Conheci Dona Júlia por acaso.
Visitaria um grupo de cerca de 12 pacientes por seis meses em suas casas. Por coincidência ou obra divina, fui até o endereço de Dona Júlia. Esperava encontrar outra paciente. Qual não foi minha surpresa quando, ao ver seu RG, descobri que não se tratava da pessoa que procurava. Mas, aquela senhora em minha frente já havia me cativado.
Ao abrir a porta de sua casa e me receber em seu lar com tamanho respeito e carinho meu coração foi inundado pelo bálsamo que as visitas domiciliares produzem naqueles que realmente se entregam. Dona Júlia passou, naquele momento, a fazer parte do grupo de pacientes que visitaria com regularidade.
Ao longo de três meses fui em sua casa. Conversamos. Eu aferia sua pressão, verificava sua glicemia capilar, perguntava se havia alguma dúvida quanto a suas medicações. Mesmo com as dificuldades impostas pela idade sempre me tratava com simpatia, cordialidade, gentileza. Meu último encontro com ela se deu de forma engraçada e única.
Cheguei em sua casa bem na hora em que estava no banho. Sua filha pediu que a aguardasse no sofá. Qual não foi minha surpresa quando Dona Júlia sai do banheiro enrolada em uma toalha. Disse a ela que não tivesse pressa para se arrumar. Com seu jeito único disse de seu quarto: "Ah... Mas, também médico está acostumado a ver pessoa sem roupa..." Caí na risada. Voltou com um roupão branco e ficamos conversando. Ela me pediu um glicosímetro neste dia. Disse a ela que tentaria conseguir na US.
No dia em que iniciei o quarto mês de visitas fui informado pela US que o aparelho de Júlia havia chegado e seria entregue no dia seguinte. Fiquei muito feliz com a notícia. Entretanto, não deu tempo de comemorar com ela.
No dia em que a visitaria, ao passar por sua rua vi uma coroa de flores em frente de sua casa. Na hora pensei em Dona Júlia e na possibilidade dela ter descansado. Fui visitar seu vizinho Paulo e ele confirmou minha hipótese. Disse que ela havia se sentido mal na última noite e que ao chegar ao hospital teve três paradas cardíacas e não resistiu. Dona Júlia descansou.
Ao sair de seu Paulo, minha professora que me acompanhava neste dia perguntou se não queria ir até lá para vê-la. Preferi guardar a imagem de Dona Júlia sorrindo para mim quando saiu do banho enrolada na toalha.
Dona Júlia carregava uma fé incrível. Não tenho dúvidas de que a morte não foi seu fim, mas o início de uma nova etapa na eternidade. Dona Júlia conquistou seu espaço em meu coração, marcou minha caminhada pela medicina, e será sempre lembrada com carinho e saudades.
Quanto a mim, posso dizer que fui privilegiado em poder conhecê-la.