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Testamento Vital

Testamento Vital
Luciana Dadalto
mai. 6 - 9 min de leitura
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Testamento vital

[avatar user="leucianadadalto" size="thumbnail" align="left"]Luciana Dadalto é Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG, Mestre em Direito Privado pela PUC Minas, Advogada e consultora de saúde na Dadalto & Carvalho e mantenedora do site http://testamentovital.com.br/ e autora do Livro "Testamento Vital"[/avatar]

As Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) são um gênero de documentos de manifestação de vontade do paciente legalizado nos Estados Unidos da América em 1991, com a Patient Self Determination Act  (PSDA). Essa lei dispõe, em sua segunda seção, acerca das advanced directives – conhecidas no Brasil como DAV -, gênero de documentos de manifestação de vontade para tratamento médico, do qualfazem parte o living will e o durable power of attorney for health care.

Em recente artigo publicado pelo JAMA, Thompson[1] (2015) esclarece que as diretivas antecipadas são instruções escritas que o paciente prepara para guiar o cuidado médico e que se aplica em certas situações, como doenças terminais ou graves e incuráveis, surtindo efeito sempre que o médico determinar que o paciente está incapaz de tomar decisões. Thompson afirma ainda que existem dois tipos comuns de DAV: (i) o living will, conhecido no Brasil como testamento vital, documento pelo qual o próprio paciente define quais tratamentos médicos ele deseja ou não ser submetido; (ii) o durable power of attorney, conhecido no Brasil como mandato duradouro, documento pelo qual o paciente nomeia um terceiro para tomar decisões em seu próprio nome, quando este não puder fazê-lo.

Todavia, no Brasil, é comum a utilização dos termos testamento vital e DAV como sinônimos[2]. Tal confusão se deve ao questionamento da tradução literal de living will, razão pela qual “é possível perquirir se a tradução literal seria ´desejos de vida´ ou ainda ´disposição de vontade de vida´. (...) torna-se questionável se, originalmente, este instituto foi realmente equiparado a um testamento ou se tal confusão foi provocada por um erro de tradução para outro idioma, que foi perpetuado. Entretanto, testamento vital não é a melhor denominação, vez que remete ao instituto do testamento, negócio unilateral de eficácia causa mortis, o que, de todo, não é adequado”[3].

Essa confusão foi perpetuada na resolução 1995/2012 editada pelo Conselho Federal de Medicina sobre o tema, que, no artigo 1o, conceitua DAV utilizando-se do conceito de testamento vital.

Art. 1o Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

A referida resolução é de extrema importância para a discussão do testamento vital no Brasil pois supriu uma lacuna de normas éticas-disciplinares sobre os documentos de manifestação de vontade do paciente, contudo, a ausência de lei específica sobre o tema no país ainda é um grande entrave para a popularização desses documentos.

Sabe-se que as resoluções feitas pelos Conselhos de Classe tem força coercitiva apenas entre os membros dessa classe, o que, no caso da resolução CFM 1995/2012, significa dizer que ela só vincula os médicos. Entretanto, apesar dessa vinculação restrita, a resolução possibilitou que o Poder Judiciário se manifestasse acerca da constitucionalidade da manifestação de vontade do paciente, por meio de um testamento vital, o que foi feito no julgamento da Ação Civil Pública n. 0001039-86.2013.4.01.3500.

Assim, apesar de inexistir lei específica sobre o tema no país, é possível afirmar que o testamento vital é lícito no Brasil.

Ressalte-se, entretanto, que estamos em um perigoso estágio de confusão acerca do que, realmente, significa o testamento vital, pois, no afã em conceder aos pacientes a autonomia que tanto se propaga como princípio bioético, o testamento vital tem sido confundido com documentos genéricos de manifestação de vontade do paciente, e, novamente, é preciso frisar que o testamento vital é um documento de manifestação de vontade do paciente que só terá eficácia quando o paciente estiver fora de possibilidades terapêuticas, com um doença grave e incurável.

