1. Tecnologia: de acessório a protagonista.
Com uma reviravolta de dar inveja em qualquer filme dirigido por Quentin Tarantino, o ano de 2020 inverteu a lógica e transformou o mundo digital, antes um mero acessório, em protagonista em nossas vidas.
A fim de não perder o contato social e continuar performando nas atividades do dia a dia, fomos introduzidos - ou obrigados - à uma nova maneira de exercer nossas funções e nos comunicar com o mundo que também está isolado.
Aos poucos fomos nos acostumando com o uso da tecnologia, antes envergonhados de ligar a câmera ou expor ideias ao microfone, hoje já tornou-se estranho e não eficiente ter que nos deslocarmos para realizar uma breve reunião.
Foi assim também com a telemedicina, que ganhou espaço e voz nesta quarentena, uma vez que a pandemia impôs inúmeras barreiras ao sistema de saúde. O medo de contaminar-se com o vírus durante o deslocamento para o hospital foi um dos mais evidentes e difíceis de contornar. ¹
O senso de urgência, em busca de vias alternativas para manter o acesso à saúde, aumentou o contingente médico favorável à tecnologia e rapidamente a telemedicina ganhou muitos adeptos com o propósito de perpetuar o cuidado, mesmo à distância, de seus pacientes. ¹ Mas engana-se quem pensa que a telemedicina ganhou corpo e robustez somente agora, na verdade desde a invenção do telefone, em 1870, pelo empresário escocês Alexandre Graham Bell a consulta à distância vem sendo realizada.
Não é preciso de muito esforço para recordamos as inúmeras consultas que ocorriam pelo telefone tarde da noite. Bastava uma mãe preocupada e um filho doente para o pediatra da família ser requisitado. Aliás, a telemedicina de hoje demonstrou-se um sucesso em determinadas situações em que a anamnese e o exame físico podem ser realizados “localmente" pelo próprio paciente - com auxílio de algumas tecnologias de monitoramento - e os achados devidamente convertidos, de forma eletrônica, para a consulta remota. ²
Assim, a prática centenária de exercer a medicina e transpor os limites geográficos através da tecnologia vem, cada vez mais, sendo aperfeiçoada para maior conforto e acessibilidade do paciente.
2. O case Albert Einstein de sucesso.
Na vanguarda da telemedicina de alta qualidade, o Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) iniciou suas atividades com o implemento da telemedicina em janeiro de 2012 na gestão do ex-presidente Dr. Claudio Lottenberg. ³ À época, o HIAE desenvolveu um programa, em conjunto com o Ministério da Saúde, de suporte aos hospitais públicos no pronto-socorro e unidade de terapia intensiva (UTI) com apoio em tempo real de seus especialistas. ⁴
O programa conseguiu submeter todos os pacientes admitidos no pronto-socorro com diagnóstico neurológico e elegíveis para transferência a um centro terciário, a fim de uma avaliação neurológica ou neurocirúrgica, à consulta por telemedicina com um neurologista da equipe do HIAE. ³
Mais do que isso, antes da implementação do programa a trombólise nunca havia sido utilizada em casos de acidente vascular cerebral (AVC) em um dos hospitais contemplados com a tecnologia. Após o programa, 11% dos pacientes foram submetidos ao protocolo de trombólise para AVC. ³
Assim, o HIAE lançou luz à telemedicina de alta qualidade no Brasil e demonstrou que a prática, mais do que possível, é eficiente na democratização do acesso à saúde de qualidade em áreas remotas e sem especialistas.
De 2012 em diante, o hospital desenvolveu cada vez mais a tecnologia e foi aperfeiçoando a execução das teleconsultas, incorporando protocolos internacionais de Tele propedêutica e Tele Anamnese com intenção de tornar o cuidado em saúde mais assertivo.
Segundo Dr. Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein, os investimentos em inovação estão entre 2% e 3% da receita de R$ 2,9 bilhões (2019). ⁵ Esse aporte massivo de recursos em inovação, com profissionais capacitados trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana, pode ser observado nos serviços de ponta ofertados em telemedicina pelo hospital e denota, lógico, a força desse mercado em ascensão.
