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A BENEFICÊNCIA MÉDICA - 2º PRINCÍPIO DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA

A BENEFICÊNCIA MÉDICA - 2º PRINCÍPIO DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA
Hélio Angotti Neto
jul. 7 - 7 min de leitura
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II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

Este princípio faz eco ao antigo preceito hipocrático constante no antigo Juramento de Hipócrates: “conforme minha capacidade e discernimento, cumprirei este juramento e compromisso escrito”.[1]

Colocar toda a atenção do médico na saúde do ser humano equivale a dizer que o paciente tem a primazia na relação terapêutica, merecendo o máximo zelo e o melhor da capacidade profissional.[2] Dizer ser humano ao invés de paciente eleva o princípio à preocupação com o ambiente ao redor do indivíduo que procura o serviço médico.[3]

O grande princípio de ação que se destaca e motiva o zelo e o sincero esforço profissional é, sem dúvida nenhuma, a beneficência. E também é a beneficência que levará o médico a buscar uma vida de virtudes, de aprimoramento pessoal em prol do próximo.[4] É da beneficência que virão magnanimidade, abnegação, lealdade e a solidariedade extensível à sociedade. Tais são compromissos fundamentais dos médicos no passado e no presente, assim como a beneficência, junto à não maleficência, é o grande princípio inspirador da arte.[5]

A falta de zelo (vigilância) e o mau uso da capacidade profissional incorrerão muitas vezes na tríade que caracteriza o erro médico: imprudência, imperícia e negligência, esta última fortemente eivada de caráter moral negativo.

Um exemplo às vezes insuspeito é o simples ato de não preencher o prontuário com capricho, detalhamento e letras legíveis. De uma aparentemente simples falta de zelo advém um possível erro por alguém que toma uma decisão errada com base no prontuário mal preenchido. Todo o processo se iniciou naquele primeiro ato que derivou da falta de zelo.[6]

Em relação ao papel social do médico, desde a antiguidade clássica há indícios de sua participação no que hoje chamaríamos de saúde pública:

Sócrates: E sejam seus mentores ricos ou pobres, isso não fará diferença aos atenienses quando deliberarem acerca da saúde dos cidadãos; tudo o que eles exigirão de seus conselheiros é que eles sejam um médico.[7]

Ainda considerando a questão social, cabia ao médico compartilhar seu conhecimento e educar o paciente, o que incluía a educação das massas, objetivos claramente apreendidos pelo conteúdo da obra hipocrática.

Em “Regime”, livro III:

LXVIII. Primeiramente, agora devo escrever para a grande maioria dos homens sobre os meios para ajudar no uso da comida comum e da bebida, os exercícios que são absolutamente necessários, a caminhada e as viagens por mar requeridas para coletar os meios de subsistência. Escrevo para as pessoas que fazem uso do regime de forma irregular, sofrendo o calor contrariamente ao que é benéfico e o frio contrariamente ao que lhes é útil.[8]

Em “Da Dieta Salutar:

IX. Um homem sábio deve considerar que a saúde é a maior das bênçãos humanas, e aprender por si mesmo como obter benefício em suas doenças. [9]

Em “Afecções”:

1. Qualquer homem inteligente deve possuir o conhecimento essencial para ajudar a si mesmo quando doente, considerando a saúde como do mais alto valor para os seres humanos. Deve também ser capaz de entender e julgar o que dizem os médicos e o que administram em seu corpo, sendo versados em tais assuntos em grau adequado ao leigo. [10]

O médico que pratica a boa medicina sempre considerou o paciente seu parceiro na busca pela saúde[11] e compreendeu a necessidade de se comunicar com eficácia para o bem de todos a seu redor, como se vê na obra “Medicina Antiga”:

É particularmente necessário, na minha opinião, para o que discute esta arte, falar de coisas familiares às pessoas comuns. Pois o assunto de discussão é simplesmente e somente os sofrimentos dessas mesmas pessoas comuns. Que pessoas comuns aprendam sozinhas como os seus próprios sofrimentos surgem e cessam, e as razões pelas quais eles pioram ou melhoram, não é uma tarefa fácil. Porém, quando estas coisas são reveladas e demostradas por outros, tornam-se de mais simples compreensão.[12]

O médico deve ser o guardião do próximo e da sociedade. Sua posição de mantenedor da saúde e seus conhecimentos lhe outorgam grande responsabilidade, movida pelo melhor dos motivos, o bem do próximo, a ser manifestado pelo exercício da maior das virtudes: a caridade.

***

[1] RIBEIRO Jr., Wilson A. Juramento. In: CAIRUS, Henrique F., RIBEIRO Jr., Wilson A. Textos Hipocráticos: o Doente, o Médico e a Doença. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005, p. 151-167.

[2] DANTAS, Eduardo; COLTRI, Marcos. Comentários ao Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 1.917 de setembro de 2009. 2ª Edição atualizada até julho de 2012. São Paulo: GZ Editora, 2012, p. 12-13.

[3] FRANÇA, Genival Veloso de. Comentários ao Código de Ética Médica 5ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p. 17.

[4] Sobre virtudes médicas e beneficência, sugiro consultar as obras de Edmund Pellegrino: PELLEGRINO, Edmund; THOMASMA, David C. For the Patient’s Good: The Restoration of Beneficence in Health Care. New York: Oxford University Press, 1988. PELLEGRINO, Edmund; THOMASMA, David C. The Virtues in Medical Practice. New York: Oxford University Press, 1993. PELLEGRINO, Edmund; THOMASMA, David C. The Christian Virtues in Medical Practice. Washington, DC: Georgetown University Press, 1996.

[5] MIRANDA-Sá Júnior, Luiz Salvador. Uma Introdução à Medicina Volume II: O que é medicina e o que não é. Brasília, DF: Conselho Federal de Medicina, 2016, p. 56-57. GRACIA, Diego. Fundamentos de Bioética. Madrid: Triacastela, 2008, p. 71.

[6] DANTAS, Eduardo; COLTRI, Marcos. Op. cit., p. 12-13.

[7] PLATO. Charmides. Alcibiades I and II. Hipparchus. The Lovers. Theages. Minos. Epinomis. Translated by W. R. M. Lamb. Loeb Classical Library 201. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1927, p. 110-111.

[8] Hippocrates, Heracleitus. Nature of Man. Regimen in Health. Humours. Aphorisms. Regimen 1-3. Dreams. Heracleitus: On the Universe. Translated by W. H. S. Jones. Loeb Classical Library 150. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1931, p. 368-369.

[9] Hippocrates, Heracleitus. Nature of Man. Regimen in Health. Humours. Aphorisms. Regimen 1-3. Dreams. Heracleitus: On the Universe. Translated by W. H. S. Jones. Loeb Classical Library 150. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1931, p. 58-59.

[10] Hippocrates. Affections. Diseases 1. Diseases 2. Translated by Paul Potter. Loeb Classical Library 472. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1988, p. 6-9.

[11] Hippocrates. Ancient Medicine. Airs, Waters, Places. Epidemics 1 and 3. The Oath. Precepts. Nutriment. Translated by W. H. S. Jones. Loeb Classical Library 147. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1923, p. 164-165.

[12] Hippocrates. Ancient Medicine. Airs, Waters, Places. Epidemics 1 and 3. The Oath. Precepts. Nutriment. Translated by W. H. S. Jones. Loeb Classical Library 147. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1923, p. 14-17.

* publicado originalmente no Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina em 19 de janeiro de 2017 -  http://medicinaefilosofia.blogspot.com.br/2017/01/beneficencia-medica-2-principio.html


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