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Como foi ser Médico na Olimpíada Rio2016

Como foi ser Médico na Olimpíada Rio2016
Fernando Carbonieri
ago. 22 - 7 min de leitura
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Minha jornada como médico olímpico começou em 2014. Dois anos depois posso afirmar que a escolha de "doar" meu trabalho a este evento foi muito acertada e trouxe uma nova perspectiva de mundo e da minha profissão.

O processo para trabalhar nos Jogos Olímpicos Rio 2016 foi cheio de altos e baixos. Num primeiro momento, a oportunidade foi recebida com alegria e empolgação. Sentimentos que aos poucos foram diminuindo por diversos motivos, sendo o principal o desgosto de olhar a nossa política e os noticiários pessimistas que afirmavam que os jogos seriam mais uma catástrofe tupiniquim.

As eleições duvidosas que colocaram Dilma e depois Temer no poder, as Obras atrasadas, a Lava a Jato, o aparecimento da Pandemia do Zica Virus, a falência da saúde pública no Rio de Janeiro e alguns problemas na marcação dos cursos oferecidos aos voluntários, levantavam questionamentos se eu seria uma marionete publicitária de um evento multibilionário que estava fadado ao fracasso. Ou não...

Mas o sonho de criança em participar dos jogos era maior que essa instabilidade toda. Pensei em desistir sim, pois tudo era voluntário. Viagem, alimentação e estadia não seriam custeados pela organização... Assim foi em Londres e assim foi no Rio de Janeiro. Ainda, a opinião de vários amigos afirmando que jamais fariam isso, contribuia para uma "depressão" pré jogos.

De outro lado, médicos estrangeiros que pude conhecer no período que antecedia os jogos, elogiavam a atitude e falavam da grande responsabilidade e do privilégio de poder fazer parte disso. Familiares e amigos médicos e não médicos também apostavam no grande momento que estava por vir.

Estavam certos os estrangeiros e estavam certos aqueles que aos poucos foram melhorando as minhas espectativas. A empolgação verdadeiramente veio ao assistir a abertura dos Jogos. A festa que encantou a todos foi um grande combustível para viver os pungentes dias dos jogos.

De repente não me continha mais e queria chegar o quanto antes ao Rio para poder vivenciar tudo aquilo. Obrigado a Dra Beatriz Costa e ao Daniel de Moraes que recebeu a mim e ao meu amigo Daniel de Carvalho que pode ser o médico das competições de boxe e viu o brasileiro ganhar seu ouro. Sem vocês, não seria possível pois os custos de hospedagem eram extremamente altos.

Os jogos foram espetaculares. Pude viver momentos únicos e conhecer gente do mundo inteiro. Vi os mais fortes, os mais altos e os mais rápidos passarem a menos de 10m de mim. Assisti os 100m rasos, os 200m rasos e o 4x100m masculino dali. Até tirei uma foto com o Bolt, logo após vêlo lançar dardos depois da vitória nos 4x100m (isso as 2 da manhã).

Bolt arremessa um dardo para perder um carro

foto com a lenda

A maior parte do tempo eu pude ser um espectador. Mas nos momentos em que eramos exigidos, pudemos ajudar os atletas na sua preparação nos FOPs (Field of Play) de Aquecimento, nos momentos críticos de lesão ou de esgotamento ao término de cada prova, ou por poder atender  seus treinadores e colegas de comissão técnica que também apresentaram problemas de saúde corriqueiros no Posto Médico de Atleta.

Aliás... Posto esse exemplarmente equipado e perfeito para o atendimento pré hospitalar. O que não adiantaria de nada se não tivessemos as competentes lideranças do Medical 1 Cristiano Laurino e da Medical 2 ( a Mamãe) Amanda Rodrigues.

Tomo a liberdade de publicar o texto que o Dr. Cristiano Laurino enviou as mais de 250 pessoas envolvidas com o Trabalho médico no Estágio Olímpico. Assim da pra ter uma ideia da complexidade da tarefa e da grandiosidade do êxito que todos conseguimos:

"Termina aqui os Jogos Olímpicos Rio 2016 e também a maior experiência profissional da minha vida. Foram anos de preparação e um mês de trabalho intenso em equipe dentro do Estádio Olímpico. Mais de 6000 pessoas dedicaram seu trabalho e conhecimento específico no Estádio Olímpico para atender às competições.

Foram 289 árbitros que regeram com maestria uma competição de atletismo representada por 207 países, 2470 atletas, 42 modalidades e distribuindo 186 medalhas. Com uma área de 188.000 m2 e capacidade máxima de 58.000 espectadores, montamos no Estádio Olímpico, 6 postos médicos, 6 postos de "field of play", além de 9 ambulâncias.

Foram mais de 300 profissionais da área médica do mundo todo, incluindo médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, massoterapeutas e socorristas, que foram selecionados e treinados no atendimento ao paciente.

Todas as mais extremas sensações físicas e mentais foram vividas neste momento da história conhecido por Jogos Olímpicos. Expectativa, competição, deslumbramento, foco, superação, decepção, alegria, tristeza, espetáculo, tragédia, disposição, esgotamento, reconhecimento, esquecimento, gratidão, insatisfação...transformação...revolução. Sem dúvida o melhor que a humanidade pode criar para registrar em números e sensações o que o ser humano é capaz de fazer.

Momento da história humana em que o maior número de pessoas trabalham ativamente ou vivenciam como espectadores dentro de um grande evento.

Agradeço o empenho, a dedicação e a qualidade de todos os membros da Equipe Médica do Estádio Olímpico com quem tive a honra de trabalhar nestes Jogos. Agradeço à Amanda Rodrigues, que soube gerenciar a operação médica com maestria. Aprendi demais com todos vocês.

Agradeço a confiança e oportunidade depositada em mim de poder gerenciar esta competente e grandiosa equipe médica.

A todas as demais equipes do estádio, meu muito obrigado. Sem vocês nada do que o mundo viu seria possível.

Sim nós juntos resgatamos a dignidade e alegria de sermos brasileiros. Sim nós fizemos os Jogos Olímpicos Rio 2016! Cristiano Laurino"

Ele ainda adicionou: "Os Jogos trouxeram ânimo de volta ao brasileiro!"

Cristiano, você tem toda a razão. Pudemos ver que quando estamos unidos podemos muito mais. Não há espaço para coitadismos e nem para os pessimistas que apenas reclamam sem se engajar, sem arregaçar as mangas e simplesmente fazer.

O Brasil pode dar certo sim. Mas isso só irá acontecer se passarmos a valorizar nossos campeões de todas as áreas. Nossa população pode produzir muito, só basta o incentivo. O incentivo está na competição e na valorização do mérito, seja nos esportes, seja em qualquer atividade.

Aos que tiverem oportunidade semelhante, não deixem escapar. Essa foi uma experiência de uma vida e espero que todos tenham oportunidades semelhantes.

Um abraço a todos e espero vê-los em 2020 em Tokyo, pois lá estarei novamente.


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