Do ponto de vista prático, caso uma pessoa deseje fazer um testamento vital hoje no Brasil, recomenda-se que o documento seja alicerçado em quatro domínios[4]:

a) valores e desejos: tópico em que o paciente deixará claro, com suas próprias palavras, quais são seus valores e desejos, afim de nortear eventual tomada de decisão da equipe médica. A título de exemplo, o paciente pode escrever que acredita que sua vida não é digna quando ele não mais puder andar ou falar.

b) decisões sobre o fim da vida: esse é o tema central do testamento vital. Aqui, o paciente deve elencar quais são os estados clínicos em que deseja recusar ou aceitar tratamentos, procedimentos e cuidados médicos, elencando ainda, quais são os cuidados, tratamento e procedimentos que ele aceita e recusa.

Nesse ponto, é imperioso lembrar que o testamento vital restringe-se à situações de fim de vida, em que o quadro clínico é graves, incurável e/ou terminal, por exemplo, doenças denegerativas, estado vegetativo persistente, câncer na fase terminal.

É também imperioso ressaltar que só podem ser recusados procedimentos, tratamento e cuidados que sejam extraordinários, ou seja, que tenham como objetivo apenas prolongar a vida biológica do paciente, sem, necessariamente, garantir a qualidade de vida do mesmo, por exemplo, quimioterapia, diálise, reanimação cardiorrespiratória, antibióticos.

c) diretrizes para a equipe médica: nessa parte, o paciente pode nomear um médico de sua confiança, desde que esse médico concorde com a nomeação. Também é aqui que o paciente deve manifestar ciência das limitações da equipe de saúde no que tange à prática de atos contrários à ética profissional, bem como reconhecer o direito do profissional à objeção de consciência.

d) revogação: é importante o paciente deixar expresso que tem ciência de que pode revogar sua vontade expressa no testamento vital a qualquer tempo.

Caso o paciente deseje nomear um procurador para cuidados de saúde, poderá fazê-lo em documento autônomo (mandato duradouro), ou como uma cláusula no testamento vital, situação em que o testamento vital será transformado em uma DAV, ou seja, um documento que contém um testamento vital e um mandato duradouro.

É muito comum as pessoas questionarem acerca da necessidade de registro em cartório do testamento vital. Como não há lei no Brasil, inexiste essa obrigatoriedade, contudo, exatamente por não haver lei no Brasil esse registro – que na verdade tem o nome técnico de lavratura de escritura pública - é recomendável, pois aumenta a segurança jurídica do documento, dificultando assim que pessoas questionem a validade da vontade do paciente.

Sob o ponto de vista do médico, a resolução 1995/2012 dispõe no § 4o do artigo 2o  que cabe ao médico registrar as DAV no prontuário, quando elas lhe são comunicadas diretamente pelo paciente. Entretanto sabe-se que tal documento, apesar de ser manifestação da vontade do paciente, interfere sobremaneira na conduta médica e mais, na maioria das vezes, o outorgante é vulnerável tecnicamente para fazê-lo, necessitando de informações do médico. Assim, cabe aos médicos a difícil tarefa de, de modo imparcial, fornecer as informações técnicas sobre cuidados, procedimentos e tratamentos que o paciente deseja aceitar ou recusar no seu testamento vital, evitando sempre manifestar sua opinião sobre o que considera certo ou errado, uma vez que o testamento vital é expressão de vontade do paciente e não do profissional.

Enfim, percebe-se que o testamento vital ainda é um tema controverso e pouco conhecido para tanto para o médico quanto para o paciente, e apenas com a disseminação de informações sobre o assunto é que conseguiremos implementar esse documento na rotina da relação médico paciente, reconhecendo a autonomia do paciente e a mitigando conflitos na tomada de decisões para os médicos.

 

[1] THOMPSON, Amy E. Advance Directives. The Jornal of the American Association (JAMA). 2015;313(8):868.

[2] A título de exemplo, “… as primeiras repercussões jurisprudenciais da resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que, em boa hora, regulamentou as chamadas diretivas antecipadas de vontade (também conhecidas pela denominação testamento de testamento vital ou testamento biológico”. (SCHREIBER, 2014).

[3] DADALTO, Luciana. Testamento Vital. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2015.

[4] DADALTO, Luciana. Diretivas Antecipadas de Vontade: proposta de modelo brasileiro. [Doutorado]. Programa de Pós em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical da faculdade de Medicina de Minas Gerais. 2013a.

 


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