O mundo virtual, agora chamada de metaverso, é a próxima grande novidade do mundo digital, apresentando-se como o campo da Internet, onde os avatares animados de nossos corpos poderão realizar quase todos os tipos de interação, desde compras até jogos e viagens.
Talvez possa levar uma década ou mais para que a tecnologia necessária acompanhe o hype.
No entanto, atualmente, o setor de saúde está usando alguns dos componentes básicos que formarão o metauniverso — realidade virtual (VR), realidade aumentada (AR), realidade mista (RM) e inteligência artificial (IA) — também quanto ao software e hardware alimentado pelo aplicativo.
Por exemplo, empresas de healthtech e gadgets de saúde estão usando a RM para montar ferramentas cirúrgicas e projetar salas de operação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) está usando AR para treinar os envolvidos no tratamento da Covid-19 e psiquiatras estão usando VR para tratar o estresse pós-traumático.
Já é de praxe encontrarmos escolas de medicina usando alguma dessas variações de realidade para treinamento de anatomia, fisiologia e patologia.
Desde que o Facebook (agora Meta Platforms) adquiriu a Oculus e seu fone de ouvido com tecnologia VR em 2014, ela desenvolveu uma variedade de aplicativos de saúde. Uma das colaborações mais recentes é com o Facebook Reality Labs, Nexus Studios e WHO Academy.
A incubadora da organização desenvolveu um aplicativo de aprendizagem móvel para profissionais de saúde em todo o mundo que lutam contra a Covid-19.
Um dos treinamentos envolve a técnica correta e a sequência de AR simulando a colocação e retirada do equipamento de proteção individual em um smartphone. O aplicativo oferece conteúdo em sete idiomas e é desenvolvido em torno das necessidades expressas por 22.000 profissionais de saúde globais pesquisados pela OMS no ano passado.
A UConn Healt usa a tecnologia Oculus para treinar residentes de cirurgia ortopédica e os preceptores cooperam com a empresa canadense de software médico PrecisionOS para fornecer treinamento em ortopedia em RV e módulos de educação. Usando os fones de ouvido Oculus Quest, os médicos residentes e internos de medicina podem realizar visualmente várias operações cirúrgicas em 3D, como colocar alfinetes em ossos quebrados para avaliar a melhor abordagem para determinada fratura. Como o programa é executado virtualmente, o sistema permite que os alunos cometam erros e obtenham feedback do corpo docente e da equipe para incorporar na próxima tentativa.
A AccuVein desenvolveu um scanner AR que se projeta sobre a pele e mostra a enfermeiras e médicos onde as veias e válvulas estão no corpo do paciente. Essas tecnologias podem tornar os procedimentos médicos mais rápidos e confiáveis. Ao mesmo tempo, com o desenvolvimento contínuo do Metaverso, coexistem excelentes oportunidades para aprimorar o trabalho desse universo.
Com o desenvolvimento da experiência, aplicativos e serviços da Meta, pode-se esperar que as estratégias de saúde funcionem melhor, apesar que é muito cedo para julgar a relação entre isso e as tecnologias e fornecedores de terceiros, uma vez que a própria forma de interação do médico com o grande número de plataformas será um desafio de aprendizado a ser vencido.
A empresa de tecnologia médica Stryker foi uma das primeiras a adotar na saúde os óculos inteligentes da Microsoft, a HoloLens AR.
Em 2016 ela foi lançada para desenvolvimento comercial e em 2017, ela iniciou o dispositivo para melhorar os processos de projeto de salas de cirurgia para hospitais e centros cirúrgicos. Instrumentais cirúrgicos, iluminação, posicionamento e disposição das salas e equipamentos variam com o tipo e porte cirúrgico, assim a HoloLens 2 reconheceu a oportunidade e aprimorou a tecnologia existente para desenvolver projeto de cirurgia 2D para 3D, projetando salas cirúrgicas com apoio de hologramas e avaliando qual melhor disposição traria melhor eficiência no setor, uma vez que sua análise visualizava todos os funcionários, equipamentos, fluxos e configurações sem a necessidade de objetos físicos ou pessoas presentes ou simulando a atividade habitual.
Outra empresa de dispositivos médicos, a Zimmer Biomet, usa a OptiVu Mixed Reality Solutions, que emprega a tecnologia HoloLens como co-piloto na assistência remota e 3 aplicativos: um para fabricar ferramentas cirúrgicas no melhor formato de Doctor Experience; outro que afere e armazena dados para rastrear a evolução clínica do paciente no transoperatório; e mais outro, que permite o compartilhamento de experiências dos médicos com os pacientes antes do procedimento.
Aprender medicina muitas vezes requer percepção visuoespacial avançada, seja para avaliar a manipulação de órgãos durante a cirurgia ou para compreender a fisiologia em um nível celular. Existem limitações para o que você pode aprender em um livro.
O treinamento médico de RM pode ser mais eficaz em áreas que requerem habilidades manuais avançadas. Pode ajudar a orientar o uso de equipamentos cirúrgicos.
O uso de VR ou AR no treinamento de procedimento cirúrgico permite que o interno ou residente médico execute etapas em um paciente virtual ou tenha as informações do paciente sobrepostas à realidade.
Recentemente a Microsoft apresentou o Mesh, uma plataforma RM movida por seu serviço de cloud na Azure, que permite que pessoas em diferentes locais no mundo participem de experiências holográficas 3D em vários dispositivos, incluindo HoloLens 2, uma variedade de headsets VR, smartphones, tablets e computadores de mesa.
