Em 1948 o pintor norte-americano Andrew Wyeth eternizou sua vizinha e amiga Anna Christina Olson em sua obra Christina’s World. A pintura retrata Christina, que sofria de uma neuropatia periférica até então sem diagnóstico, de bruços sob seu jardim se arrastando em direção a sua casa. O quadro, apesar de sua recepção controversa na década de 50, tornou-se eventualmente um suspiro realista necessário em meio ao caos do Expressionismo abstrato e conquistou muitos apreciadores.
Dentre os fãs da obra estava o Dr Marc Peterson, professor de neurologia, pediatria e genética da Mayo Clinic que em 2016, decidiu que iria realizar o diagnóstico post-mortem de Olson. Ele concluiu, depois de analisar todo o histórico médico incluindo as pinturas de Wyeth, que Anna Christina sofria de uma neuropatia hereditária rara: a doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT).
As pessoas com CMT possuem mutações em genes que estão envolvidos na manutenção da comunicação dos nervos periféricos com os músculos. A doença inicialmente acomete os nervos motores dos pés o que gera uma dificuldade em caminhar e quedas frequentes. Eventualmente os músculos inferiores das pernas também são acometidos, eles então atrofiam e a pessoa perde a capacidade de andar. Além disso, nas formas mais agressivas da doença, pode evoluir para os membros superiores que podem atrofiar e tornar os ossos das mãos muito mais aparentes.
Embora Wyeth tenha usado sua esposa, trinta anos mais nova que Christina, como modelo para a cabeça e o tronco o artista, com uma perspicácia clínica/artística, preservou fidedignamente os membros de Olson. Na pintura é possível identificar algumas manifestações clínicas típicas da doença: a atrofia muscular dos membros inferiores com perda de função; membros superiores também com significativa perda de massa muscular ainda que com alguma força preservada e uma exacerbação dos contornos ósseos.
Fonte: "Christina's World" by Thomas Hawk is licensed under CC BY-NC 2.0
A protagonista da pintura, apesar de sua fraqueza física, demonstrou diversas vezes sua força de espírito. Anna Christina Olson se recusava a andar de cadeiras de rodas preferindo se rastejar para se locomover o que intrigou Hyeth e o inspirou a pintar a obra, seu objetivo seria “fazer justiça a extraordinária conquista que é a vida de uma pessoa que a maioria consideraria sem esperança.”
Olson vivia com seu irmão em um casebre, com papéis de parede desgastados e pisos desalinhados mas, apesar disso, quando Wyeth ofereceu parte do dinheiro que ganhou com a obra ela recusou afirmando que essa era a sua vida e que ela amava-a do jeito que é.
Atualmente, enquanto muitos buscam mascarar suas peculiaridades físicas e dificuldades financeiras em prol da aprovação social de desconhecidos a obra de Wyeth torna-se extremamente relevante. Wyeth, através da sua simplicidade artística e seu realismo brutal nos lembra que as imperfeições estéticas e as assimetrias corporais também são fontes de beleza.
Se antigamente sua obra se opunha ao Expressionismo abstrato hoje em dia ela se opõe a hipervalorização da perfeição estética que estamos cansados de ver nas redes sociais. Muito mais do que somente ser atraente para os olhos ele mostra que através da simplicidade e do realismo é possível intrigar nosso intelecto e conversar com nossos corações.
Referências:
https://www.sciencedaily.com/releases/2016/05/160506095700.htm
https://www.artsy.net/article/artsy-editorial-controversial-story-andrew-wyeths-famous-painting
https://www.seattletimes.com/nation-world/a-portrait-of-the-wyeths/
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