Quando se pensa em consumo excessivo de açúcar e gordura, há uma tendência a associarmos esse comportamento a um transtorno alimentar ou à obesidade. Entretanto, nossa busca por guloseimas pode estar relacionada a questões muito mais profundas e anteriores a uma síndrome metabólica ou a um transtorno psiquiátrico.
Nosso cérebro trabalha o tempo inteiro, mesmo quando estamos dormindo, e o que comemos influencia diretamente na forma com que ele funciona… ou “disfunciona”. Isso porque existe uma via de mão dupla entre nossa dieta e como o cérebro vai se acostumando a ela, podendo levar a um hábito alimentar mal adaptativo (ou seja, você se adapta e gosta de consumir algo mesmo sabendo que te faz mal).
E o seu emocional tem um papel extremamente importante nesse processo!
Tenho certeza de que você já deve ter ouvido ou falado "tô comendo doce demais, mas é só emocional", "ando ganhando peso, mas é emocional", "não consigo emagrecer, mas é emocional". Eu adoro como o fato de ser "só emocional" parece pouca coisa para muita gente, e que basta querer parar para mudarmos um hábito. Mas o que de fato acontece no nosso cérebro?
Cerca de 20-25% da energia do nosso corpo é consumida pelo cérebro, que requer um suprimento constante de glicose para funcionar. Aproximadamente 60% da glicose do corpo vai para esse órgão. De modo geral, o carboidrato que ingerimos será degradado em glicose, mas há diferenças em como o corpo faz isso, dependendo se o carboidrato é simples ou complexo. Os açúcares são carboidratos simples, isto é, sua digestão e absorção são mais rápidas.
Quando estamos sob situações constantes de estresse, nosso cérebro entende que estamos em perigo e que por isso precisa de energia para manter o “alerta” e preparar nosso corpo para reagir: o tal mecanismo de luta ou fuga. E aquele docinho gostoso sempre disponibiliza um montão de glicose rapidinho no sangue [1]. O cérebro sabe disso e à medida que o atendemos vamos reforçando esse comportamento. Algo a se perguntar é: o que está gerando em você essa sensação constante de luta ou fuga?
Além disso, o estresse crônico pode alterar os circuitos de enfrentamento do estresse e os dopaminérgicos mesolímbicos (os relacionados ao vício, inclusive) potencializando a sensibilidade à recompensa, modulando a preferência alimentar, estimulando a busca por comidas mais palatáveis e induzindo mudanças que promovem ganho de peso e de gordura corporais [1-3]. Ou seja, lidar com o estresse pode nos fazer buscar formas compensatórias de prazer e motivação na comida, treinando nosso cérebro a querer cada vez mais.
Então, podemos interpretar nossa busca por açúcar e gordura de duas formas, não necessariamente excludentes:
- estamos no modo luta ou fuga e nosso cérebro e nosso corpo precisam de energia para lidar com isso, e/ou
- estamos nos sentindo desmotivados ou ansiosos e buscando formas de compensar uma angústia.
Essa questão é particularmente preocupante entre adolescentes, já que durante essa fase, os sistemas de recompensa dopaminérgicos estão mais ativados. É um período de exploração do mundo, de descoberta daquilo que traz prazer e excitação. Não à toa vemos adolescentes sempre muito envolvidos em atividades que muitos considerariam arriscadas ou inconsequentes. Isso significa que adolescentes sob uma dieta rica em carboidratos e gorduras estão mais suscetíveis a desenvolver obesidade e outras condições associadas.
Embora a obesidade infantil e do adolescente fosse antes um fenômeno muito associado à sociedade norte-americana, o consumo de fast foods e de alimentos ricos em açúcar tem crescido em outros países [4]. Isso tem chamando a atenção para uma dita epidemia não apenas de obesidade como também de transtornos alimentares entre adolescentes.
Portanto, quando for assaltar a geladeira no meio da noite ou ligar para o açaí do bairro, é importante observar se está comendo para ter uma sensação pontual de prazer ou se está virando um hábito. E de modo algum estou falando para abrir mão do agrado. Eu mesmo quando estou de bode ou um pouco ansioso meto a colher no pote de doce de leite como se não houvesse amanhã. A questão é o hábito e as razões por trás dele. Todo excesso gera consequências para o corpo e para a mente.
Faça uma autoanálise e seja honesto(a) consigo mesmo(a). Se necessário, converse com algum amigo ou familiar a respeito ou busque ajuda profissional. Comer rotineiramente aquilo que nos faz mal no longo prazo pode ser um pedido de socorro do seu cérebro para você. Preste atenção no que ele tem a lhe dizer.
Referências:
[1] YAU, Yvonne HC; POTENZA, Marc N. Stress and eating behaviors. Minerva endocrinologica, v. 38, n. 3, p. 255, 2013.
[2] CHAO, Ariana et al. Food cravings mediate the relationship between chronic stress and body mass index. Journal of health psychology, v. 20, n. 6, p. 721-729, 2015.
[3] YANOVSKI, Susan. Sugar and fat: cravings and aversions. The Journal of nutrition, v. 133, n. 3, p. 835S-837S, 2003.
[4] GOLDEN, Neville H. et al. Preventing obesity and eating disorders in adolescents. Pediatrics, v. 138, n. 3, 2016.