Existem momentos da vida que apenas a incerteza é o certo. Nesse ponto o que vale é a preparação. O cavalo só passa encilhado para quem estiver preparado para o momento que o definirá como a pessoa certa no lugar certo. Na Medicina e no amor, o sempre e o nunca são meras incertezas. O estudo faz o lastro para aquilo que está por vir, para aquilo que você se propõe a fazer.
Um piloto de avião quando prepara seu avião para decolar não tem certeza do pouso suave, mas faz e refaz todo seu "checklist" antes da decolagem para estar pelo caminho certo diante da incerteza. Assim é a vida de todo cirurgião. Desde uma unha encravada até uma artroplastia de joelho, passando por cirurgias de catarata e cesarianas de rotina, o incerto está lá, ao nosso lado. E ao lado dos anestesistas, que vivem horas de calmaria contrapostos por minutos de tormenta. Costuma-se achar que vivemos a vida a 200 por hora, mas não é verdade, é pior, pois vivemos a 100 na segunda marcha, com o motor estourando, como diz um amigo de vida e colega anestesista.
A história da cirurgia está no clássico livro "O século dos cirurgiões" que pode ser lido por leigos, e deveria ser leitura acadêmica obrigatória para todo profissional médico. Você que como eu teve uma apendicite aos 25 anos de idade, não deveria nem estar lendo essa crônica. Mas isso hoje foi banalizado como se em toda Medicina houvesse uma obrigação de resultados. Apesar de todo o aparato técnico-científico dos exames complementares, a Medicina ainda é, e será sempre (aqui ele vale como uma certeza), a arte da observação, do exame clínico detalhado e atento.
A fragmentação da Medicina em especialidades deve servir como resguardo técnico aos médicos e segurança aos pacientes, pois ninguém está obrigado a fazer aquilo que não está preparado. Profissionais de saúde seguros são aqueles que construíram seu conhecimento de forma holística, fugindo meramente do técnico, e a experiência lhes dá segurança diante da incerteza que existe inerente ao ato. Em cirurgia, a incerteza é uma verdade absoluta.
Há um mês, um experiente cirurgião americano, em uma revista científica de artroplastias (próteses de quadril e joelho), resumiu para novos cirurgiões o melhor caminho diante das incertezas do ato: trabalho em equipe, realizar a cirurgia com a certeza que o hospital e a sala cirúrgica estão em condições para isso, simplificar o ato com conhecimento da técnica e fazer um bom julgamento na indicação cirúrgica e na escolha do paciente. Serve de metáfora para a vida. Esteja certo que o incerto lhe testará. Prepare-se para aquilo que se propõe a fazer.
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