Academia Médica
Academia Médica
Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
PsiquiatriaVOLTAR

CinePsiquiatria #2: Ilha do Medo

CinePsiquiatria #2: Ilha do Medo
Eduardo Alcantara
set. 10 - 11 min de leitura
070

Olá, leitores! Este projeto é uma coluna periódica chamada #CinePsiquiatria, com recomendação e análise de filmes para os amantes de cinema e psiquiatria. O CinePsiquiatria é um trabalho proposto pela equipe da Academia Médica que recebeu grande aceitação e apoio dos leitores da comunidade. Queremos agradecer aos vários comentários e ressaltamos a importância da participação de todos para oferecer uma melhor discussão dos filmes. 

Para aqueles que ainda não viram o CinePsiquiatria #1 sobre o filme Clube da Luta,  CLIQUE AQUI. 

E aqui vai o CinePsiquiatria #2, no qual tentarei, na visão da psiquiatria, analisar uma das grandes obras do cinema ocidental, o filme de 2010, do gênio diretor Martin Scorsese: Ilha do Medo (Shutter Island)

Pegue sua pipoca e vamos lá!

AVISO DE SPOILER! SE VOCÊ AINDA NÃO ASSISTIU AO FILME, É RECOMENDADO VOLTAR APÓS O TÉRMINO DA PELÍCULA!

“O que poderia ser pior? Viver como um monstro ou morrer como um homem bom?”  - Andrew Daniels 

Ilha do Medo foi, e ainda é, um filme com boa avaliação da crítica especializada, e que sempre está presente nas discussões de cinema e psiquiatria por todo mundo.  O filme foi lançado em 2010 com um orçamento de 90 milhões de dólares e teve uma receita estimada em 295 milhões de dólares, ou seja, foi sucesso desde seu lançamento.

Shutter Island foi estrelado por um elenco de peso: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo e Ben Kingsley, e dirigido pelo premiado diretor Martin Scorsese.

O filme é repleto de metáforas, mistérios e detalhes que o diretor deixou para o público e seu final pode ter várias interpretações; além de que o cinema é uma maravilhosa forma de arte, e pode ter diversas explicações para o mesmo conteúdo. Tentarei aqui avaliar o caso pela visão da psiquiatria e chegar ao quadro aproximado do personagem que, apesar dos detalhes, a análise carece de alguns dados psicopatológicos. 

O enredo do filme basicamente conta a história de um agende federal que investiga o desaparecimento de um paciente no Hospital Ashecliffe para Criminosos Insanos, em Shutter Island, no porto de Boston. O filme inicia com o personagem de Leonardo DiCaprio (atuação perfeita) chegando a ilha com seu "parceiro" Chuck  para investigar o sumiço de Rachel Solando. O personagem então descobre que aparentemente todos estão escondendo algo e que possíveis experiências médicas estão sendo realizadas nas dependências da instituição.

 


Tudo se passa na cabeça do personagem como um delírio ou o filme é uma conspiração? 


 

O que é delírio? 

O célebre autor Karl Jaspers (1883-1969) (1979), cita as ideias delirantes, ou delírio, como juízos patologicamente falsos. Segundo o livro de psicopatologia do professor Paulo Dalgalarrondo (Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais), obra categórica que todo médico residente em Psiquiatria deve ter na cabeceira da cama: "o delírio é um erro do ajuizar que tem origem na doença mental. Sua base é mórbida, pois é motivado por fatores patológicos. Ideias delirantes típicas são observadas na prática clínica, por exemplo: “Tenho certeza de que meus pais (ou os vizinhos) querem me envenenar”; ou seja, o delírio nada mais é que uma falsa crença, tal crença não se abala mesmo com os melhores argumentos. 