Um dos inúmeros produtos disponibilizados, a Tele UTI, foi estruturada com o intuito de sistematizar a visita multiprofissional remota e otimizar o atendimento de pacientes internados. Transpondo barreira físicas, o serviço remoto consegue levar para dentro de clínicas e hospitais as melhores práticas assistenciais do paciente grave, sob uma ótica multiprofissional, e permitir maior democratização do conhecimento. ⁶
Em artigo publicado, Dr. Klajner afirma que o uso da telemedicina agiliza processos e tratamentos, aumenta a chance de diagnósticos precoces, reduz custos e evita desperdícios. Também, leva conhecimento de especialistas a lugares que não contam com esses profissionais sem prejudicar o humanismo e a relação médico-paciente. ⁷
Além disso, o compartilhamento de know-how, com clínicas e hospitais, sobre os mais diversos assuntos ajuda a elevar o nível de excelência da medicina ofertada em diversos centros pelo país. Atualmente o HIAE conta com 1,2 mil cidades atendidas e quase 1,6 milhão de usuários em todo o Brasil, uma ampla cobertura de saúde no território nacional e que vem se desenvolvendo a passos largos. ⁸
A título de curiosidade, somente durante os quatro primeiros meses de pandemia, as teleconsultas aumentaram em 1.758% no hospital, com um total de 66,7 mil atendimentos remotos de fevereiro à maio de 2020. ⁸
Aqui vale um adendo, embora a telemedicina tenha sido descrita como um grande auxiliador no suporte de emergências de saúde pública e desastres - leia-se COVID-19 -, é importante esclarecer que nenhum programa de telemedicina é criado da noite para o dia. ⁹
O crescimento estrondoso em números e cobertura em saúde do HIAE só foi possível graças ao investimento e desenvolvimento precoce, quase há uma década, na tecnologia, apostando no potencial de transformação e ampliação do acesso à saúde.
Por fim, tive a rica oportunidade de entrevistar Dr. Claudio Lottenberg, líder na implementação da telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein, que de forma lúcida e precisa pontuou:
"A telemedicina é um instrumento que garante equidade, universalização e acesso facilitado aos serviços de saúde. Mas deve ser usado com garantias de que dados e segurança do paciente serão preservados. Essa forma de atendimento médico ainda deverá evoluir muito ao longo do tempo como instrumento de inclusão social – mas para que isso aconteça, é preciso começar. Seus efeitos e benefícios serão colhidos e reconhecidos ao longo dos anos." Lottenberg, Claudio.
O case Albert Einstein de sucesso demonstrou que a telemedicina pode sim ser uma grande aliada no exercício da profissão, focada em ampliar o acesso a cuidados de saúde, conforto, e informação de ponta para os pacientes, sem deixar de lado todo o humanismo e empatia necessários para uma consulta de excelência.
Vale lembrar que a revolução da telemedicina já começou, está a todo vapor, e o melhor dia para se adequar à ferramenta foi ontem, o segundo melhor dia, hoje. Portanto, mãos à obra.
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Referências:
[1] Romanick-Schmiedl, S., Raghu, G. Telemedicine — maintaining quality during times of transition. Nat Rev Dis Primers 6, 45 (2020). https://doi.org/10.1038/s41572-020-0185-x
[2] Penninga, L., Lorentzen, A. K. & Davis, C. A telemedicine case series for acute medical emergencies in Greenland: a model for austere environments. Telemed. J. E Health. https://doi.org/10.1089/tmj.2019.0123 (2019).
[3] Steinman Milton, Morbeck Renata Albaladejo, Pires Philippe Vieira, Abreu Filho Carlos Alberto Cordeiro, Andrade Ana Helena Vicente, Terra Jose Claudio Cyrineu et al. Impacto da telemedicina na cultura hospitalar e suas consequências na qualidade e segurança do cuidado. Einstein (São Paulo). 2015; 13(4): 580-586. https://doi.org/10.1590/S1679-45082015GS2893.
[4] Brasil. Ministério da Saúde [homepage na internet]. Portal da Saúde. PROADI-SUS. Brasília (DF): Ministério da Saúde [acesso em 26 de setembro de 2020]. Disponível em: http://portal saude.saude.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=95 38&Itemid=497
[5] Sambrana, Carlos [homepage na internet]. Telemedicina: no Albert Einstein, 300 mil serão remotos [acesso em 26 de setembro de 2020]. Disponível em: https://neofeed.com.br/blog/home/telemedicina-no-albert-einstein-300-mil-atendimentos-serao-remotos/
[6] Hospital Israelita Albert Einstein [homepage na internet]. Tele UTI: Visita Horizontal Diária a UTI. [acesso em 26 de setembro de 2020]. Disponível em: https://www.einstein.br/Pages/produto-telemedicina.aspx?eid=10&vid=2
[7] Klajner, Sidney [homepage na internet]. Telemedicina: caminho para a superação das barreiras logísticas na saúde [acesso em 29 de setembro de 2020]. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/telemedicina-caminho-para-supera%C3%A7%C3%A3o-das-barreiras-na-sa%C3%BAde-klajner/
[8] Schlindwein, Manoel [homepage na internet]. O impacto da pandemia na telemedicina do hospital albert einstein [acessado em 26 de setembro de 2020]. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/radar/o-impacto-da-pandemia-na-telemedicina-do-hospital-albert-einstein/
[9] Hollander JE, Carr BG. Virtually perfect? Telemedicine for COVID-19. N Engl J Med. 2020 https://doi.org/10.1056/NEJMp2003539