A empresa imaginou avatares de estudantes da área de saúde, aprendendo sobre anatomia, reunidos em torno de um modelo holográfico e retirando os músculos das costas para ver o que está por baixo. A Microsoft enxerga muitas oportunidades para sua tecnologia de RM e garantiu um contrato bilionário com os militares americanos para seu uso com soldados.
Na aplicação prática da tecnologia médica de AR, neurocirurgiões da Universidade Johns Hopkins realizaram AR no primeiro paciente vivo da instituição esse ano.
Durante a intervenção inicial, o médico coloca seis parafusos na coluna do paciente durante a fusão óssea. Dois dias depois, outro grupo de neurocirurgiões fez uma exérese de uma neoplasia da coluna do paciente.
As duas equipes usaram fones de ouvido da empresa israelense Augmedics e são equipadas com um display que pode projetar imagens da anatomia interna do paciente, como ossos e outros tecidos, a partir de tomografias computadorizadas.
Assemelha-se a um Waze para navegação na coluna do paciente. Na Miller School of Medicine da University of Miami, os palestrantes do Gordon Medical Education Simulation and Innovation Center usam AR, VR e RM para treinar profissionais envolvidos no tratamento de pacientes com traumas (como o protocolo de treinamento semelhante ao ATLS e ACLS), incluindo acidentes vasculares (AVC), infarto do miocárdio ou ferimentos por armas branca ou de fogo. Os estudantes praticam cirurgias básicas a complexas, principalmente as cardíacas, interagindo no aprendizado de diversas matérias em um modelo do corpo humano chamado Harvey.
Usando fones de ouvido de VR, os alunos podem enxergar a estrutura anatômica subjacente e suas interposições anatômicas exibidas graficamente no Harvey. A intenção é não se limitar por objetos físicos no ambiente digital, amplificando e acelerando (e não substituindo) o treinamento no mundo físico, garantindo que todos os alunos tenham a mesma experiência virtual, não importa onde estejam.
A terapia de exposição à VR, nomeada de Bravemind, tem como objetivo aliviar os sintomas do estresse pós-traumático, especialmente entre os veteranos de guerras, como no Iraque e no Afeganistão. Durante a terapia de exposição, os pacientes desafiam de forma controlada e monitorizada suas memórias traumáticas, simulando suas experiências sob a orientação de um terapeuta treinado. Usando o fone de ouvido, os pacientes podem ser imersos em muitas cenas virtuais diferentes, incluindo cidades temáticas do Oriente Médio e ambientes de estradas desérticas, possibilitando analisar momentos-gatilho.
Há a simulação de pessoas, insurgentes, explosões e até cheiros e vibrações. Ainda, os pacientes podem não apenas confiar na imaginação de uma cena específica, mas também vivenciá-la no mundo virtual como uma alternativa à terapia dialógica tradicional.
Uma vez que há uma média de 20 suicídios de veteranos militares dos EUA todos os dias, existem agora mais de uma dúzia de hospitais americanos que tratam os veteranos de guerra oferecendo a terapia Bravemind, agora baseada em evidências, onde foi demonstrado que reduz significativamente os sintomas do estresse pós-traumático. Além disso, estudos adicionais randomizados controlados estão em andamento.
E não só isso! Os médicos estão prescrevendo jogos de VR para tratar condições como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e depressão. Um jogo de realidade virtual chamado EndeavorRX da Akili Interactive em 2020 se tornou o primeiro videogame com prescrição aprovado pelo FDA (Food and Drugs Administration) para tratar o TDAH em crianças. A Rey está usando a VR para tratar a ansiedade social, reduzindo até 38% dos sintomas de ansiedade em um período de seis semanas de tratamento.
Exercícios baseados em VR, com gamificação e experiência do atleta, estão amplificando o horizonte e permitindo quem não gosta de atividades indoor de praticá-las de uma forma muito mais interativa, dedicada e sustentável a médio e longo prazo. A Meta anunciou que está adquirindo o serviço de assinatura de VR Fitness Supernatural, uma startup de treinamento domiciliar. Com a ajuda do VR surge o fisioterapeuta 2.0. Pacientes em recuperação de AVC ou lesão medular se beneficiam dos exercícios de VR, potencializando os resultados de reabilitação em comparação com os exercícios tradicionais. A XRHealth fornece terapia ocupacional e física de VR domicilar e é coberta nacionalmente pelo Medicare.
Um benefício evidente VR fitness é que ela fornecer um banco de dados individualizado ao médico e ao paciente sobre a frequência e a eficiência do paciente em cada exercício e onde os ajustes são necessários. Um desafio para os sistemas de saúde é manter os pacientes engajados em sua recuperação assim que recebem alta hospitalar. os sistemas de AR domiciliar podem transformar a forma como os médicos gerenciam condições crônicas como diabetes e hipertensão arterial sistêmica, conectando-se a medidores de pressão e glicêmicos vestíveis (wearables) e fornecendo recomendações interativas para pacientes em sua rotina.
À medida que grandes empresas de tecnologia continuam a construir metamundos com empresas de software e hardware, universidades e outros parceiros, o setor de saúde continua sendo um campo de provas na vida real.
Antes do Meta (antigo Facebook), o Google, Apple, Microsoft e Amazon já haviam se encontrado no lucrativo setor da saúde. Haverá desafios para realizar o potencial do metaverso da saúde: fatores técnicos (interoperabilidade, portabilidade), humanos (habilidades, resistência, desconfiança), legislativos e regulatórios.
O Metaverso ainda é um recém-nascido, nem atingiu o período áureo da sua infância, mas já apresenta um grande potencial para mudar e melhorar a saúde. O adulto maduro ainda vai demorar, mas precisamos cuidar desse infante, com todas os cuidados de que bebê humano carece.
Qual a sua opinião sobre o metaverso e essa nova realidade?