Agora que entendemos um pouco sobre os delírios, vamos falar um pouco sobre uma interpretação bem comum do filme, ao qual não será meu foco, pois quero tentar categorizar o personagem à luz dos transtornos mentais. Em suas diversas explicações, o filme pode ser interpretado da maneira em que o personagem de Leonardo DiCaprio estava de fato sendo vítima de uma rede de mentiras desde o momento em que foi indicado para investigar o desaparecimento de Rachel Solando, tornando-se assim um alvo de toda a trama que ali estava sendo elaborada e que o levou a ser lobotomizado por ter encontrado a verdade: que o hospital era palco de experimentos com seres humanos. Assim, prefere ser lobotomizado e esquecer tudo.

Se você tem outras teorias, diferentes das apresentadas aqui, compartilhe conosco. Será um prazer ter a participação dos leitores. 

Independente das teorias sobre o desfecho do filme, temos a apresentação inicial de um personagem que sofre sinais evidentes do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). O personagem Andrew Daniels foi um soldado na Segunda Guerra Mundial, na qual um dos seus feitos foi participar da libertação de um campo de concentração nazista de Dachau. Evidentemente ele sai traumatizado dessa experiência. O TEPT é um transtorno comum entre ex-combatentes de guerras e é caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais em decorrência de testemunha ou vítima de atos violentos ou de situações traumáticas que, em geral, representaram ameaça à sua vida ou à vida de terceiros. Esse Transtorno causa grande sofrimento e pode apresentar lembranças repentinas, os famosos flashbacks, causando uma gama de sintomas, como ocorre no filme. Lembro que o TEPT também existe em nosso meio urbano onde a violência, infelizmente, impera. Se você tem ou conhece alguém que apresenta tais sintomas busque ajuda de um médico psiquiatra, profissional que irá indicar o melhor tratamento para o caso, que abrange quase sempre a excelência da equipe multidisciplinar. 

“O paciente é inteligente: um veterano de guerra condecorado e delirante; presente na libertação de Dachau. Ex-delegado federal. Tem propensão à violência; não tem remorso pelos seus crimes, pois nega que eles aconteceram. Altamente desenvolvido, com narrativas fantásticas, o que impede que ele veja a verdade de suas ações.” - descrição de paciente tirado do prontuário do personagem Andrew Daniels.

(Ficção: o prontuário médico é do paciente e é sigiloso, esse trata-se de um personagem de um filme, ou seja, fictício, parte de uma obra artística).

Analisando sob a luz da psiquiatria temos o personagem de Leonardo DiCaprio com sinais evidentes delirantes, de difícil argumento, pois seu "parceiro" tenta  por meio de psicodrama mostrar a realidade e o mesmo continua com sua percepção cheia de delírios, quadro que nos leva a pensar em um transtorno psicótico, mais propriamente dito Esquizofrenia. 

Segundo a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-V, a Esquizofrenia é uma doença que faz parte dos transtornos do "Espectro da Esquizofrenia e outros Transtornos Psicóticos", é uma síndrome clínica heterogênea, seus sintomas característicos envolvem uma série de disfunções cognitivas, comportamentais e emocionais. Lembrando que não existe nenhum sintoma patognomônico do transtorno.

O diagnóstico de esquizofrenia envolverá o reconhecimento de um conjunto de sinais e sintomas que fazem parte da síndrome associados a um funcionamento social, profissional e da organização da vida diária prejudicados.

A esquizofrenia tem prevalência ao longo da vida, segundo o DSM-V, de 0,3 a 0,7% da população atual. Os sintomas psicóticos que compõe a clínica dessa síndrome, chamada atualmente de transtorno, costumam surgir entre o fim da adolescência e meados dos 30 anos, lembrando que raramente inicia antes da adolescência.

Segue os critérios diagnósticos do DSM-V para Esquizofrenia:

A. Dois (ou mais) dos itens a seguir, cada um presente por uma quantidade significativa de tempo durante um período de um mês (ou menos, se tratados com sucesso). Pelo menos um deles deve ser (1), (2) ou (3):

  1. Delírios.
  2. Alucinações.
  3. Discurso desorganizado.
  4. Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico.
  5. Sintomas negativos (i.e., expressão emocional diminuída ou avolia).

