto que a pessoa afetada encontra como refúgio e resolução de seus problemas ceifar a própria vida. Os dados acerca do suicídio são expressivos e por vezes rechaçados pela sociedade em geral, o que acaba se tornando um tabu.
Somente no Brasil, são registrados 28 óbitos por dia, a maioria se enquadrando nas faixas etárias das extremidades da pirâmide populacional, ou seja, a prevalência entre jovens (principalmente adolescentes e início da fase adulta) e idosos é maior. Mas quais são as causas que podem levar a esse ato extremo?
Alguns fatores orgânicos são bem conhecidos e nós, profissionais de saúde, lidamos com tais patologias diariamente, a saber: neoplasias, doenças neurológicas desmielinizantes, pacientes HIV positivos ou com SIDA, alcoólatras, drogaditos e algumas doenças mentais (estágios avançados de Depressão Major). Há de se ressaltar também os problemas sociais como fator de somatização aos fatores orgânicos supracitados, levando como resultado inexorável o suicídio; a situação de moradia, falta de emprego, violência urbana e insucesso no matrimônio são alguns deles. Feita esta introdução, vamos aplicar tal situação no âmbito das Forças Armadas.
Considerando os últimos dados acerca do número de militares em território brasileiro, temos aproximadamente 219.585 soldados e 280.000 reservistas. Sem contar os oficiais, sargentos e seus dependentes. É um número expressivo de pessoas. Desta forma é possível inferir que as diversas patologias que encontramos e tratamos no meio civil afetarão com certeza essa parcela seleta da população brasileira. Logicamente o suicídio neste meio é uma das principais causas de óbitos entre os militares da ativa. Em nosso país não temos dados fidedignos, provavelmente por falha de notificação e de mais pesquisas nessa área; porém os dados a serem mostrados são do Exército dos EUA (tão grande em número como o nosso) e , por conseguinte , podemos fazer uma analogia.
Somente no ano de 2012 foram registrados no U.S. Army 349 mortes por suicídios, ou seja, 1 a cada 25 horas. O maior acesso a armamentos, o conhecimento de sua manutenção e utilização associado aos fatores orgânicos e sociais aumentam ainda mais o risco no meio militar. Associe-se a isso o assédio moral pelo qual passam alguns soldados em sua rotina nos quartéis, piorando ainda mais a situação. Houve alguns casos recentes e que foram divulgados na mídia, como o do Major que durante uma formatura em seu Batalhão pegou sua pistola e atirou contra sua cabeça; e outro soldado da Aeronáutica que, ao saber que sua namorada o estava traindo pegou o fuzil, colocou o cano dentro de sua cavidade oral e apertou o gatilho.
Atualmente o Exército Brasileiro, através de uma ótima iniciativa de conscientização dos militares, principalmente destinado aos Comandantes de Batalhões, os quais convivem diariamente com soldados e sargentos compreendidos nas faixas etárias de risco, promoveu o 1º Encontro de Prevenção ao Suicídio, em Brasília-DF. Foram discutidas algumas diretrizes com enfoque nas medidas preventivas ao suicídio, assim como a elaboração de cartilha a ser distribuída em praticamente todas as Organizações Militares (OM). Faz-se mister o conhecimento por parte dos Oficiais Superiores alguns indícios de seus subordinados que podem levar a tal evento catastrófico. Irei citar alguns em nível de conhecimento científico e geral:
1) Algumas frases proferidas podem ser de relevância e serem levadas mais a sério como “ não agüento mais”, “quero sumir”, “quero morrer;
2) Mudança repentina de comportamento, ou seja, uma atitude totalmente diferente da esperada para aquele tipo de personalidade;
3) A utilização de drogas lícitas e ilícitas pode precipitar quadros psicóticos em pessoas possuidoras de algumas doenças mentais, levando a atitudes extremas. Nos quartéis é comum a utilização de entorpecentes, o que pelo regulamento disciplinar é transgressão grave;
4) Perda de interesse nos afazeres diários, levando por vezes à labilidade emocional. Vários foram os casos que atendi na Unidade Militar ao qual sirvo;
5) Por último, temos um quadro de simulação de melhora, ou seja, a pessoa é conhecidamente depressiva, inclusive com uso contínuo de psicotrópicos e, de repente, refere estar bem mais disposto ou melhor. Ganhando a confiança de médicos e da própria família, a pessoa tem a intenção de permanecer sozinha e, desta forma, cometer o suicídio sem a interferência de terceiros.
VÍDEO DO 1º ENCONTRO DE PREVENÇÃO AO SUICÍDIO DO EXÉRCITO BRASILEIRO
Através deste texto espero ter obtido a atenção necessária e a conscientização de profissionais de saúde, sejam eles civis ou militares, e então aplicá-los em sua prática como medida preventiva e eficaz de um ato tão extremo e terrível que é tirar a própria vida.
* *Rodrigo Rocha Correa é Médico Graduado pela UEM (Universidade Estadual de Maringá) e 1º Tenente do Exército Brasileiro,Chefe da Seção de Saúde do 30º Batalhão de Infantaria Mecanizado, localizado em Apucarana-PR.