B. Por período significativo de tempo desde o aparecimento da perturbação, o nível de funcionamento em uma ou mais áreas importantes do funcionamento, como trabalho, relações interpessoais ou autocuidado está acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início (ou, quando o início se dá na infância ou na adolescência, incapacidade de atingir o nível esperado de funcionamento interpessoal, acadêmico ou profissional).

C. Sinais contínuos de perturbação persistem durante, pelo menos, seis meses. Esse período de seis meses deve incluir no mínimo um mês de sintomas (ou menos, se tratados com sucesso) que precisam satisfazer ao Critério A (i.e., sintomas da fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas prodrômicos ou residuais. Durante esses períodos prodrômicos ou residuais, os sinais da perturbação podem ser manifestados apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas listados no Critério A presentes em uma forma atenuada (p. ex., crenças esquisitas, experiências perceptivas incomuns).

D. Transtorno esquizoafetivo e transtorno depressivo ou transtorno bipolar com características psicóticas são descartados porque 1) não ocorreram episódios depressivos maiores ou maníacos concomitantemente com os sintomas da fase ativa, ou 2) se episódios de humor ocorreram durante os sintomas da fase ativa, sua duração total foi breve em relação aos períodos ativo e residual da doença.

E. A perturbação pode ser atribuída aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica.

F. Se há história de transtorno do espectro autista ou de um transtorno da comunicação iniciado na infância, o diagnóstico adicional de esquizofrenia é realizado somente se delírios ou alucinações proeminentes, além dos demais sintomas exigidos de esquizofrenia, estão também presentes por pelo menos um mês (ou menos, se tratados com sucesso).

Como já relatei aqui, o personagem não fecha todos os critérios diagnósticos, pois não temos como argumentar sobre o critério E, porém, com relação aos outros critérios conseguimos supor que fica bem aproximado. O personagem apresenta claramente sintomas de alucinações auditivas e visuais, bem como o seus delírios persistentes no longa todo, apesar de mostrar cognitivo preservado e ser bastante inteligente, notamos que Andrew teve prejuízo no seu trabalho e vida, pois entendemos que, neste caso, ele é o paciente e seu parceiro nada mais é que seu psiquiatra usando da estratégia do psicodrama para tentar contextualizá-lo do ocorrido e do seu diagnóstico. Vale a pena ler um pouco sobre psicodrama, uma forma interessante e importante de psicoterapia.

O diagnóstico de um transtorno psicótico, em especial a Esquizofrenia, talvez seja o mais apropriado ao personagem, lembrando que sempre vai carecer alguns dados (Por ex.: Critério D e E - descartar outra condição médica que esteja levando ao quadro).

CURIOSIDADE:  Na época que a Paramount Pictures passou a trabalhar em Ilha do Medo, a intenção era que David Fincher (Diretor de Clube da Luta - o filme que abriu o projeto CinePsiquiatria) fosse o diretor e Brad Pitt (também atuou em Clube da Luta) o protagonista. Todavia ambos deixaram o projeto devido a outros compromissos.

Espero que tenham gostado da análise. Deixe nos comentários o que você achou do projeto e sugestões de filmes para os próximos #CinePsiquiatria.

Esse foi o post CinePsiquiatria #2.  

Clique e leia o CinePsiquiatria #1: Clube da Luta

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1) Associação Americana de Psiquiatria. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-5). Porto Alegre: Artmed; 2014.

2) Dalgalarrondo, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª edição. Porto Alegre: Artmed; 2008.

3) JASPERS, K. Psicopatologia geral. Rio de Janeiro: Atheneu, 1979.

 


Clique aqui para seguir o Dr. Eduardo Alcantara na Academia Médica e para acompanhar o projeto #CinePsiquiatria e os próximos artigos sobre psiquiatria. 

 

Participe do grupo Psiquiatria e receba novidades todas as semanas.


Denunciar publicação
    070

    Indicados para você